O ÚLTIMO SUSPIRO

MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS DA ÁGUA PURA - parte 8

A minha vida é uma tristeza,

Nada acontece, para variar.

Eu sequer tenho a certeza

De que algo vai mudar.

E pra aumentar a frustração

Trancaram-me nessa prisão,

Sem chance de me soltar.

Por Deus, o quê que eu fiz

Para merecer tanto castigo,

Eu nunca fui tão infeliz,

E é por isso que eu digo:

Nenhum sofrimento é nobre,

Tudo só cai no “lombo” do pobre

Desamparado e sem abrigo.

A vida não pode esperar,

Eu quero a minha “alforria”,

Para eu poder, então, viajar,

E só assim a minha alegria

Finalmente ela vai voltar.

Nunca mais vou me lembrar

De toda e qualquer agonia.

Vivo em busca da felicidade

E longe de qualquer tortura.

Minha ambição, na verdade,

Era ser gari da Prefeitura.

Mas para minha infelicidade,

Com tanto serviço nessa cidade,

Vim parar logo na Água Pura.

As escolhas que nós fazemos

Nem sempre dão bons resultados.

Às vezes, nem chance temos,

Só apenas de ser humilhados.

Até porque trabalhar com crente

Que é a pior espécie de gente,

Deixa o sujeito mais revoltado.

Não há palavras de consolo

E que me façam entender,

Sou pobre, mas não sou tolo,

E cego é quem não quer ver.

É muito fácil para um cidadão

Se esconder em uma religião,

Com uma Bíblia sempre a reler.

“- Com uma Bíblia na mão

E uma cara de débil mental,

Pregando a enganação

Da Igreja Universal.

Ou será que é outra igreja dessas?

Ah, não faz mal. Igreja de enganar

Otário é tudo igual!”. (Gabriel, O Pensador)

Crente rico é um hipócrita,

Não acredita e nem confessa.

Crente pobre é um idiota,

Que se engana com promessa.

Para viver nessa realidade

Cheia de ódio e de maldade,

Só o dinheiro é que interessa

Não sou nenhum mercenário,

Sou apenas um realista.

Já me fizeram de otário,

Tentaram tapar minha vista...

Lamento essa minha arrogância,

Mas de crente quero distância;

Estão fora da minha lista!

Voltando ao ponto inicial

Um emprego é uma conquista,

Ralando aqui só me dei mal

E eu que era tão otimista...

Agora é meter a firma no pau,

Descolar uma grana legal

E procurar um bom analista.

Mais uma vítima da Água Pura

E que ainda não recobrou o tom,

Testemunha viva dessa loucura

Das cansativas idas ao Leblon.

Um sobrevivente, herói e poeta,

Que decidiu cair fora na hora certa,

Pois ainda sabe o que é bom.

É natural que o cansaço

Tenha tomado conta de mim,

O meu corpo é só inchaço,

Um sofrimento que não tem fim.

Agora só restou-me o bagaço,

O selim arrancou meu cabaço

E vou levando a vida assim.

Foram mais de 33.000

As águas que eu entreguei,

Cada cliente, puta que pariu!

Velha chata, maluco, até gay.

Mas também muita gente boa,

Inclusive, algumas “coroas”

Com as quais eu namorei.

Neste depósito da Água Pura

Baixa toda corja de gente:

O nanico, de baixa estatura,

Alto, forte e até deficiente.

Sem falar nos tipos imundos:

Ladrão, traficante, vagabundo...

A escória está toda presente!

Tudo quanto é cafajeste,

Mas também muito coitado,

Reprovado em qualquer teste

Ou pela vida abandonado.

Gente que vive na sarjeta

E que vem atrás da gorjeta;

Às vezes sai decepcionado.

Eu levaria meu tempo todo

Falando deste lugar estranho,

Não quero aprofundar nesse lodo

Senão daqui a pouco eu apanho.

Mas quero apenas ressaltar,

A saúde vem em primeiro lugar;

Esse é o nosso maior ganho.

A minha única ligação

Com esta empresa fodida,

É por conta da situação

Desta loja estar quase falida.

E para aumentar o meu stress

Sequer pagam o FGTS,

Um atraso para a minha vida.

Ainda que eu quisesse

Já não dava mais para “ralar”.

Quem sente dor não esquece

E nem dá para ignorar.

É a coluna dolorida,

A saúde comprometida;

É o cúmulo do azar!

Um homem que nunca mente,

Às vezes, pode levar um tempão

Para provar que está doente

E sem a menor condição,

De atender imediatamente

À exigência de um cliente

E em seguida, à do patrão.

Só quero agora me curar,

Dor nas costas não é moleza.

Nunca mais volto a trabalhar

E a enfrentar essa dureza.

Serviço bom para mim, talvez,

Só trabalhando metade do mês,

E não sofrendo nessa tristeza.

Estou pensando em me “encostar”,

Dar entrada na aposentadoria,

Tirar o meu tempo para viajar,

Esquecer de vez essa agonia.

Lá na Paraíba, eu posso apostar,

Nunca mais vou querer lembrar

Que fui entregador algum dia.

Paulo Seixas, 01/NOVEMBRO/2006