O sacrifício do boi chuite

Nas histórias do sertão

Sempre existe magia

Seja elas de bravura

De medo ou valentia

De ciúme ou de amor

De matuto a doutor

É cheia de sabedoria

Narrarei um acontecido

Que pude presenciar

O sacrifício de um boi

Que ninguém pôde evitar

Na fazenda santa izabel

Tentarei ser bem fiel

Com o fato a contar

Década de noventa

Na pequena cachoeira

Era tempo de seca

Por toda ribanceira

A safra foi limitada

Muita gente apertada

Sem tostão na algibeira

Comprou aquela fazenda

Um homem de dinheiro

Prefeito doutra cidade

Queria ser fazendeiro

E naquela nova terra

De planícies e serras

Barragem e barreiros

As terras eram muito boa

Com farta vegetação

Circundada por serra

Com plantas do sertão

Tinha nela pedreira

Açude com corredeira

Mas tava só o torrão

Uma divisa de aveloz

Servia de cerca viva

Limitava a fazenda

De forma arbustiva

Servia de demarcação

Sem exigir manutenção

De forma positiva

As terras tinham pedras

De toda cor e tamanho

Às vezes preocupava

Devido seu rebanho

Perto do precipício

Ali um lugar propício

Pra um fim meio estranho

Seu Batista mui feliz

Com sua nova aquisição

Contratou muita gente

Que tava na precisão

Refez cerca, desmatou

Toda serra ele brocou

Preparou pra plantação

Trouxe para fazenda

Um ligeiro progresso

Muito gado, muita aves

Era tudo um sucesso

Se não fosse a seca

Verde só nas cercas

De aveloz em excesso

Comprando aquelas terras

Resolveu logo povoar

Trouxe bastante gado

E não parava de chegar

Vaca, ovelha, cabrito

Boi, cavalo bonito

O curral começou ajeitar

Cavou mais a barragem

E a parede concertou

Fez aterro num terreno

Uma vazante preparou

Contratou uns vaqueiros

Limpou todo terreiro

E o sua casa ampliou

A fazenda foi atração

Para os olhos sofridos

Que penava no sertão

Seco sem ter chovido

Mais via tanta beleza

Em meio tanta pobreza

Dum povo esquecido

Olhando pra os cavalos

E as carradas de capim

Que chegavam todo dia

Parecia não ter mais fim

Por lá o gado pastando

E o povo apreciando

Como abelha num jardim

Era a fome e a fartura

Vivendo lado a lado

Na primeira o povo

Na segunda o gado

E com muita contemplação

Assistia lá pelo sertão

Um povo amargurado

Entre as suas criações

Muitos bois de boa raça

Chuite, zebu, nelore

Até à vista embaraça

Cada bicho bonito

Isso só coisa de rico

Possuir enorme graça

Nos idos já de novembro

Quando o sol mais desceu

Que a terra ficou seca

E quase tudo lá morreu

Vida só na fazenda

E nessa sina tremenda

Um fato se sucedeu

Um de seus melhores boi

Bonito reprodutor

Garanhão da fazenda

Que tinha admirador

Caiu num desfiladeiro

Quando o seu vaqueiro

Buscava pra seu senhor

O desfiladeiro era alto

E ruim acessibilidade

O boi presos nas pedras

Cheio de enfermidade

Três patas dele quebrou

Até o couro se rasgou

Foi uma calamidade

O vaqueiro pediu ajuda

Tentando o boi tirar

Mas quanto mais se mexia

Piorava a coisa por lá

E já se fazia dois dias

E naquela triste agonia

Querendo o bicho salvar

Na rua um comentário

Causou grande correria

Vinda lá da fazenda

Que seu dono já dizia

Se não houver um jeito

Ficarei mei sujeito

Dar um fim nessa agonia

Farei com muita pena

Mas devo sacrificar

é uma perda das grande

Não tenho como evitar

Sacrifico meu chuite

Sei que ele não resiste

E a carne eu vou doar

Quando na rua souberam

Quase ninguém acreditou

Começaram a torcer

A notícia se espalhou

Correram pra fazenda

Pra pegar a encomenda

Já que o dono falou

Essa era uma época ruim

Que carne ninguém comia

Só mesmo ovo ou um preá

Se por sorte aparecia

Carne nem pra remédio

Começou logo o assédio

Entre tanta correria

Zezim tava no roçado

Largou logo a enxada

Fez carreira pra casa

Juntou a meninada

Com balde e umas bacia

Feito a gota corria

Para não perder nada

Quando Zeca viu aquilo

Preparou o jumento

Botou os dois caçuá

Saiu cortando o vento

Ainda levou um saco

Emburacou no mato

Rumo o acontecimento

Paulo zebra já vinha

Com um carrinho de mão

Gritando pelas ruas

Avisou pra Mané Tião

Biroca, Zé golinha

ArturLino e doquinha

Novin, setonhe e bolão

Fizeram enfica pé

Sem nenhuma demora

Com panela, calderão

Bisaco e caçarola

Faca, foice e machado

Todo mundo avoroçado

Pra chegar lá na hora

Zeza que tava em casa

Um menino curando

Ouviu uma pessoa dizer

Do que tava passando

Largou o ramo na mesa

E com toda destreza

O chinelo foi calçando

Gritou por Berenice

Que escolhia um feijão

Maria escutou tambem

Tava acendendo o fogão

Mas fez logo carreira

A procura da pedreira

Descalça de pé no chão

Era gente na pedreira

Parecia um comício

Menino, velho, mulher

Abandonaram seu ofício

Todo mundo torcendo

Outros sempre dizendo

Só vai no sacrifício

Seu batista olhando o boi

Naquela vil situação

Entalado nas pedras

Sem nenhuma condição

Sofrendo por dois dia

E outra saída não via

Pra salvar o garanhão

O povo se aproximava

Com olhar pessimista

Diziam pra seu batista

Meu senhor não resista

Não tem como o boi tirar

É melhor sacrificar

Seja um pouco realista

Ele balançou a cabeça

Que tava concordando

Disse pra seu vaqueiro

A coisa ta piorando

Sacrifique o animal

Der a carne ao pessoal

Que eu vou caminhando

Quando o povo escutou

Palmas iniciaram bater

Obrigado seu batista

Hoje carne vou comer

Uma velhinha desmaiou

Mas o balde não soltou

E ninguem foi socorrer

Quando mataram o boi

Carcará deu razante

Tiraram logo o couro

Nesse mesmo estante

E começou o bafafá

Manda carne pra cá

Coisinha de seu Abrantes

Foi tumulto da gota

Começou uma confusão

Piu deu um murro em Zé

Que caiu bolando no chão

Com uma perna inteira

Levando na carreira

Do boi parte de uma mão

Dona sibite ao ver

Entrou logo em ação

Deu uma bruta voadora

Que ele perdeu a direção

Caiu nos marmeleiro

Cortou o rosto inteiro

Mas nem soltou o pedação

Jogaram uma boa manta

Para dona violeta

Chico pulou da pedra

Armado de marreta

Tomou e saiu correndo

E o sangue escorrendo

Melando a costeleta

Tonho com seu machado

Foi um osso quebrar

O cachorro de bolão

Na hora que foi roubar

Pegou no seu cachaço

Saiu pelo espinhaço

Num deu pra escapar

Damiana com uma bacia

Encheu toda de tripa

Com medo de tomarem

Armou-se com uma ripa

Colocou debaixo da asa

Fez carreira pra casa

Mas a cachorra chuquita

Uma cobra ia passando

No meio da multidão

Setonho sem perceber

Pisou só com o dedão

A bicha morreu na hora

E sem nenhuma demora

Se perdeu na multidão

O filho de Chico branco

Nem os dentes nasceu

Pegou a rabada do boi

Logo o danado mordeu

Enquanto seu pai briga

Dentro de umas urtigas

Com um tal de sirineu

Era um tinido de faca

Foice, machado e facão

Cortando o pobre do boi

Naquele dia de verão

Durou quinze minutos

Entre queda e insultos

O boi desapareceu

Pra Bastita só o couro

Tomado já de Mané

A cabeça pro vaqueiro

Que queria comer filé

Tibú pegou o coração

Perdeu todo um colchão

Pra o menino de quelé

Depois de destroçado

E a carne repartida

Ficou um campo aberto

A mata toda batida

Um boi,cão e cobra morta

Mas isso pouco importa

Apenas a carne obtida

Zé se intrigou de Mané

Devido a maminha

Voltou triste pra casa

Cum tico de fraldinha

Preparou um assado

E mesmo mal passado

Degustou com farinha

Nos braseiros da lenha

Muita carne se assou

Foi um dia de fartura

Que o povo muito gostou

O cheiro da carne assada

De dia a madrugada

Todo mundo provou

Lembro com saudade

Dos fiapos nos dentes

Mostrando a todo mundo

Muito feliz e contente

Por carne ter comido

Que tinha esquecido

Mas esse dia foi diferente

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 23/10/2016
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