A VERDADE ABSOLUTA
MEMÓRIAS IMEMORÁVEIS DA ÁGUA PURA - parte 3
Faltar à toa dia de serviço
Não é honrado se justificar,
Até porque é um compromisso
Do qual devemos nos orgulhar.
Sagrado até, não me esqueço disso,
Mas não posso permanecer omisso
Vendo a sacanagem nos rodear.
Uma firma que não respeita
Seus empregados e seus valores,
Que nem está aí para as caretas
Que denunciam as nossas dores,
Merece é passar pela caneta
Daquele homem da capa preta,
Da beca desprovida de cores.
Sua Excelência, o senhor juiz,
Lá de um conhecido Ministério,
Proporcionar-me-á um final feliz
Sem demora, sem nenhum mistério.
E o tal acordo que outrora fiz
Já o enterrei em um cemitério.
Só alguém de capacidade elevada
E de poder para mudar o jogo,
Dará um jeito nessa “crentaiada”
Que só faz entregador de bobo.
Enganam ao povo, a Deus, até Belzebu,
E enquanto seus empregados tomam no c...
Pensam que estão livres do fogo.
Ao longo desses quase quatro anos
Há muito cheguei numa conclusão:
É algo contra os direitos humanos,
Subir morro e descarregar caminhão.
Ipanema, Leblon, afetam nosso juízo,
Ralar nesse caminhão causa prejuízo,
Seja pra coluna ou ter que pagar galão.
Entregar água mineral no Leblon
Ou qualquer mercadoria que seja,
Não é um serviço lá muito bom,
Isso é coisa que ninguém deseja.
Todo dia parte do Leme, sem destino,
Mais um carregamentozinho cretino,
E quem não quiser que não veja.
São seis quilômetros que afastam
Um entregador desse sofrimento,
E as mesmas rodas que arrastam
Esse triciclo velho, pesado e lento,
Nunca me ajudam a esquecer o pior.
Será que esse trampo não ficaria melhor,
Quem sabe, no lombo de um jumento?!
Cabe exclusivamente ao gerente,
O nosso Pastor, Éric Riboredo,
Acabar com esse sistema vigente
E que mata o entregador de medo.
Cinco da tarde, 1 água em Ipanema,
Para atender à Dona Filomena
Que esqueceu de pedir mais cedo.
Isso é uma tremenda sacanagem,
Entregador também tem direito,
50 centavos de porcentagem
Para realizar todo esse feito,
É melhor jogar na vida do crime,
Porque fazer parte desse time
Tem que ter o juízo imperfeito.
A Dona Márcia até que é legal,
Sai por aí, distribuindo alegria,
O Mazinho é que é cara de pau
E em gente assim ninguém confia.
Agora, para mostrar reciprocidade,
Economizo a saliva e, na verdade,
Até já parei de desejar-lhe “Bom dia!”.
O “Bom dia!”, assim como o prejuízo,
No fim do mês já vêm descontado,
E não adianta sequer dar o aviso
De que o triciclo já está quebrado.
É Wellington tirando nota confusa,
Laís comentando a respeito da blusa...
E o serviço saindo todo errado.
A necessidade faz o gato pular,
Cobra que não anda, não engole sapo.
E a verdade, essa nunca vai mudar,
Não adianta, portanto, todo esse papo.
Enquanto existir um pobre miserável
Haverá sempre um patrão imprestável,
Do qual nunca se largará o saco.
Paulo Seixas, RIO, maio/2006