UMA INFÂNCIA, NA HISTÓRIA!
SAUDADES DA MINHA TERRA
I
Saudades da velha casa
Teto pobre em que nasci
Do sítio em que vivi
O meu peito arde em brasa
A solidão que me arrasa
Me judia mais e mais
A casa envelhecida
Inda hoje é a guarida
Da razão de minha vida
Meus velhos queridos pais
II
Naquela cozinha quente
Mamãe fazendo comida
E em cada água fervida
Sei quela lembra da gente
Olhando a água fervente
Corre lagrima em seu rosto
Só papai pra ela servir
E a mente a refletir
Só pode é ela sentir
Sem nos ver grande desgosto
III
Na mesa só ele e ela
No amanhecer do dia
No mesmo canto que havia
Uma família singela
Nos servia em tigela
Trazendo em quantidade
Festa três vezes no dia
Fosse em pratos ou bacia,
Comiam e repetia
Sendo feliz de verdade
IV
Meu pai ao amanhecer
Tomava um café pequeno
Pé no chão e no sereno
Vi a Deus engrandecer
Rezava pra agradecer
Pela luz do novo dia
Deixava a cama quente
Pro curral ia contente
Pra trazer leite pra gente
Com carinho e alegria
V
Vem a lembrança da infância
De mamãe com pente fino
Passando em cada menino
Grande era a importância
Eu na minha arrogância
Chorava e me esperneava
E com jeito e carinho
Catava cada bichinho
E espremia no dedinho
Quanto o pente não pegava
VI
Cueca não se usava
Botava só um calção
Correndo de pé no chão
Vizinho não censurava
Quando o inverno chegava
Me lamiava à vontade
E cassava com veludo
Bom de caça, bom de tudo
Sinto falta e não me iludo
Cada dia é só saudade
VII
Um oitão pro Sul ficava
Quase dava pra o nascente
Toda tarde no batente
Eu ali me assentava
Enquanto mãe costurava
Entoando uma canção
Se fosse de Zé Garcia,
Ou a do Lenço ela sabia
Seus filhos lhe assistia
Seu cantar com emoção
VIII
Quantas vezes dividiu
Um ovo para nós cinco
Falo a verdade e não brinco
Pois sei que ela sentiu
Que o coração se partiu
Em cinco partes iguais
Se desmanchando em carinho
Assim criou nós tudinho
Sem vacilar no caminho
Sinto orgulho de meus pais
IX
Me lembro do galinheiro
No quintal muita fruteira
E de um pé de catingueira
Muito abaixo do terreiro
Servia então de poleiro
Pra galo e também galinha
Lá ia nós ajuntar
Pra raposa não pegar
Tinha que se agasalhar
Isso toda "tardizinha"
X
Menino do bucho grande
De ninguém fui diferente
Na chuva ou no sol quente
Carro de palma e de frânde
Hoje meu verso se expande
A quem também foi menino
Que correu de pé no chão
Nos cascalhos do sertão
Pois hoje a recordação
Me caça de pente fino
XI
Maltrata a quem sente falta
Do grande dia de feira
Cortando sol e poeira
Descia a serra tão alta
O tempo vem e me assalta
A recordação tão bela,
Chacoalhando a cabeça
Querendo que eu esqueça
E meu sonho não floresça
Sentindo a distância dela
XII
Me lembro do lindo açude
Do banho da cachoeira
Peixe, pedra e pedreira.
Quis esquecer mais não pude
E até as bolas de gude
Com bura pequenininho
Pião, borná e baleadeira
Pião feito da goiabeira
Num cordão dito ponteira
E um prego grosso ou fininho
XIII
Havia pote e gamelas
Lá na grande casa velha
Fogão de barro sem grelha
Tachos, bacias, panelas.
Pra o queijo grandes tigelas
Sustento vinha do gado
Lembrança boa da infância
Que não perde a importância
Pois cá na minha distancia
Meu sitio é bem lembrado
XIV
Do curral e a vacaria
Eu trago a recordação
Quando levava ao mourão
A vaca que dava cria
Bezerrinho de alegria
Pegava o peito e soltava
Ao fraquinho dava ovo
Que para bezerro novo
Servia como um renovo
Fazendo assim escapava
XV
Saudade do cacimbão
Que tinha lá no baixio
Água doce e banho frio
Com pedaço de sabão
Voltava com um galão
Daquela água tão pura
Sujeira só dos caçotes
Que fugia aos pinotes
Em casa enchia os potes
Bebia sem dar fervura
XVI
Forte é a recordação
Do meu cavalo de vara
Que hoje é coisa rara
Nos brinquedos do sertão
Que é barato e hoje estão
Desprezado ou esquecido
Como também baleadeira
Comprada em meio da feira
Da morta ou da verdadeira
Recordo entristecido
XVII
Vejo a grande calçada
De cada lado um batente
Um banco lá no da frente
A minha mãe assentada
Com meu pai e a meninada
E vovô contando histórias
Que quando vinha da roça
Trabalhador da mão grossa
Fazia alegria nossa
Pois só contava vitórias
XVIII
Me lembro do mussamber
Onde eu matava rolinha
De manhã e tardizinha
Quando elas vinham comer
Matava sem vovô ver
Pois a vida defendia
Não queria que matasse
De espingarda e nem caçasse
Pois por mais que reclamasse
Ninguém lhe obedecia
XIX
Canário e viajante
Aquela junta de bois
Na infância lembro os dois
Foi o tempo mais marcante
Pois era mais que importante
Na luta cotidiana
Carregava palma e lenha
Agave do meio da brenha
Boa lembrança que venha
Legumes capim e cana
XX
Fortes, bonitos de ver.
Um canário bem vermelho
Vi muito usar o joelho
E o carro velho gemer
Vi viajante correr
E o canário sustentar
Carga leve de banana
Manga goiaba e cana
Pois quase toda semana
Nós tinha que coletar
XXI
Um grande pé de umbuzeiro
Aquelas galhas compridas
Que pareciam ter vidas
Lá no final do terreiro
Onde eu abria letreiro
Com o nome da paixão
Que floria minha vida
Perturbava a dormida
Me deixava sem saída
Só doce recordação
XXII
Do lado quase que oposto
Tinha um pé de siriguela
Ao lado da passarela
Exagerava no gosto
Um sabor sem dar desgosto
Gordinhas e amarelinhas
No pé mesmo se chupava
E a que o senhassu deixava
Todo mundo apreciava
Pois eram as mais docinhas
XXIII
Outro umbu do lá serrote
Era o mais procurado
Por seu sabor destacado
Safrejava em grande porte
Exposto ao vento do norte
Na pedreira se erguiu
Um “desbotador” de dente
Doíam mais os da frente
Mas alimentava a gente...
Pois quem provou repetiu
XXIV
Sítio simples e alinhado
Fotógrafo não existia
Pra tirar fotografia
Era o velho João Machado
Que viajava cansado
E lá em casa dormia
Sempre ao trilar do grilo
Quando acordava tranqüilo
Na profissão tinha estilo
Trabalhava todo dia
XXV
Cedinho já tava esperto
Mãe vestia a meninada
Depois da foto tirada
Seguia o caminho incerto
Porem não morava perto
Mas quando marcava vinha
Era um mês pra revelar
E quando vinha deixar
Usava pra descansar
De novo nossa casinha
XXVI
A noite um expediente
Era usando um galão
Pegar agua em cacimbão
Pois mamãe era doente
O escuro assustava agente
Mas não havia omissão
Um facho de marmeleiro
Outra vez um candeeiro
Na roça o dia inteiro
Findava nessa missão
XXVII
De parceiro meu irmão
Mais velho e companheiro
Depois dele eu primeiro
Grande foi nossa união
Antes do pau de galão
Era uma lata pra os dois
Deixava o ombro doido
Mais nada de maluvido
Chegava em casa moído
Só descansava depois
XXVIII
Tinha que ajudar papai
Meu irmão mais velho e eu
E mamãe quem mais sofreu
Da minha mente não sai
Sem nunca dizer um ai
Desde O pai que era tão bruto
Fumador desmantelado
Na cachaça viciado
Depois de enviuvado
Nem se quer honrou o luto
XXIX
E já no meu nascimento
Quase hora derradeira
Foram atrás da parteira
Que chegou em bom momento
Começou seu sofrimento
Sem Médico e Anestesia
Foi assim que me contaram
Que os partos se complicaram
Seus olhos muito choraram
Mas paria com alegria
XXX
Recordo a minha enxada
A maquina de plantar milho
Bolo de caco e sequilho
Tapioca e embuzada.
Vejo a bela mesa armada
E mamãe a nos servir
Dizendo minha riqueza
Está em volta da mesa
Mas ela era a grandeza
Se dividia sem partir
XXXI
A mesa muito pequena
Faltava um lugar pra ela
Por ser a joia mais bela
Na refeição, hora em sena!
Não foi só uma centena
Que eu vi se repetir
Em cadeira não sentava
Meu pai no colo pegava
De amor não se cansava
Pois sempre lhes vi sorrir
XXXII
Depois do farto café
Com macaxeira ou batata
Cuscuz com leite ou nata
Não tinha leite Itambé
Tomando fincava o pé
Pra roça serviço duro
Ou ia botar a ração
Puxar água em cacimbão
Aguar planta em galão
Pra arborizar o futuro
XXXIII
Serviço pra todo mundo
Meu pai separava agente
Luis não via sol quente
Pois queimava em um segundo
No intenso calor profundo
Mas nada de cara feia
Na roça tinha saúde
Banho de rio e açude
Já quis voltar mais não pude
E a saudade me aperreia
XXXIV
Trabalhando todo dia
Luis Neto era poupado
Galego e lábio rachado
O sol lhe dava agonia
Trabalhava em hora fria
Lá não tinha ignorância
Tinha incentivo e ensino
Fosse menina ou menino
E até um cipó fino
No final da tolerância
XXXV
Muito que provei cipó
Por nome de capa bode
Quem provou dele só pode
Lembrar que não cresceu só
Ou galha de mororó
Quando deu algum motivo
O cipó não ensinava
Mais a correção que dava
Pra onde eu ia levava
E no corpo eu trago o crivo
XXXVI
Não era a surra de pai
Que me causava mais medo
De pai e mãe o segredo
Da minha mente não sai
A ordem que nunca cai
No mundo foi a mais bela
Que trago em minha cumbuca
Sendo a única que educa
E o filho nela caduca
E morre seguindo ela
XXXVII
Com oito anos a escola
Fui estudar pra ser gente
Primeiro dia contente
Levei o lanche em sacola
No recreio eu joguei bola
Achava bem divertido
A professora Luzia
Ensino com alegria
Passava de voz macia
Massageando ao ouvido
XXXVIII
A Escola era Isolada
Nome bonito e descente
Com duas salas somente
Para a toda criançada
Festa profana e sagrada
De tudo isso me lembro
Fardinha simples e conga
A recordação se alonga
E o meu sofrer se prolonga
Ao desfile de setembro
XXXIX
Um desfile diferente
Dia sete não podia
Se dia sete era o dia
Da pátria de nossa gente
Mas Princesa era a patente
Da homenagem mais forte
E São José qualquer dia
O seu desfile fazia
E toda vila assistia
No dia que desse a sorte
XL
Nessa Escola eu aprendi
Assoletrar e escrever
Te sofri para aprender
Mas eu nunca desisti
Na distancia resisti
Registrando dou roteiro
Quilômetros de distancia
Que enfeitava a infância
Dava a maior importância
Sendo feliz por inteiro
XLI
Nas quatro festas do ano
Não tinha um sapato novo
Mas tinha sempre renovo
Sem ter a marca do pano
Pai e mãe fazia o plano
Nos ensinando pra vida
Respeitar o professor
Sim senhora, sim senhor.
Precisando, ”por favor,”
Bom dia na volta ou ida
XLII
Mãe me ensinou rezar
Quando eu era bem pequeno
Depois da reza um aceno
Pra ela me abençoar
Gesto simples e exemplar
Sacramentos sertanejos
E depois das refeições,
Se voltava as atenções,
Pra os dois darem benções
Expressando bons desejos
XLIII
Juntando toda a saudade
Aqui não descreveria
Imagens vêm todo dia
Lentamente em tempestade
Tecendo na crueldade
O espelho que se solta
Nem mesmo fica na mente
Findando inconsciente
Igualzinho a um demente.
Minha infância que não volta!!