NA FEIRA DE ITABAIANA III - Fábio Mozart e Sander Lee

Eu e Fábio Mozart estávamos cantando em Martelo, quando ele resolveu mudar de toada, dizendo:

Mudemos a baionada

Como reza a tradição

Passemos para a sextilha

Afine seu violão

Pode botar em ré médio

Pra acompanhar meu rojão

Fábio Mozart

Eu respondi um tanto malcriado:

Eu sou da opinião

Que medroso leva é peia

Eu como seu professor

Vou meter-lhe a correia

Aprenda a improvisar

Senão jogo-o na cadeia!

Sander Lee

Ao que Mozart refutou:

Sander Lee, que coisa feia!

Cadê sua educação?

O mote agora é a feira

Sem tapa nem pescoção.

Se não tiver bom guardado,

Aposente o violão.

Fábio Mozart

Eu, naturalmente, não me fiz de rogado:

Cabra, não perca a razão

E guarde bem o seu tino

Vamos voltar para a feira

Que eu vi quando menino

Desde o tabaco cheiroso

À blusa de linho fino...

Sander Lee

***

Depois resolvemos partir para o saudosismo:

Com fineza e trato certo

Vamos cantar nossa loa,

Relembrando os velhos tempos

Dessa nossa terra boa

De onde saímos todos

Pra morar em João Pessoa.

O meu pai e minha mãe,

Arnaud e dona Iraci,

Já venderam cereais

Na terra de Sander Lee

Na grande feira da terça

Da qual tratamos aqui.

Na feira de Itabaiana

Cantava Manoel Targino

Com o grande Ivo Soares

Poeta que o destino

Reservou tão pouca glória,

Genial desde menino.

Tangendo as notas singelas

E cantando como um sábio,

Vivia Manuel Xudu

Com harmonia no lábio

Ensinando poesia

A Sander Lee e a Fábio.

Eu costumava com gosto

Curiar a noite inteira

Ouvindo o grande poeta

No ruge ruge da feira

Tomando cana e zinebra

Comendo som de primeira.

Como as águas da nascente

Do meu rio Paraíba,

Essa poesia pura

Subia de céu arriba

Com a gente aqui na terra

Tomando mé de tubiba.

Porque depois de beber

Duas garrafas de cana,

A gente fica sensível

Com trovador tão bacana,

O mais hábil repentista

A cantar em Itabaiana.

Fábio Mozart

***

Numa disputa insana

Vi Mocinha da Passira

Com Otacílio Batista

Incitando a sua lira

Lá na barraca de zinco

De seu Aurino caipira

A minha alma admira

Esses poetas cantores

Que se enfrentam nos versos

Como reais lutadores

E eu ainda os considero

Excelentes professores

Vi na feira agricultores

Vendendo a produção

Que tiveram em um ano

Por pouco mais de tostão

Confesso, Fábio Mozart,

Que doía o coração

Vem-me à recordação

O velho Cine Ideal

Porque no dia da feira

Que fato sensacional

Íamos à matinê

Pro far West banal

Mas não havia outro igual

Para aquela nossa infância

O tempo em que a força

Influi com tal petulância

E o cabra sabe de tudo

Apesar da ignorância

Como lembro a elegância

Da mulher de Belarmino

D. Rosita tratava

O cliente com tal tino

Que eu lhe tirava o chapéu

Ainda sendo um menino

O respeito é divino

Mas falo que a natureza

Pintou em D. Jaíde

Espécime de beleza

Um caráter ilibado

Um emblema de pureza

Se a alma não está presa

Voa com muita alegria

Para lembrar de Galego

Um gestor que se dizia

Ser o Prefeito do povo

E o dono da Malharia

Não existia Luzia

Magazine, é natural,

Mas se comprova na loja

De seu Arlindo Cabral

Que naquele tempo era

Vendedor fenomenal

Seu Lourenço do Jornal

Na bicicleta montado

Corria a cidade toda

Com ar de politizado

Porque lia as manchetes

Do Pasquim tão censurado

Deixam-me emocionado

Essas lembranças da feira

Dos montes de abacaxis

De cada mulher fateira

Da calçada da igreja

E da nossa bebedeira...

Sander Lee