UMA SOLUÇÃO PARA O PEQUENO COMÉRCIO EM QUEIMADAS
UMA SOLUÇÃO PARA O PEQUENO COMÉRCIO EM QUEIMADAS
(Meu segundo folheto de cordel)
Novamente volto aqui para criticar
Desta vez algo bem mais complicado,
Não é nada fácil abrir a boca e falar
De um assunto que parece já consumado.
O povo, esse não tem o que reclamar,
Exceto nós, comerciantes inconformados.
Aquele dono de “bodega”, coitado,
Que outrora ainda se dizia o tal,
Com saúde ele vai levando, obrigado,
Quanto ao negócio, esse tá indo mal.
Já não consegue descolar um trocado
Nem com a venda de um quilo de sal.
A crise e o problema financeiro
Não é brincadeira, é um caso sério,
Ninguém sabe onde foi parar o dinheiro
Para todos é mesmo um mistério.
As ruas por onde o comércio invadia
Encontram-se desoladas e vazias
Tal qual vielas de um cemitério.
E desde que inventaram essa moda
De supermercado fino e moderno,
Quem se atualizou entrou na roda
Enquanto outros já fecharam o terno.
Os bons tempos de bodega e de prosa
Foram-se pra sempre no último inverno.
Restaram ainda as pequenas mercearias
E aqueles seus balcões atravessados,
Com pouca liberdade à freguesia
Prestando um serviço ultrapassado;
Ninguém vê o preço da mercadoria,
Por vezes o cliente é desrespeitado.
Sim, entendemos que o tempo
Traz consigo a modernidade,
O que há de mais sugestivo
Para o povo de uma cidade.
E o pequeno comércio tá morto
Todo mundo só quer conforto
Coisas fáceis e comodidade.
Seu Manoel Mendes, João Virgínio
Zé Tavares, comerciantes de outrora,
Que um dia foram os responsáveis
Por todo o comércio região afora,
A essa altura poderiam compreender
O que se passa conosco agora.
Os negócios ficaram mesmo nas mãos
Dos grandes e atuais nomes deste lugar,
No que depender de um “prata da casa”
Nenhum negócio ele haverá de realizar.
Não adianta concorrer com o mais forte;
É perder tempo ou pedir para fechar.
No domínio absoluto pelo comércio
Não existe respeito ou consideração,
E nem é preciso ser muito esperto
Para que se chegue a uma conclusão:
Aquele “bodegueiro” pobre pai de família
Conversará sozinho que nem rádio de pilha
Vendo os seus negócios caírem por chão.
E é inútil tentarmos uma saída
Quando essa talvez nem exista,
O batalhador continua firme na lida
Enquanto outros já nem insistem.
Há certos negócios nessa vida
Dos quais a gente logo desiste.
Vamos ser mais conscientes
E enxergar o que ninguém quer ver,
Não adianta bater de frente
Com os caras que tão no poder.
Disputar mercado com o mais forte
É apelar pra ter alguma sorte
De amanhã ter o que comer.
O monopólio aqui já atingiu
Algumas áreas até exclusivas,
O remédio ficou mais em conta
O preço do pão até nos cativa.
Querem impedir a todo custo
Que o pequeno comerciante viva.
No papel de um consumidor
Certamente estaria sempre feliz,
Pois quanto mais barato o preço for
Maior é a razão quando se diz,
Que o grande tem opções de propor
Preços menores e até baixando o valor
De uma mercadoria que ninguém quis.
Até aí tudo bem, nada contra,
Não quero ficar de um lado oposto.
Mas é duro concorrer com o grande
Que tem bases firmes e “encosto”.
O pequeno rala todo dia na batalha,
Tentando fazer o que o grande não falha,
Procura fugir das garras da “malha”,
Sonegando o Fisco, sem pagar imposto.
Nesse ponto eu admito
Que todo mundo se defende,
Nem todo comércio, acredito,
É só aquilo o que ele vende.
Hoje até o pipoqueiro da esquina
Pode vender maconha e cocaína;
Nada mais nos surpreende.
Na livre disputa todo mundo ganha
O pequeno por vezes supera o maior,
Na guerra pelo produto mais barato
Vende mais quem tem preço melhor.
Só que há muita deslealdade por aqui
Onde só o pequeno é que leva a pior.
Na pele de um vendedor de banana
Sei como é dura essa concorrência,
Meu pai aceita tudo e não reclama
Mas eu já não tenho tanta paciência,
Pouco a pouco vai faltando grana
Aí só restará lamentar a falência.
O pequeno comerciante estimado
Já é por natureza um desiludido,
Seus impostos todos os meses são pagos
Mesmo que não tenha sequer vendido,
Um pacote de bolachas ou um enlatado;
Dessa maneira ele vive “fudido”.
Negócio pequeno aqui em Queimadas
Só sobrevive com muita bravura,
Ninguém consegue mais vender nada
Alguns já estão beirando à loucura.
Gostaria de ter um ganha pão, talvez,
Ganhando cinco mil reais todo mês
“Mamando nas tetas” da Prefeitura.
Não pensem que eu esqueci
Da história das “mamadeiras”,
Melhor do que ninguém entendi
Aquelas mentiras tão verdadeiras.
E o povo que a tudo assistiu
Fez até de conta que não viu,
Continuando então a sujeira.
Mas o pequeno insiste em continuar
Concorrência à parte, faz o seu negócio.
Se o grande aperta, um dia vai parar;
Pior do que quebrar ainda é ter um sócio.
O pobre se vira mesmo em qualquer lugar,
Na era do Real ninguém fica mais no ócio.
A fase pela qual atravessamos
Não tá mesmo para brincadeira,
Por onde quer que passamos
Só se escuta tal choradeira.
Esse Plano Real veio pra lascar,
O pobre em dois tem que se virar
Pra arrumar o dinheiro da feira.
Isso porque o sagrado Real
É um dinheiro difícil de se ver,
Com a inflação não era assim tão mal
Dava pra todo mundo sobreviver.
A nossa economia nunca será estável
Enquanto persistir essa fase miserável
O pobre nunca deixará de sofrer.
Agora entendo o que disse o presidente
Quando decidiu abolir os descamisados,
Ele falava a verdade realmente
Mas ninguém percebia o enunciado.
Ele vai é matar o pobre de fome
E na história pra sempre ficará seu nome
Como o governo que mais deu resultado.
Na vida de um comerciante
Tudo ele encontra pela frente,
Está sujeito a todo instante
Ao fiado de um parente,
Ou àquele velhaco que antes
De mudar-se pra bem distante
Ainda enganou muita gente.
É um sofredor por natureza
Já o disse e tenho dito,
Quando “chora” ou conta tristeza
Pode ter certeza de que acredito.
Ninguém melhor do que eu
Pra entender o que se sucedeu
Com um pobre vendedor aflito.
Por mais que seja equilibrado
Seus negócios nunca vão bem,
Seja por dinheiro emprestado
Que ele toma ou cede a alguém.
Se toma, paga o juro adiantado
Se empresta, nunca vê o “xerém”.
Encontram-se de bolsos vazios
A coisa não tá para brincar,
São enormes os desafios
Que lutam para enfrentar.
Os negócios tão por um fio
E só há o que lamentar.
Não é macumba nem galinha preta
O que fizeram e andam fazendo,
A coisa é muito mais bem feita
Acreditem no que estou dizendo.
Do pequeno só restará o pó,
Seus negócios vão de mal a pior;
Só o grande continuará crescendo.
O que era de mais tradicional
Que era a nossa feira de sábado,
Nunca mais ela foi a mesma
Tá tudo péssimo, tudo acabado.
Alguém faz um trocado aqui ou ali,
E o pessoal da “Feirinha do Acari”
Já está de luto decretado.
Por sua vez, falo de uma raça
Que abrange o mundo inteiro,
Essa é talvez a pior desgraça
Na vida de um bodegueiro.
Nenhum comerciante aguenta
Qual raça imunda e nojenta
Como é a do “pirangueiro”.
Um miserável que faz conta
Da moedinha de um centavo,
Merece mesmo levar uma ponta
Não passa de um corno safado.
Um filho da mãe, um “mindingo”
Deixa de ir à missa aos domingos
Para não ter que dar um trocado.
Na parede de um comerciante
Costuma-se encontrar anotado:
“Proibida entrada de ignorante,
Gente pirangueira e que faz fiado”.
Que se fodam esses malditos
Pra alegria do vendedor aflito
Que vive a ser perturbado.
A vida é como se fosse uma reprise
O tempo passa e a coisa não muda,
O mundo inteiro só fala em crise
Todo dia é um “Deus nos acuda”.
Os ricos se tornando milionários,
O pobre “escapando” com um salário
E ainda grato quando o filho estuda.
Somente a originalidade prevalece
Quem tem cabeça dribla o adversário,
É com competência que se estabelece
E saber de tudo um pouco é necessário.
Quando num negócio até Deus esquece;
O malandro nunca dá mole pra otário.
No rol dos mais prejudicados
Encontram-se os pequenos comerciantes,
Sim, esses mesmos desesperados
Dos quais eu sou parte integrante.
Como voltar àqueles tempos de outrora
Onde cada negócio entrava pra história;
Sem concorrência desleal já seria o bastante.
Convoco todos os companheiros
Que se encontram nesse dilema,
Para encontrarmos alguma maneira
De resolver os nossos problemas.
Não podemos se dar ao descaso
De viver nesse constante atraso;
Participar agora é o nosso lema.
É impossível que um ratinho
Vença a briga com um leão,
Uma ave ao construir seu ninho
Precisa da força e da união.
Vamos pensar e refletir direitinho
Que chegaremos a uma solução.
Podíamos talvez nos organizar
Numa espécie de cooperativa,
Algo que se desse a realizar
Por meio de uma comissão ativa;
Pessoas que se preocupam em salvar
Ao menos a dignidade perdida.
Não podemos concorrer individualmente
Como que num ato de pura insistência,
Devemos agir como pessoas inteligentes
Deixando de lado nossas divergências.
Tenho um plano que fará tudo transformar
Não é pretensão mudar a feira de lugar;
Ouçam o que diz a minha “experiência”.
Proponho a todos uma cooperativa
Organizada mesmo a céu aberto,
Tipo feira-livre, mas com a iniciativa
De restaurar esse nosso comércio.
Instalada na rua Eunice Ribeiro
Viria gente do município inteiro
Fazer a sua feira com os “sem-teto”.
Melhor até que um hipermercado
Todos os pequenos assim reunidos,
Sei que daríamos conta do recado
Com os estoques sempre abastecidos,
Produtos dos mais diversificados
Os precinhos diariamente controlados
Gerando um comércio alternativo.
Todos os dias, de segunda a sábado,
Formar-se-iam os grupos nas calçadas,
Com seus bancos sempre organizados
E com um atendimento especializado
Para aquela dona de casa abusada.
Pensem bem, venderíamos uma loucura
Feijão, macarrão, ovos, rapadura...
Seria uma revolução em Queimadas.
Não era para ser encarado de frente
Como uma simples demonstração de venda
Seria um comércio do tipo permanente
Visando uma maior distribuição de renda.
Tanto na compra como na divisão de lucros
O pequeno teria maiores recursos
E a população apoiaria essa emenda.
Enquanto discutimos essa ideia infantil
Que tem tudo para ser arquivada,
Pensaremos enfim, em algo mais sutil,
Uma saída que não seja recusada.
Nosso lugar tem um comércio promissor
E todo negócio, seja pequeno como for,
Sempre acaba adaptando-se a Queimadas.
Por que é que ninguém apresenta
Algo de novo para se comercializar,
Que agrade desde os 08 aos 80
Beneficiando o povo do lugar!?
Aqui só visam abrir supermercados,
Um negócio há muito superado,
Arrebatado e monopolizado;
Só não vê quem não quer enxergar.
Que tal investir em novas áreas,
Em coisas jamais pensadas antes?!
Um self service “show” na culinária,
Uma pousada pra hospedar viajantes...
Ou até quem sabe abrir um “terreiro”,
Um centro de macumba dá dinheiro
Além de ser bastante interessante.
São inúmeras as alternativas
Para um comércio “construtivo”,
Seja um saloon à moda antiga,
E até um camelódromo cooperativo...
Ou ainda, uma ideia mais ostensiva,
Uma mini empresa de coleta seletiva,
Tornando o lixo um tanto lucrativo.
Talvez até, uma locadora de jegue
Como investimento, seria boa opção,
Nesse mundo não há quem negue
Que prefira sempre uma condução.
Para os lugares de difícil acesso,
O “jumento-taxi” seria um sucesso
De absoluto conforto e precisão.
O turismo, quando bem explorado
Traduz em ótimo recurso financeiro,
Desde que seja bem empregado
Torna-se rentável pelo ano inteiro.
Queimadas oferece lugares bonitos,
Por estas razões eu realmente acredito
Na visão de um negócio verdadeiro.
Não abriria mão é de um motel
É necessário e não requer problema,
Poderia se erguer um pequeno hotel,
Bem como um humilde cinema...
O povo precisa é de tais melhorias,
E o comércio com sua autonomia,
Não obedece a qualquer “esquema”.
Acho que já brinquei o suficiente
E todos entenderam a mensagem,
Nosso pequeno comércio decadente
Só se compara a uma sacanagem.
Pior que a mercearia falida
São aqueles que dela fazem,
Degraus para a sua subida
E com direito à abordagem.
A verdade é que não podemos
Dar o nosso braço a torcer,
Pois aconteça o que acontecer
Vamos continuar nessa luta.
Se foi para isso que nascemos
Então vamos encarar e vencer,
Compromisso não haveremos de ter
Com nenhum desses “FDPS”.
QUEIMADAS, JANEIRO/1998.