Chico de Maria e Maria de Chico
Chico de Maria e Maria de Chico
Foi numa seca daquela
kas istrela muda de cor
Ka lua fica meia mucha
E só o sol tem vigô
Mai nas brenhas do sertão
Numa triste situação
Nasce um grande amô
De Chico de dona Maria
Com Maria de seu Chico
Fui testemunha ocular
Desse amô tão bonito
Duma sustança da gota
Que faz encher a boca
E se mostrou infinito
Foi na segunda idade
Desse casal maduro
Desprezados pela sina
Vivendo no escuro
Da claridade do amô
Da textura e da cor
E temendo o futuro
Numa frente de emergênça
Que juntava trabaiadô
Numa tentativa grande
Pra amenizar a nossa dô
Que na seca penava
E o sertão devastava
Nos fazendo sofredô
E em meio a mutirão
De tanta gente sofrida
De menino a velhos
Que se lançava a lida
Chico oia para Maria
Que naquela sertania
Sentiu-se já querida
Ele um meia idade
Mai cabôco lutadô
Trabaiou desde menino
Era homi respeitadô
Mai naquela idade
Num teve a felicidade
De vivê um grande amô
Nunca namorou na vida
De vergonha era tomado
Era solteirão convicto
A sina tinha aceitado
Morava sozin num sitio
E cuidava cum capricho
Do que havia herdado
Ela era moça de fibra
Que de seus pais cuidou
Um bom casal de velhos
Que pro céu já viajou
Deixando essa coitada
Sozinha e encalhada
E era tudo que sobrou
Se conheceram bem ali
Em mei à movimentação
No pingo do meio dia
Tomando caldo de feijão
Num barracão de cassaco
Descansando o espinhaço
Junto com a multidão
E foi oiares e mais oiares
Se espiano pelo dia
Pelo trecho do trabaio
Os dois sempre se via
Cum riso de poucos dentes
Aqueles dois viventes
Num sabia o que sentia
Ele cavava o barreiro
Ela o barro levava
E volta e meia os dois
Pelo trecho esbarrava
E entre suor e poeira
Quentura e zuadeira
A paixão se entregava
Na parada pro lanche
Um cigarro ele fumava
Depois duns gole d’água
Rapadura quebrava
Guardava um pedaço
Levava água no cabaço
E a ela sempre ofertava
Ela cheia de vergonha
Mai muito agradecida
Tumava umas goladas
Que adoçava até a vida
De esperança e sonho
Com sentimento estranho
Ficava surpreendida
Com tanto galanteio
E sem nem se importar
Com o dizido do povo
Que ficava observar
Um fiapo de paixão
Se amarrando no sertão
Na hora do trabaiá
E depois do fim do dia
Na garupa ela montava
E os dois pela estrada
Alegremente trotava
Ela agarrada na cintura
Cum carinho e doçura
E ele nem acreditava
Os cabelos dela vuando
No rosto dele tocava
E as cigarras ao longe
Uma cantiga assoviava
E na tapera de Maria
Os dois se despedia
E ele sozin continuava
Pensando na sua vida
E no amô que encontrou
Aquela mulê que agora
Seu coração limpou
Com uma bela enxada
Que na labuta foi usada
E nunca se enferrujou
E ela preparando o café
Em meio a fumaça
Sozinha pela tapera
Era só achando graça
Até do bucho roncando
Parecia tá tocando
Compondo uma serenata
E nas telhas apretaiada
Da fumaça do fogão
Via o rosto do seu Chico
Fruto de sua imaginação
Com seu cheiro no café
E não sabia aquela mulé
Kera coisa da paixão
E sonhava acordada
Adipois de tanto tempo
Quarenta e cinco anos
E num viveu esse momento
Essa coisa estranha
Que entra na entranha
Sem pedi consentimento
Era uma coisa muito boa
Como a barra a quebrar
Trazeno esperança
E sem querer acreditar
E a voz de Chico ouvia
Nos ruídos da ventania
Em seus ouvidos falar
Bem antes do sol raiar
Chico ia se chegano
Montado em seu burro
Já tava Maria esperano
Então ela o convidava
Um café ele tomava
Pra sua amada olhando
No aniversário de Maria
Chico fez uma surpresa
Trouxe três preás secos
E colocou sobre a mesa
E tacos de rapadura
Falou sem ter frescura
É seu minha princesa
Maria ficou vermeia
Que nem brasa ao vento
Quis dizê umas coisas
Mai num deu nem tempo
Ele sapecou um beijo
Inchamiado de desejo
E sem constrangimento
Iniciou um redemoinho
Quinté as telhas levou
junto umas dez galinhas
E um pé de juá derrubou
Umas fotos de candidato
Até o quadro de retrato
Da parede se soltou
Testemunhou uma briba
Na cumieira a espiá
Uma casa de maribono
Sozinha a se balançar
Um sapo no pé do pote
Um rádio tocano um xote
A cena foram eternizar
Foi um beijo que selou
Um amor bem demorado
Duas pessoas maduras
Nunca tinha namorado
Mai achava nessa paixão
O fim pra tanta solidão
Que o tempo havia dado
Desse dia em diante
O sertão se inverdô
E num foi pingo de chuva
Foi tempestade de amô
Molhando seus corações
Estriados de rachões
Causado por tanta dor
Chico vendeu seu burro
Sela, cambite e caçuá
E ligeiro sem demora
Cum sua Maria foi morar
E do amor como aprendizes
Os dois foram felizes
Nessa coisa de se amar
O sertão num foi o mesmo
Depois dessa união
Cada pé de facheiro
Hoje exala paixão
O sol resolveu esfriar
A lua voltou a brilhar
Devido dois coração
Que montou na garupa
Da boa felicidade
E nas estações do sertão
Viajou com simplicidade
Só com a mala da alegria
Cheinha de Chicos e Marias
Que se amam de verdade
E não importa a idade
Pro amô vim acontecer
Na hora que ele chegar
Todos gostam de viver
Pode ser um ancião
Do mais remoto sertão
Mas ele encontra você