Folheto de Cordel homenageando RAUL SEIXAS

O cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945-1989) não era indiferente à Literatura de Cordel. Aliás, a estrutura do Cordel pontua boa parte de sua obra. Existem, pelo menos, cerca de 26 títulos de Cordel catalogados sobre a vida e a arte de Raulzito. Trago aqui um exemplo:

RAUL SEIXAS ENTRE DEUS E O DIABO

Por Costa Senna, 1991

PARTE I

Oh! Deusa mãe do poeta,

Mulher luz do meu destino,

Acende a minha lucidez

Com o teu saber divino -

Nessa hora não me deixas,

Pois vou contar Raul Seixas

Desde quando era menino.

Raul nasceu na Bahia,

Terra de São Salvador,

Desde criança já tinha

O sonho de ser cantor.

No Nordeste brasileiro,

Esse bravo mensageiro

O seu umbigo enterrou.

No ano Quarenta e Cinco,

Muita coisa acontecia:

A primeira bomba atômica

Em Hiroshima explodia -

A guerra já se acabava,

D’uma flor mulher brotava

Raul Seixas, na Bahia.

E, no mundo do pós-guerra,

Raul começa a lutar,

talvez, na pior das guerras

Que o homem possa enfrentar,

Pois o reacionarismo

Semeava comodismo

Fazendo o país parar.

Bahia de Mãe Menininha,

Do petróleo e do cacau,

Ruy Barbosa, Castro Alves,

Gil, Caetano, Tom Zé, Gal,

Onde a linda Gabriela,

Cheirando a cravo e canela,

É fé, ginga e ritual (...)

Ali nasceu Raulzito

Nesse mundo desigual,

Onde, na boca da esquina,

O bem se paga com o mal -

Foi à luta pra vencer,

Fazendo o rock crescer,

Cumprindo o seu ideal.

Sua mãe, uma doméstica,

E o pai, um Engenheiro -

O sonho de Raulzito

Já não era o primeiro:

Antes, quis ser escritor,

Porém ao rock abraçou

Como o maior companheiro.

Depois de ouvir tanta gente,

Raul penetra e atua

Fazendo letras lindíssimas

Levando o rock pra rua -

Entrou mesmo pra valer;

Não podia enfraquecer;

Aquela meta era sua.

- Eu sou o próprio rock,

Isso ele sempre dizia

Ao compor seus loucos sons

Com forte filosofia –

Aonde, podia chegar

Ninguém pôde imaginar.

Nem mesmo ele sabia.

Na Bahia, cantou tudo

O que podia cantar:

Little Richard, Elvis Presley,

Outros que nem sei falar.

Como bravo nordestino,

Também teve o destino

De ir pro sul trabalhar.

Raulzito e os Panteras

Para o Rio então marcharam,

Com o fracasso dum disco,

Com a parceria findaram.

Sem largar sua guitarra,

Raul segurou a barra,

Porém as coisas mudaram.

Foi aí que passou fome

Na Cidade maravilhosa,

Foi essa grande piada

Tanto quanto perigosa.

Voltou, então, à Bahia,

Na psicoterapia

Viu saída preciosa.

Com o emprego na CBS,

Para o Rio ele voltou

E um disco de vanguarda

Raulzito preparou.

Na ausência do presidente -

Foi aí que, finalmente,

Esse disco ele gravou.

Esse acontecimento

Deixou-o desempregado,

Mas, sorrindo orgulhoso,

Não pôde ficar parado:

Preparou um som correto,

Um som limpo e concreto,

Um som bem estruturado.

Misturou xote e maxixe,

Ponto de umbanda e baião,

Rima, repente e xaxado,

Com muita inspiração,

Juntou Elvis com o agreste,

Pink Floyd com o Nordeste -

Foi uma revolução.

Com versos inspiradíssimos,

Consagra-se o seu Rock,

Sua bagagem literária

Atraía e dava choque -

Raul vai filosofando

E consequentemente dando

Pra juventude um toque.

A causa de Ouro de Tolo

Foi um disco voador,

Deu pipoca aos macacos,

Agradeceu o Senhor,

Não sentou um só momento

No “trono do apartamento” -

Ele mesmo confirmou.

No ano setenta e três

Transou Cachorro Urubu,

No palco, com Al Capone,

Foi o maior sururu,

Metamorfose ambulante

Tornou-se hino importante

Na carreira de Raul.

Tornou-se Mosca na sopa

Para a ditadura mouca,

Irritou a burguesia,

Deixou ela quase louca -

Ele seguiu zumbizando,

Muitos, na mesma, engulhando,

Sem poder abrir a boca.

Conheceu o ocultismo,

Escapismo, boemia,

Pulou esotericamente

Dentro da astrologia,

Virou capa de manchete,

Embarcou no trem das 7,

Nos trilhos da poesia.

Raulzito e Paulo Coelho

Causaram grande explosão

Com Gita, Medo da Chuva,

Minas do Rei Salomão -

Este louco foi demais:

Há dez mil anos atrás,

Já percorria este chão.

Festival de Águas Claras,

A massa gritava: – Viva!

E lançado o movimento

Sociedade Alternativa -

Pelo país espalhava

E Raul Seixas cantava

De forma bem expressiva.

Foi expulso do país,

Parou lá no estrangeiro.

Nessas andanças, então,

Conheceu outros roqueiros.

O povo por ele grita:

Com o sucesso de Gita,

Volta ao chão brasileiro.

Raul já volta cantando

O hino Tente outra vez;

Uma injeção de ânimo

Na cabeça do freguês -

Depois, fez um sonzão brabo:

Tocou o Rock do Diabo

Bem no nariz de vocês.

Raul foi a resistência,

Não traiu, nem se traiu,

Não caiu na caretice

Que tanto lhe perseguiu;

Fincou o pé na estrada

E não entrou na jogada -

Isso qualquer cego viu!

Ele apareceu cantando:

- Eu também vou reclamar;

No Dia em que a Terra parou,

Ele logo a fez girar -

Deu banana pra censura,

Cuspiu sobre a Ditadura,

Sem dar bola pro azar.

Com o Segredo do Universo,

Raul passou a beber

E uma pancreatite

Começa a aparecer -

A sua reputação

Entra em perturbação

Sem mais ninguém lhe entender.

E na fase Abre-te Sésamo,

Raul tenta esclarecer:

“Modifiquem a política,

É hora de entender -

Pagando a dívida externa,

Não terá pátria moderna

Com o povo sem comer”.

E para provar que tinha

Uma fineza tamanha,

Não se esqueceu de Ângela,

Fez o Rock das “aranha”,

Em defesa de seus fins,

Criticou praia e patins,

Usando boa artimanha.

Falou da era caótica,

De uma época sem nada;

Após Joplin, Elvis, Beatles,

A vida foi estagnada -

Tudo virou consumismo

E o vírus do modismo

Contagiou a moçada.

Talvez por isso vomitou

Tudo de uma só vez

E viajou no Metrô

Linha 7 4 3 -

De um modo muito franco,

Fez um som preto-e-branco,

Para lembrar de vocês.

O nosso último anarquista

Entrou em outro ideal,

E, de forma consciente,

Ele disse: – Eu sou real.

Provocou os ultrapassados,

Criticou os alienados,

Bandas sem potencial.

Taxaram-no de maldito,

Mas ele não se importou,

No esquema comercial

Sua música não entrou -

Foi dono de sua razão

E a sua piração

Ele muito respeitou.

Raul fez a parte dele,

Faça a sua, meu irmão!

Vamos partir à luta -

Sem essa de depressão;

Pode ir fundo, não tema,

A droga desse Sistema

Terá de ter solução.

PARTE II

No dia 21 de agosto,

Vi no jornal sobre a mesa

Logo a triste surpresa:

Da morte eu tenho queixas,

Ela levou Raul Seixas,

Nosso maluco beleza.

Mas na sexta eu passeava

Pelas ruas da cidade,

Quando avistei um velhinho

Que causava piedade,

Com uma cuia de esmola,

Tocando numa viola

Do tempo da antiguidade.

Na canção ele falava

Que Raul vai muito bem:

No Céu já viu Jimi Hendrix

E Elvis Presley também,

John Lennon, seu grande amigo,

Até lhe deu um abrigo

Numa mansão que lá tem.

Disse o velhinho que lá

Não existe distinção:

Todos falam a mesma língua

E comem do mesmo pão,

John Lennon a todos abriga,

Janis Joplin é grande amiga

De Luiz, Rei do Baião.

Que quando é dia de rock,

No céu não fica ninguém,

Até mesmo Jesus Cristo,

Que já dança muito bem,

Na moçada se amarra

E está treinando guitarra

Pra fazer um som também.

Mas há dez dias atrás,

Deu a maior confusão:

O Diabo foi lá no Céu,

Chamou de Cristo a atenção,

Quase querendo brigar:

- Só vocês querem brincar?

E nós, do inferno, não?

Cristo lhe disse: – Concordo;

Esta lei está errada.

Sente-se e tome um café,

Que vou falar com a moçada -

Sua reivindicação,

Lhe digo de antemão,

Ele será estudada.

Aí chamou Raul Seixas

Mais Antônio Conselheiro,

Também chamou Lampião

E São Pedro porteiro -

John Lennon veio correndo,

Para Cristo foi dizendo:

- O que acontece, parceiro?

Aí Jesus contou tudo

Como era pra contar:

- A opinião de todos

Agora quero escutar,

Pois é grande a decisão,

Na minha concepção

Sozinho não vou tomar.

São Pedro disse: – Senhor,

Eu tenho de ir embora;

Estou aguardando uma alma

Que sobe pro Céu agora -

Eu saindo, ninguém gosta,

Porém a minha resposta

Lhe darei em outra hora.

John Lennon disse: – Eu também

Fico até encabulado;

Numa situação dessas,

Prefiro ficar calado -

Se caso eu aceitar

E a coisa não funcionar

Eu posso ficar grilado.

Então Raul levantou-se

E disse: – Eu quero falar:

O Diabo tem razão

Vindo aqui reivindicar -

É muita humilhação

Ele buscar união

E a gente lhe negar.

Moçada, eu saí da Terra

Porque tinha muita briga.

Que lugarzinho nojento,

Cheio de inveja e intriga!

Vamos fazer união -

Gente, chega de questão!

Somos da nação amiga.

Peço que levante a mão

Quem de mim for a favor -

Por incrível que pareça,

Todo mundo levantou.

O Diabo ficou tão contente

Que correu alegremente -

Raul e Cristo abraçou.

Acabou-se aquela briga

Incompreendida e cruel.

Jesus disse pra Raul:

- Eu lhe tiro o meu chapéu

E lhe dou ainda um toque:

Faça mil anos de rock

Para o inferno e o Céu!

"E quem quiser que conte outra..." Raul Santos Seixas

Costa Senna
Enviado por Paulo Seixas em 01/04/2017
Reeditado em 03/12/2017
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