O dia que São Pedro descontou tudo em mim

Apesar de já ter passado

Faz vergonha o ocorrido

Arrependo-me até hoje

Isso tem me perseguido

Porém tudo tem serventia

Seja na dor ou alegria

Aprendi não ser metido

Foi grande o aprendizado

Valeu viver essa lição

Embora sinta vergonha

Compensou a situação

Espero outra num viver

Assim num quero aprender

Outra dessa eu digo não

Ser um Pobre crônico

Causa muita devastação

Logo envenena a alma

E a atrofia o coração

Deixa o ser ressequido

Feio, Doente e desnutrido.

Sem presteza e sem ação

Mas o pior da pobreza

Vem no setor social

Eliminando os sofridos

De maneira natural

Com a morte por fome

Ai o desprezo consome

Numa exclusão colossal

Eu já nasci lascado

Um filho de retirante

Comendo apenas sonhos

Alimento do estante

Sonhando em ser aceito

Sem nenhum preconceito

Isso me fez inquietante

Na terra que eu cresci

Vi o desprezo me guiar

Por passar necessidade

Sem ninguém vim me salvar

O mundo fui descobrir

Todo dia a me iludir

E a vida fui conquistar

Um dos sonhos que eu tinha

Era numa festa dançar

Porém tinha oito anos

Sem ter pra se alimentar

Mas queria inocentemente

Fazer parte dessa gente

Que vivia a me desprezar

Um dia na minha terra

Uma festa ia acontecer

Comemorar o São Pedro

E isso desejei conhecer

Está no meio do povo

Hoje não iria de novo

Mas nesse dia quis viver

A turma preparou a festa

No MERCLUB ia acontecer

E na Cachoeira do Sapo

O baile ia estremecer

Alegrar aquela gente

Bem vestida e contente

Que iam dançar e beber

A banda era Skema Show

De uma cidade vizinha

São Paulo do Potengi

E tava preparadinha

Pra tocar e pra animar

E com a turma festejar

Até pela manhãzinha

Na escola minha turma

Só falavam na festa

Pra uns ia ser muito boa

E quase ninguém contesta

Eu fiquei logo doidinho

Pra ir curtir sozinho

Saber se a banda presta

Foi um sábado à noite

Do milênio que passou

Ano de oitenta e nove

Muita gente vivenciou

Essa festa maravilhosa

Pra alguns até gloriosa

Mas pra mim decepcionou.

Foi um dia muito difícil

Num dar pra se esquecer

E mesmo que quisesse

Num dava pra esconder

Foi muito acontecimento

Indecente e violento

Que nesse dia fui viver

A primeira dessas coisas

Foi minha mãe convencer

Já que ela não ia à festa

Pra deixar ir me entreter

Jurou dar umas lapadas

Devido a presepada

De insistir nesse querer

Após muito choro e luta

Ela aceitou deixar eu ir

Fez mil recomendações

De como deveria agir

Pois não tinha dinheiro

Era pra eu olhar ligeiro

E depois deveria vir

Sai feliz e contente

E já tinha outro plano

Eu ia tentar era entrar

Na maior festa do ano

Ver meus colegas por lá

Diverti-me, ri e dançar.

À noite toda festejando

Eita povo bonito

Estavam bem arrumados

Cada sapato bacana

E só eu esmolambado

Os cabelos uma moita

Fedendo feito a gota

E os outros perfumados

Eu tomei um banho

Ensaboei com sabão

Duns que tinha de coco

Que hoje num tem mais não

Com dois litros d’água

Assim mesmo com mágoa

No sovaco usei limão

Vesti uma camiseta

Uma das três que eu tinha

Já bem muito sambada

chega tava amarelinha

Aqui acolá tinha furo

Mas festa tem escuro

Ela tava perfeitinha

Meu calção o mais novo

Só uma vez remendado

Já tinha uns cinco anos

O elástico era emendado

De liga de câmara de ar

Que botaram no lugar

E ficou bem apertado

Logo o calção eu vesti

Cueca eu num tinha não

Porém ninguém iria olhar

Naquela ilustre ocasião

Se eu estava de cueca

Se era peludo ou careca

No meio de tal animação

Botei a chinela no pé

Passei o dia ajeitando

Cada correia uma cor

E uns arames amarrando

Os pitôcos do cabresto

Pra eu dançar direito

Já que tava soltando

Oito horas da noite

Pra o MERCLUB eu rumei

Um mercado do lugar

E a banda eu avistei

Afinando instrumentos

E eu no deslumbramento

Cada um deles observei

Dei uma volta no pátio

Que tava enfeitado

Com umas bandeirinhas

E de palhas bem cercado

Umas mesas com cadeiras

Uns acendia as fogueiras

E outros bem abismados

Quando começou a festa

No portão eu escorei

Logo pedi ao porteiro

Que chega o chateei

Pra na festa eu entrar

Não tinha como pagar

E não havia outro mei

O porteiro malencarado

Num dizia nem sim nem não

E eu naquela angústia

Escorado no portão

E as horas foi passando

E eu já tava cansando

Com essa triste situação

-Porteiro libere ai

Homi deixe eu entrar.

Meus amigos tão tudo ai

Só um pouco preu agitar

Tu vai ver um dançador

Invocado e namorador

É só tu me deixar passar

O porteiro não suportou

Eu duas horas abusar

Abriu de repente o portão

E mandou eu logo passar

Entrei feliz e faceiro

Mesmo por derradeiro

Mas agora eu vou agitar

Fui pra frente do palco

Isolado por um cordão

Para dançar um reggae

O guitarrista via com atenção

Aqui acolá um sorriso

E criei de improviso

Passo com animação

Dancei na frente do palco

Parecia um dançarino

Bem perto dos músicos

E o guitarrista sorrindo

Achei que tava aprovando

E eu com a gota dançando

Enganado com o malino

Numa das performances

Na hora que eu girei

O peste baixou meu calção

Eu nunca que imaginei

Desceu até pelo joelho

Chega fiquei vermelho

Quis correr e tropecei

Cai nu que sai bolando

Deslizando pelo chão

Houve logo correria

Pensando ser confusão

O povo tudo olhando

E eu no chão tentando

Vestir ligeiro o calção

A vergonha da bexiga

Pois todo mundo me viu

Nu bolando pelo chão

E muita gente sorriu

Ah, guitarrista safado

Cachorro desalmado

Minha alegria sucumbiu

Sai todo desconfiado

Na parede escorei

Pensando no ocorrido

E de como eu me lasquei

Pensei em ir embora

E rápido sem demora

Porque me desanimei

Depois de um bom tempo

E de uma boa reflexão

Resolvi voltar a dançar

Mas pra frente num ia não

Ia ficar entre o povo

Num iria arriscar de novo

Uma nova decepção

Mas esse não era meu dia

Voltei pro mei do salão

Lá umas moças bonitas

E rapazes sem noção

Um deu uma dedada

Numa moça prendada

Que perdeu logo a razão

Quando ela olhou pra trás

Viu-me bem animadim

Pulando e girando

Sem perceber o por vim

Pensou em ter sido eu

Afinal era um plebeu

Acertou um tapa em mim

Foi na capa da orelha

Que girei e cair ao chão

O povo todo correram

Pensava ser confusão

De novo fiquei estendido

Cum tapa no peduvido

Que perdi até a noção

Levantei mais uma vez

A poeira de novo bati

Agora era o cúmulo

Da festa que insisti

Sai meio lacrimoso

Irado e revoltoso

E de ninguém me despedi

No portão o porteiro disse

- Já vai boy agitador?

Triste eu disse, valeu.

É que ando sentindo dor

E mãe tá me esperando

A festa nem tá prestando

O grupo é muito amador

Voltando pisei num sapo

Meus pés inteiro mijou

Oxe, e isso era lá nada

O pior já se passou

Em casa chamei por mãe

Entre os ais, uis e os ães.

Porém ela não se acordou

Minha casa era de taipa

E não era bem acabada

Entre a parede e as telhas

Sempre por lá passava

Pelas varas escalei

Com isso nem me preocupei

E só em dormir pensava

Descendo fui menos ágil

E numa vara enganchei

A camisa ficou presa

Despendurado fiquei

Passou um bom tempo

Tentei a cada momento

Livrar-me desse aperrei

Sorte ser camisa velha

Com o peso se rasgou

Cai em cima dum pote

Que o bicho se quebrou

Busquei achar a lamparina

Sem reclamar da sina

Acendi que me iluminou

Vi minha rede armada

Que mãe havia deixado

Desarmei e botei no chão

Pois estava preocupado

Vai que a corda se tore

Ou a rede não colabore

Assim tou mais segurado

Acordei de manhã na pisa

Com mãe a me espancar

Por ter quebrado o pote

E não ter escutado chamar

Uma hora justinha de peia

Esqueci até a oreia

Que estava a latejar

Ainda bem já faz tempo

Mas nunca vou esquecer

Aquele dia caningado

Que só faltei morrer

De petição, baque e peia.

De zumbido na oreia

Que não quero reviver

Agora só ando de cueca

Não me amostro pra ninguém

Nem danço mais um reggae

E nem ando sem vintém

Não gosto de guitarrista

E nem de mulher bonita

Nem de escalar também

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 27/05/2014
Reeditado em 07/10/2016
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