A SAUDADE GRITOU NO MEU OUVIDO NO ALPENDRE DA CASA ABANDONADA.

(José Fonseca Queiroz e Carlos Aires)

Ao passar no antigo casarão

Ali eu encurtei minhas passadas

Avistei as paredes desbotadas

Os tijolos caídos pelo chão

Eu subi na calçada do oitão

E passei para frente da morada

Voz do vento na porta de entrada

Como se fosse som de um gemido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Eu parei por ali, fiquei pensando,

Nos momentos que outrora foi vivido

E que o tempo malvado e atrevido

Devagar, pouco a pouco foi levando,

Tantas coisas que agora eu relembrando

Fiquei triste, infeliz sem dizer nada,

Com a voz na garganta embargada

Sussurrei cabisbaixo e deprimido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

O morcego no caibro pendurado

Da casinha já se sentindo dono

Como prova real do abandono

Jitirana por cima do telhado

Encontrei por vestígios do passado

O cupim na forquilha da latada

Um cardeiro na ponta da calçada

Vigiando um sonho demolido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Maribondos também se apoderaram

Do telhado e dos cantos das paredes,

E os ganchos em que se amavam redes

Com o peso dos anos se quebraram,

Os esteios também não suportaram

Assim como a pintura da fachada

Que hoje está totalmente apagada

E eu saudoso lamento num vagido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

Encontrei por lá tudo diferente

Já as portas não existiam mais

As saudades que sinto dos meus pais

Me fizeram voltar ao ambiente

E na hora que subi no batente

Minha alma ficou angustiada

Por não ver no alpendre, mãe sentada

Colocando remendos no vestido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

A pequena saleta de jantar

Onde era servida a refeição

Hoje está em total destruição

Nada tem do que tinha no lugar,

Na conzinha, consegui encontrar,

Uns indícios da trempe enferrujada

Fragmentos da jarra espedaçada

Pelo chão poeirento e encardido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

O ferrolho da porta da cozinha

Com o peso dos anos se quebrou

A tristeza sem permissão entrou

Pra ser dona da casa que foi minha

No alpendre da frente onde tinha

Toda tarde reunião marcada

A sujeira ficou acumulada

Essas cenas não tiro do sentido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Fui até na antiga camarinha

Onde foi o refúgio dos meus pais

Tudo que tinha antes não tem mais,

Relembrei de mamãe de tardezinha

Com um terço na mão, e a ladainha,

Fielmente em versos declamada,

Uma santa qualquer sendo invocada

Numa prece em forma de pedido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

Na forquilha no canto da parede

Vi o pote coberto de poeira

Ele que nos serviu de geladeira

Água fria que matou minha sede

No local que armava minha rede

Eu da corda não vi nem a laçada

As formigas fazendo caminhada

Escavando chão de barro batido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Rodeei toda a casa e no oitão

Eu parei procurando e não mais tinha

O jirau com um caneco e a quartinha

O moinho de pedras e o pilão

Lá na sala o rádio “campeão”

Que eu ligava em plena madrugada

Transformou-se em saudade da malvada

Que deixou-me abalado e aluído,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

Na calçada parei pra meditar

Nas mudanças que ali ocorreram

Os vizinhos mais velhos já morreram

E os novos mudaram de lugar

A cigarra cantando sem parar

Numa sobra das palhas da latada

Em um filme sem cena reprisada

Que voltar ao passado é proibido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Eu relembro que tinha atrás de casa

Numa cerca de vara um passadiço,

Na biqueira havia um só cortiço,

Na conzinha um fogão de lenha e brasa,

A lagoa pequena e muito rasa

No verão, de tão seca, esturricada,

A porteira que dava pra estrada

Com um mourão aprumado outro pendido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

Não achei o pinhão nem a ponteira

Minha bola de meia se perdeu

Se o tempo levou não devolveu

Que o tempo não é de brincadeira

Vi o resto da minha baladeira

Que por mãe, certo dia foi comprada

A poeira no vento levantada

Na cancela a canção de um rangido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

O terreiro espaçoso em q’eu brincava

No cavalo de pau, muito contente,

Não tem mais, e ali resta somente,

A saudade a doer de forma brava,

O balanço em que eu me balançava

Na braúna de sombra arejada

Que inda existe, mas muito desgastada,

Pelo tempo acirrado e atrevido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires

As paredes completas de buracos

Umas telhas quebradas pela sala

Os pedaços de uma velha, mala

Uns retalhos de pano, em farrapos

Nos destroços eu vi por entre trapos

Uma teia de aranha pendurada

Velha foto da minha mãe amada

Que o tempo já tinha consumido

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

José Fonseca

Vou agora encerrar esse debate

E achei muito bom nosso relato

Pouco a pouco pintemos o retrato

Dessa casa, e a contenda deu empate,

Sem que houvesse sandice ou disparate

Essa história tão bela foi contada

Por nós dois, e está bem elaborada,

No final, ficou tudo esclarecido,

A saudade gritou no meu ouvido

No alpendre da casa abandonada.

Carlos Aires