Lino por Lino: o poeta em poesia
Desculpe-me meu povo
Esse jeito de eu falar
Sou matuto do sertão
Num sei me apronunciar
Perdoem a simplicidade
A vida de humildade
Que vou agora apresentar
Nasci na Cachoeira do Sapo
La nas brenhas do sertão
Num grupo abandonado
A qual tenho gratidão
Por abrigar minha família
Retirantes durante o dia
Em busca de teto e pão
Lá o meu primeiro lar
Após longa caminhada
Uma família formando
Nas ruínas da morada
Pai, mãe e minha irmã
Eu nasci quase manhã
Sob o canto da passarada
Era uma terrinha nova
Abraçando os retirantes
Que há tempo buscava
Um lar aconchegante
Essa sem porta e janela
Sem tranca nem tramela
Já nos servia bastante
Achamos naquele lugar
Descanso da migração
A escola abandonada
Antes servia a educação
Transforma em moradia
Mudando sua serventia
Tornou-se habitação
Pouco tempo passamos
Quase que um ano por ai
O grupo foi reformado
Nós tivemos que partir
Emprestaram uma casa
Batemos nossas asas
Mas pousamos logo ali
Doze casas e uma árvore
Tive o prazer de morar
Até que com muita luta
Meu pai pôde uma comprar
Uma casinha de taipo
De barro e folha de mato
Agradeci e chamei de lar
Era uma casa pequena
Trazendo a liberdade
Do sonho do meu povo
Ficar na comunidade
E aqueles habitantes
Incluía os retirantes
Ajuda pras dificuldades
Ah! casa nostálgica
Do barro com digital
Em todas suas paredes
Uma marca bem natural
E cinco repartimentos
Observou o crescimento
Duma família sem real
Nada por ali era fácil
Pra os novos chegados
Trabalho não tinhamos
Vivíamos aperreados
Sob a linha da pobreza
Uma vida de dureza
Parecia condenados
E assim sobrevivíamos
E a família crescendo
Muitas dificuldades
Foi nos fortalecendo
E sem pensar em parar
Num deixamos de lutar
Mesmo agente sofrendo
Mas sofremos um golpe
Ficamos abandonados
Nosso pai foi embora
Deixou-nos desesperados
Cinco crianças famintas
Nessa situação distinta
Mãe sem nenhum trocado
A fome nos visitou
De forma persistente
Que de muita fraqueza
Uns ficaram doentes
De fome e abandono
Isso nos tirava o sono
De forma comovente
Pra ajudar a família
Pra labuta eu parti
Com apenas oito anos
O peso da labuta senti
Comecei de vendedor
Na parada de Clidenor
Pipocas e balas vendi
E assim era meus dias
De venda e escola
Nessa última eu via
O fim de tanta esmola
Desde roupa de defunto
Esse um triste assunto
Mas me serviu na hora
Na escola a chance
Pra fugir de tanta dor
E começava por lá
O meu lado sonhador
De viver com fartura
Através da literatura
Deixar de ser sofredor
Eu muito quis aprender ler
Pra ter autonomia
Já que o pai antes de ir
Deixou pra minha alegria
Uma caixote com cordel
Que me levava ao céu
Todas as vezes que lia
A princesa do mar sem fim
O de Juvenal e o dragão
Abc dos namorados
As pelejas de cancão
Josafá e Marieta
Até Romeu e julieta
O cangaceiro Lampião
Eles eram o meu tesouro
Não havia televisão
Os folhetos de cordéis
Era a única diversão
História de princesas
Supria falta na mesa
Por isso tanta gratidão
E assim fui crescendo
Amante da literatura
Os livros bons amigos
Parceiros de aventuras
Assim o amor cresceu
Entre os livros e o plebeu
Por força da leitura
Os livros me salvaram
A eles tenho respeito
Ajudou de toda forma
Desfez alguns defeitos
Moldou meu intelecto
O suporte predileto
De todos o mais perfeito
O tempo foi passando
À educação me dediquei
Era uma forma de fugir
Da condição que herdei
Pobre, negro sem nome
Quis assassinar a fome
Inimigo que mais lutei
E já um rapazinho
E tanto sonho guardado
Buscava na educação
Ser por ela libertado
De marginalização
Preconceito e exclusão
Que eu havia provado
Trabalhei no que pude
Querendo algo ganhar
Desdes Vender pirulito
Pastel, dindim e preá
Bati tijolo, fiz carvão
Trabalhei em construção
Também já fui Militar
Vendi Bajé pra bicho
Juntei comer de porco
Vendi manga e milho
Umbu, melancia e coco
Já fui agente de saúde
E ainda tive a atitude
De também arrancar toco
Sempre amantes dos livros
Com a faculdade sonhei
De biblioteconomia
Esse curso que optei
Pois queria ficar perto
Desse que foi por certo
Por onde me libertei
Ao entrar na graduação
Mais uma dificuldade
Duas ao mesmo tempo
Em duas universidades
Mas foi isso que sonhei
E para as duas passei
Iniciava a liberdade
Foi um tempo difícil
Tinha que ir batalhar
Faculdades e trabalho
Ainda devia deslocar
De casa pra capital
Isso era muito natural
Nas caronas a viajar
Noventa quilômetros
Do meu distrito a natal
Município de Riachuelo
De onde sou natural
Na UFRN grátis estudar
Na UNP tive que pagar
E faria novamente igual
O que ganhava não dava
Pra despesas eu arcar
Por ter universidade
E custos pra vim trabalhar
Então ia de carona
E essa vida enfadonha
Valia tudo pra estudar
Trezentas sessenta e sete
Caronas que eu peguei
Trinta e cinco mil km
Com muitos anjos viajei
Auxílio na jornada
Ajuda na caminhada
Com tanto apoio me formei
Dois diplomas num ano
E uma nova realidade
E o menino dos livros
Era formado de verdade
Biblioteconomia e história
O suporte e a memória
Âncora da humanidade
E a coisa foi mudando
Fui trabalhar na UEPB
Gestor da informação
Pra seus alunos atender
E lembrei aquele menino
Que enfrentou o desatino
Querendo na vida vencer
Sou um bibliotecário
Com orgulho e muito amor
Tou ao lado dos mesmos
Que me aliviaram a dor
Na busca do alimento
Provei conhecimento
Fiz-me poeta e escritor
Agradeço ao meu Deus
Não ter me abandonado
Aos anjos das caronas
Aqui meu muitoooo obrigado
A toda minha família
Que com toda maruzia
Ficaram ao meu lado
A dona Sirina e Rafael
Que ajudaram a me criar
Márcia, Jéssica e teté
Que por mim foram falar
Com seus conhecidos
Sou demais agradecido
Por caronas me arranjar
Sou grato aos professores
Esses grandes companheiros
Que estiveram comigo
Desde os meus primeiros
As escolas Públicas
A residência república
Pras pessoas sem dinheiro
E a escola que nasci
Onde o mundo pude ver
Fiz a primeira série
Na sala que fui nascer
La não foi só o meu lar
Foi também o mesmo lugar
Que eu vim aprender a ler
E não posso me queixar
Nem ter outra direção
Sou feliz por eu ser assim
Pois tenho convicção
E digo na minha poesia
Com toda sabedoria
Fui salvo pela educação