Notinhas de cigarro - DINHEIRINHO DE CRIANÇA
– O berço da corrupção –
Nesses tempos de crise
De grande repercussão,
Recordo-me muito bem
De certa corrupção
Que eu pude assistir,
E também pude sentir
Pela dor da usurpação.
Foi na minha terrinha
Que esse fato se deu,
Na Cachoeira do Sapo,
Muita gente envolveu.
Eram apenas crianças,
Fazendo tal lambança,
Vejam o que aconteceu.
Eu, um menino buchudo,
Em meio a outro bocado,
Sem brinquedo nenhum
Pra brincarmos animados,
Andávamos insatisfeitos,
Juntos, demos um jeito,
De ser impossibilitados.
Resolvemos o problema
Com alguma inteligência,
Instituímos uma moeda
Com muita competência.
Feita de maço de cigarros,
Esse nosso dinheiro bizarro
Supria a nossa carência.
Maços usados serviam
Pro dinheiro confeccionar,
Era aceito pela criançada
Nos joguinhos a se brincar.
Fosse bingo, tila, dominó,
Baralho, sinuca e bozó,
Todos podiam apostar.
Até em jogo do bicho
Tinha a sua validade,
As notas eram aceitas
Em toda a comunidade.
Eram a maior diversão,
Se num tivesse elas, então,
Não havia competitividade.
No alpendre de seu Pedro
Fizemos o nosso cassino,
Vivia a toda hora entupido
Com tudo que era menino.
E tome jogo e tome jogo
Pra alegria daquele povo
Que tava ali se divertindo.
Aqui e acolá uns bofetes
De moleque se pegando,
Quando no jogo perdiam
E das notas iam alisando.
Por fora da brincadeira,
De perto tomava madeira
Quem ficava mangando.
O fluxo era bem grande
Nas mãos da meninada
Que saía das escolas
Direto para as calçadas.
Jogarem até o anoitecer
Até a última nota perder,
Ou inda serem trocadas.
Foi um tempo áureo
Da minha diversão,
Os brinquedos caros
A gente num tinha não.
Me divertia todo dia
E desde já eu aprendia
A arte da competição.
Devido à crise de notas
Já difícil de se achar,
Pelas ruas de cachoeira
Todos viviam a procurar.
Saindo de pista afora,
Querendo sem demora
Novas notas encontrar.
Pra solucionar essa crise
Até de sabonete criaram,
Era mais uma nova nota
Que à moeda local aliaram.
E tome nota, tome nota,
Gerando inclusive, agiota,
Que com isso lucraram.
O grande amigo Josa
Um menino inteligente,
Pensou numa solução
E apresentou pra gente.
Visando a coisa organizar,
Pra todo mundo brincar
De maneira eficiente.
Disse: As notas terão valor
De acordo com o preço.
Os cigarros mais caros
Junto com seus adereços.
As quantias serão maiores,
Os baratos ficam menores,
- Se aceitarem, agradeço!
A turma logo gostou
E pensou em aceitar.
Mas pra isso acontecer,
Teria que regulamentar.
E assim, houve eleição,
Fizemos escolher, então,
Quem ia nos representar.
Mas aí o bicho pegou.
Era tanto do candidato
Querendo se eleger
Sem pensar no gasto
Da campanha eleitoral,
E achando isso legal
Caíram no plano nefasto.
E após essa dita eleição
Havia um prefeito eleito,
Mais cinco vereadores
Também venceram o pleito.
Instaurava-se a instituição
Que tinha a nobre missão
De fazer alguns acertos.
Agregar valor às notas
Duma forma equilibrada
Dando fim às desavenças
Entre toda a criançada,
Que buscava supervalorizar
As notas que iam gastar
Quando iam as calçadas.
Seu primeiro ato público
Eu jamais vou esquecer.
Fundaram assim, um banco,
No intuito de corresponder
Às novas necessidades
De toda a comunidade,
Que queria uma conta ter.
Depois de criado o banco
Colocaram um gerente
Que recebia os depósitos
E emprestava aos clientes.
Controlavam os gastos
E sem deixar rastros
Enganavam inocentes.
Notas de Derby e Belmonte
Que tinham pouco valor
Eram trocadas no banco
Por outras de valor superior.
Plaza, Carlton, Mistral,
Holywood e continental,
Também se tornaram inferior.
E pra ampliar o quadro
Os “diamantes” inventaram,
Era vidro de para brisa
Que na BR juntaram.
Bem antes de se lançar,
Houve o cuidado de catar,
Quase tudo eles estocaram.
Depois de tudo definido
Lançaram no mercado
A um preço alto em notas
As quais haviam rebaixado.
O banco fazia a transação
E participando da diversão,
Havia moleque indignado.
Depois dum mês inteiro
De diamante vendido,
Acharam por desaforo
Dar um golpe atrevido.
Diamante valia mais não,
O tiraram de circulação,
Um golpe bem sucedido.
Vendendo seus diamantes
De maneira superfaturada,
O banco reteve as notas
De toda aquela meninada.
E agora sem circulação
Deixou toda a população
Sem praticamente nada.
Foi a crise de oitenta
Que a criançada sentiu,
Não havia mais notinhas
Pois o banco ali mentiu.
Vendendo seus diamantes
Num plano mirabolante,
E que depois sucumbiu.
E ainda por desforra
Para muito desvalorizar,
Derramaram pelas ruas
Pra todo mundo pegar.
E disseram em nota:
Diamante já não voga,
O banco decidiu anular.
Mudaram de novo o valor,
O que era, transformaram.
Notas com alguma valia,
Novamente rebaixaram.
E quem tinha sua riqueza
Retornou para a pobreza,
Pois um golpe aplicaram.
O banco saiu mais rico
A meninada, miserável.
Sem nenhuma nota agora,
Numa situação deplorável.
As que tinham, perdeu valor,
Um verdadeiro despudor
Nunca por nós imaginável.
Aconteceu uma revolta
Por toda a comunidade,
Banco e cassino reviraram
Sem dó e nem piedade.
Houve muitos bofetes
Ameaças com canivete
Perante essa maldade.
Depois desse episódio
Nunca mais eu brinquei.
Fiquei também frustrado
E nunca mais que VOTEI.
Nem mesmo de brincadeira,
Pois sei que só tem sujeira;
Na política me decepcionei.
Embora não queira lembrar,
Nunca consegui esquecer.
Hoje assisto à realidade
Vendo a sujeira acontecer.
Seja no cenário nacional,
Estadual ou municipal,
Outro golpe prevalecer.
Nunca darei cabimento
Nem a golpista ou ladrão,
Não falo por fingimento,
Detesto essa podridão.
Essa classe tão infeliz
De político que se diz
Ser o melhor pra nação.
Não acredito em bancos,
Muito menos em políticos,
Depois dessa que passei,
Desse fato bem verídico.
Me afetou quando criança,
Um símbolo da esperança,
Vendo esses atos ilícitos.
Por isso que eu afirmo
Com absoluta convicção,
Dando aqui meu parecer
Sobre a atual corrupção.
Vivemos um retrocesso,
O Senado e o Congresso
Tá infestado de ladrão.
O Brasil perdeu as rédeas,
Nosso país tá corrompido,
Nas mãos de malfeitores,
De político descomprometido,
Que só entende de manobras,
Ou de superfaturar obras,
Deixando nosso povo falido.
São, por certo, os meninos
Que algumas décadas atrás,
Lá na Cachoeira do Sapo,
Das notinhas e tudo mais,
Aproveitaram aquela febre
Passando gato por lebre,
Enganando os demais.
Minhas notas eu guardei
Para sempre na lembrança,
Tomadas inteligentemente
Por um bando de crianças
Já inspiradas na política,
E com essa atitude ilícita,
Destruíram-me a confiança.
Fim
Uma composição do poeta potiguar, Lino Sapo, com algumas "pinceladas" do poeta Paulo Seixas. Em abril/2016