O ENTREGADOR DE AÇO
MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS DA ÁGUA PURA - parte 9 - final
Foi na falta do que fazer
Que ontem me pus a lembrar,
De um “peão” bom pra valer
E a sua história eu vou contar.
Trata-se de um “coroa”,
Um sujeito gente boa
Que não tem medo de ralar.
Nunca aqui, na Água Pura,
Houve um caso parecido,
Um exemplo de bravura
E de um homem destemido.
Ele tem mais de “quarenta”
E o “véi” ainda aguenta
Encarar esse suicídio.
Vai gostar de trabalhar assim
Lá pras bandas da “Baixada”,
Encarar esse serviço ruim
E nunca reclamar de nada,
Recebe de mim um elogio:
Entregador assim, no Rio,
Merece um patrão camarada.
Para encarar essa jornada
E ainda morar tão longe,
É preciso ter fé na parada
E uma paciência de monge.
Preguiça com ele não tem vez,
Só de pensar na entrega do mês
Tem “neguim” que até se esconde.
Todo dia, podem acreditar,
Antes mesmo de o sol nascer,
Ele já começa a se levantar
E nunca falta o que fazer.
Arruma-se, prepara a marmita,
Escova o dente lá na “bica”
E numa prece se põe a dizer:
- Senhor, muito obrigado
Por mais este dia de ação.
À noite, mesmo cansado,
Farei uma outra oração.
Para “Nossa Senhora da Caixinha”
Me aproximar mais das velhinhas,
Mas só as de bom coração!
E corre para pegar o trem
Lá pelas quatro da manhã,
Não espera por mais ninguém,
“Voa” que nem avião da TAM.
Antes, toma um café com “broa”,
Dá um beijinho na “patroa”,
Aquela que é sua maior fã.
E quando o galo vem cantar
Esse “véio” já está a caminho,
Sem ter com quem conversar,
Às vezes, ele viaja sozinho.
E finalmente chega à Central,
Pega um ônibus da Real,
Já com dois sacos de lanchinho.
E às seis horas, sempre fiel
Ele chega em Copacabana,
Atravessa a Princesa Isabel,
No boteco toma uma “cana”,
E se prepara pra mais um dia,
Cheio de gás e correria
Para levantar uma grana.
Mas aí começa uma espera
Da qual ele não pode fugir:
Fica na porta de sentinela
Esperando o Mazinho abrir.
E o tempo vai se passando,
Os outros “peão” vão chegando,
Uns a chorar, outros a sorrir...
Esse é o “Antônio Virgulino”,
Um descendente de Lampião,
Caboclo, forte, desde menino,
Lá pelas quebradas do Sertão.
Um paraibano macho e valente
Que faz inveja a muita gente,
Por sua garra e determinação.
Quando criança não pôde estudar,
Mas felizmente aprendeu a ler.
Nas entregas sabe se virar,
Nome de rua dá pra entender.
Porém, se vê algo diferente,
Ele vem, pergunta pra gente;
Um segundo não pode perder.
Ele até já deixou de almoçar
Por uma entrega lá no Leblon,
Como crente que vive a pregar,
Para ele tudo sempre está bom.
Carreto recusado pela gente,
Para ele é como um presente;
Seu “Toin” nunca perde o tom!
E se alguém se descuidar
Ele toma a vez na moral,
Fura a fila sem se desculpar,
Tudo na maior cara de pau.
Seu Antônio é mesmo um barato,
Com aquele seu bigode de rato
E com aquela cara de mau.
Encara um caminhão carregado
Como se estivesse brincando,
É forte como um boi de arado
E tem disposição até sobrando.
Para acompanhar esse coroa
Tem que ter a saúde muito boa,
Ou alguém vai sair reclamando...
A sua fama de olho grande
O incomoda um pouquinho,
Pois ele não é um muquirana
E tampouco um cara mesquinho.
E essa sua correria desesperada,
Além de prejuízo, não dá em nada,
Como puxar o saco de Mazinho.
E Seu Antônio já aprendeu
Que o bom é ficar na moleza,
E também já se convenceu
Que é melhor fugir da brabeza.
Carreto longe até o Diabo teme,
A preferência é ficar pelo Leme,
Tapeando com muita esperteza.
Enfim, vou por aqui encerrar,
Desse testemunho não abro mão.
Só pra esclarecer, devo lembrar:
Tudo o que falo é de coração.
Estou certo de que finalmente
Encontrei um grande concorrente
Que merece minha consideração.
Paulo Seixas, 02/Março/2008