Lavadeiras do Sertão

Trouxas grandes em fileira

Rompiam as madrugadas

Em passadas apressadas

Abrandada na ladeira

Menino abria a porteira

Já saudando o fazendeiro

Que estava pelo terreiro

Caminhando pro curral

De forma bem natural

Cedia o seu barreiro

Um Zé de sua Maria

Com seu grande coração

Que era nossa salvação

Na lida do dia a dia

E quando a seca insistia

Em toda a água secar

Intimando deslocar

Em busca do sítio novo

Que recebe todo povo

Pra sua roupa lavar

O balde beija a bacia

Pegue água, tome cacete

Lavadeiras com macete

Do sabão faz parceria

A sujeira dissolvia

Nas pedras do batedor

Jogava no quarador

Com o chão limpo batido

De vassourinha varrido

Pra peça de toda cor

Cueca , calça, camisa

Toalhas, shorte, vestido.

E um menino cabido

Ameaçado na pisa

Logo a lavadeira avisa

Cuidado pra não pisar

Pra nossa roupa melar

Que estão por ali quarando

Mas um findava apanhando

Sem ninguém ir ajudar

No enxágue a correria

Pra água não se acabar

E o tchak, tchak, tchak e par

Bem de longe a gente ouvia

Enquanto dona Tel ria

Das conversas de Carminha

Contando pra Francisquinha

História lá do passado

Tomando chá requentado

Feito na madrugadinha

Quinze ou vinte batedores

Com suas donas sentadas

E todas empareadas

Contando seus dissabores

Ou lamentando das dores

Já pelas costas sentidas

E as roupas estendidas

Enfeite para o arame

Também galhos de velame

Com suas folhas perdidas

Sob a sombra do aveloz

O lanche tava guardado

Pra depois do ensaboado

Alimentar todos nós

Matando a fome feroz

Com farinha, rapadura

Pra completar a mistura

Alguma rolinha assada

Alegrando a meninada

Rindo dos sem dentadura

Pela rede exprimida

Passava guri mijão

Se molhando no carão

Levando pra toda vida

Essa lição aprendida

Do saber de mãe Cristina

Que aprendeu quando menina

Nas lavadas do passado

E muito tem ajudado

Na melhora da rotina

Na parede, a passarela

Acenavam nossas roupas

E mesmo sendo tão poucas

De branca tava amarela

Parecendo com flanela

Se exibindo para o dia

As donas com alegria

Juntava todo sabão

E sem prestar atenção

A “negada” se fazia

O tibungo desejado

Proibido lá no barreiro

Devido uso corriqueiro

Pra não ficar baldeado

Um ou trinta, bem calado

Pra não chamar atenção

Lavando meu coração

Já sonhando no voltar

Ajudava a suportar

Os calos feitos na mão

No pingo do meio dia

Começava a retirada

As trouxa tudo trepada

No lombo de quem podia

Uma fila se seguia

Rumo da comunidade

Indo com felicidade

Pra em casa descansar

E hoje ao me lembrar

Quase morro de saudade

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 28/08/2016
Reeditado em 14/02/2019
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