O dia que fui Herói no sertão
Foi nos tempos passados
Que burro tinha valor
Notícia era por carta
Ou dada pelo locutor
De umas rádios Aeme
Nem se pensava em FM
E nem tinha o televisor
Os roçados empregava
O povo aqui do sertão
As casas tudim de taipa
As malas era o matulão
Os mininos buchudo
Tinha até imbigudos
Outros com um cabeção
Mas todos eles sonhavam
Em um dia poder casar
Construir uma família
Sonhando em prosperar
Também era um sonho meu
Um plebeu dos mais plebeus
Mas querendo namorar
Um dia a sorte sorriu
E butou uma cabôca
No mei da minha vida
Que me adoçou a boca
Foi lá na Pedra Preta
Indo buscar uma marreta
Pesada feita a gota
Na casa de pacote
Conheci a danada
Uma minina risonha
E muito abunitada
Cuidando dum bruguelo
Mago, chorão e amarelo
Numa rede deitada
Minina!!! fiquei doido
Varado alucinado
Falei logo namoro
Pois queria do meu lado
Né cá danada aceitou
Prumode que ela gostou
Desse caba amatutado
Quase que num vinha mais
Voltar pra cachoeira
Olhando pra belezura
Que perdi a estribeira
Tava gostando do amar
Eu queria mesmo ficar
Até esqueci a peixeira
Sai muntado no burro
Só se lembrando dela
O burro vinha trotando
E eu nem senti a cela
Foi uma tarde de viajem
Ainda tinha coragem
De voltar pra olhar ela
Na cachoeira à noite
Todo os dias era medão
Por um tal lobisomem
Que tinha na região
Ninguém saia de casa
De noite ele uivava
Como se fosse um cão
A gente tinha medo
De no bicho até falar
Vai que ele tivesse perto
E pudesse nos escutar
Tinha homem que tremia
E toda noite acontecia
De um com ele esbarrar
Tem gente preparada
Com foice e machado
Enxada e ciscador
Tavam tudo armado
Peixeira e canivete
Outros iam no bofete
Pra pegar o caningado
Agora o maior problema
Era ter um corajoso
Pra enfrentar o bicho
No meio dos medrosos
Alguém pra só iniciar
E o cacete começar
E ser o herói do povo
Aí minha namorada
Faz um convite a mim
Venha hoje aqui em casa
Se não vai ser nosso fim
Mostre que tem corage
Que me ama de verdade
E eu quero ouvir um sim
Rapaz nem pude negar
Mesmo ainda tremendo
Como que eu ia voltar
Isso num tá acontecendo
Hoje o lobisomem
Jantaria esse homem
De medo já morrendo
Mas me montei no burro
E no camin inveredei
Cheguei à boca da noite
Por lá mesmo jantei
Era um apertado de Mão
Muitos beijos com paixão
Do jeito que eu sonhei
A noite foi estendendo
E o vei pigarreando
Era pra eu ir embora
Já mei incomodando
Eu peguei meu jumento
E sai cortando o vento
E do bicho me lembrando
Era noite de lua cheia
Chega o burro tremia
E eu quase me borrando
No mei daquela agonia
E quanto mais andava
Mais a estrada alongava
Sem saber o que viria
Perto do cemitério
Descendo a ladeira
Já bem perto de casa
Me deu uma tremedeira
Quando ouvi um uivo
De preto fiquei ruivo
Começou uma suadeira
Quando eu olhei pra traz
Ouvi umas tropeladas
O lobisomem correndo
Que a poeira levantava
Vinha no meu calcanhar
Perto de me abocanhar
Chega a urêia abanava
Meu burro ficou duro
Num teve como mexer
E eu meti a espora
Querendo me socorrer
E o burro ali parado
Com o rabo arrepiado
E começou a se tremer
Vendo aquele perigo
Resolvi entrar em ação
Botei o burro nas costas
E corri pra salvação
O bicho pega num pega
Quase que perdi a prega
Naquela vil situação
Nesse triste aperreio
O bicho mordeu o burro
Que deu um coice certeiro
E eu só escutei o urro
O bexiga caiu na hora
Bateu na minha espora
Que parecia um murro
Tropecei em segundos
E saímos os três a bolar
Eu, burro e lobisomem
Pela ladeira a rolar
Entres urros, rincho e gritos
Foi o momento mais aflito
Que pude vivenciar
O burro deu outro coice
Na coxa do caningado
Foi coice bexiguento
Escutei o estalado
Aproveitei a ocasião
Sapequei um cascudão
Que o deixou mei apagado
La no pé da ladeira
Quando todos paramos
O lobisomem correu
Percebi ele mancando
Segurando a canela
E a boca toda banguela
Chega tava sangrando
Nisso o povo lá da rua
Vieram em meu socorro
E eu limpando a poeira
E no burro dando expôrro
E o lobisomem chorando
A canela segurando
Mancando pelo morro
Quando vi o povo chegar
Que do perigo me livrei
Tive logo uma ideia
E rapidinho executei
Fiz carreira atrás do bicho
Serei agora bem quisto
Porque o peste eu surrei
Alcancei o lobisomem
Pulando pela estrada
É hoje que me faço
Dei logo umas lapadas
Chega o pêlo caia
O bicho urrava e gemia
E tome mais cacetadas
O povo tudim me viram
Humilhar o lobisomem
Uns nem acreditavam
Uns dizia esse é o homem
E eu todo importante
Iniciava nesse estante
A fama de super-homem
Foi notícia no sertão
A pisa que ele levou
Até o pai da cabôca
Nunca mais me expulsou
Somente meu jumento
Desde aquele momento
Nunca mais ele prestou
E também os meus dedos
Ficaram intrevado
Do cascudo que eu dei
Do medo que fui tomado
Em meio aquela aflição
Fiz-me herói do sertão
A cascudo condenado
O lobisomem evaporou
Ninguém nunca mais viu
Dizem que foi embora
Inté mesmo do Brasil
Com medo de me achar
E outra pisa levar
Por causa disso sumiu
Agradeço a meu burro
Ao tropeço que levamos
Os coices que ele acertou
E deixou o bicho mancando
Os dentes tudo quebrado
O peste desesperado
E o povo me aclamando.