A LEUCEMIA E UM ADEUS!!

A TIA LUCIENE

01

Eu voltei ao meu tempo de menino

Recordando em tristeza e nostalgia

Onde a irmã que eu brincava era tia

Aprendemos viver com o destino

Sua voz ressoava feito hino

Seu sorriso sempre foi original

Sua casa sempre foi um arsenal

De alegria e constante transparência

Hoje verso a grandeza e a decência

De um viver ilusório mais real

02

O prazer de viver é sem igual

Convivendo com alguém que se ama

Desejo de estar junto se derrama

E o apego nessa hora é natural

Só a morte é quem traz esse final

E o reflexo de tudo vem na mente

Quem se foi não mais pode ta presente

Pois o pai recolheu com seu carinho

Cabisbaixo vai eu pelo caminho

Relembrando os bons tempos da gente

03

Lá no sítio um viver independente

Nós menino com quase a mesma idade

Bem distante do convívio da cidade

E a lua prateava de presente

Quando o dia mostrava seu nascente

Muito cedo essa lua já se ia

No curral renovava a alegria

Pé no chão no esterco e até mais

Leite quente com espumas naturais

Eu e ela num só copo nós bebia

04

De calcinha quando ela aparecia

Tava eu muito mal só de cueca

Do nariz arrancava a meleca

Quando ela com carinho percebia

Por isso eu não lhe tinha como tia

Era a irmã mais velha do rebanho

Alguns netos portavam seu tamanho

E vovô com vovó viam isto!!

Da caçula, a calma que só cristo,

Deu lhe a mente tão alva como estanho

05

No riacho vez por outra, um banho!

Duas cabaças uma corda a emendar

Foi com ela que eu aprendi a nadar

Mesmo achando o seu modo muito estranho

Em soluços nessa hora me apanho

Nesse filme refletindo nesse nado

Tinha medo, mas estava acompanhado,

Nessa escrita me encontro tão sozinho

Pois se foi à tutora do carinho

Num final de repente improvisado

06

Vez por outra programava um guisado

Nas sombras dos saudosos pés de mangas

Ajuntava os brinquedos, mogingangas

Pra fazer um cozido separado

Nos juntava e depois de organizado

Pelo chão na sombra de um arvoredo

De um juá, um angico onde o segredo

Culinário se fazia aparecer

Nos servia e assistia nós comer

Um sorriso prazeroso vinha cedo

07

Recolher gitirana mato ou bredo

Pra os porcos misturado com cruêira

Picolés, para o lanche, de cidreira!

Era a sobra do chá de bem cedo

Sem fazer a questão por um brinquedo

Sem espaço se quer para um ciúme

Sem a voz alterasse no volume

Ensinava se acaso era preciso

A infância malvada que eu friso

Se assemelha a um pequeno vaga-lume

08

Do curral sempre foi o seu perfume!!

Ajudava os sobrinhos na ração

Seu calçado era o mesmo pé no chão

Atolada na lama do estrume

Nossos dedos chocados com o gume

Duma foice, uma faca ou facão

Vinha ela nos dando atenção

Na infância que a saudade se destina

Foice a vida passada de menina

Hoje a doce e cruel recordação

09

Estudou como parte da missão

Não foi muito e nem pouco isso eu sei

Primeiro namorado foi seu rei

Amarrou se nos laços da paixão

O primeiro é mesmo de então

Foi marido, foi pai e companheiro

Veio morar lá no sitio Espinheiro

Onde os filhos tiveram com prazer

E o dengo que a vi ela fazer

Em cada um educando por inteiro

10

De Arã concebeu sendo primeiro

Mas Aline já tinha tomado a frente

Foi à base feminina da semente

Foi Adonis o caçula, derradeiro!

Quando Alvan nasceu foi o terceiro

Quatro filhos, quatro jóias preciosas

Três filhos, três botões e duas rosas

Pro marido cuidar como devia

E vibrar radiante de alegria

No perfume das flores radiosas

11

Sete irmãs todas elas caprichosas

Três irmãos dando onze componentes,

A caçula derradeira das sementes,

Ensinadas a serem caridosas,

Se foi Neusa a primeira das bondosas,

Restam seis o restante me permita

Registrar fervoroso nessa escrita

Que Ciêne não terá substituta

O vazio restará como desfruta

Pra quem faz lentamente uma visita

12

Sua casa recantada e bonita

De herança o retrato de vovó

Onde ela e somente ela só

Tinha os traços da nossa avó bendita

Mas a dor que sentiu foi tão maldita

Que lhe fez devagar desvanecer

Fez um sonho muito lindo fenecer

Com a dor que somente mais doía

Percebeu todo mal que possuía

Sofrendo sem deixar transparecer

13

A vontade que tinha de viver

Era a mesma que havia no apetite

Ultrapassava às vezes o limite

Que o medico impunha pra comer

O açúcar limitado pra beber

Nunca era a meta alcançada

Muita luta findando internada

Que internei todo cheio de esperança

Seu olhar me passava confiança

Mas sabia que estava complicada

14

A família de forma organizada

Doou sangue, se uniu em oração,

Amigos desprenderam a atenção

De estranho, plaqueta retirada

Do marido a atenção foi redobrada,

Dos médicos, o jus a profissão

Para ela restou à reflexão

Entregando se com dever cumprido

Ultimo brado por Aline conferido

Junto a lagrima banhando a feição

15

Na U T I faltou a respiração

Um pulmão foi cansando no seu peito

Entubar era mesmo único jeito

Lentamente já batia o coração

Onde lá liberou todo o perdão...

Com a fé bem presente no sentido

Toda voz ressoava em seu ouvido

Afagava com carinho a mensagem

Desfez-se no silencio sua imagem

E se foi depois do dever cumprido

16

Seu mundo pouco a pouco construído

Com tristeza de perto observei

A coroa desfez em cada rei

Foi um mundo de sonho destruído

Um marido agora entristecido,

Casa cheia de amigos esperando,

Num caixão o seu mundo foi chegando

O espaço isolado era só seu

E o recurso real que ela lhe deu

Quatros filhos do lado soluçando

17

O morgasmo já havia, se espalhando...

Nos porcos faltavam o apetite

No terreiro não tinha mais quem grite

Pras galinhas já irem se ajuntando

O cachorro palmilhava farejando

Para o mato saia todo dia

Nos baixios, cacimbas e não via

Retornava aparentando frieza

Era triste o estado da tristeza

Do cachorro com nome de vigia

18

A casa foi perdendo a simpatia

Quando entrei pela porta da cozinha

Muita gente transitava ia e vinha

Na varanda repousava minha tia

Imitada muita gente nos servia

Tinha sopa, água e café quente

Só faltava a titular do ambiente

Levantar do caixão e vir servir

Ou quem sabe olhar para assistir

Seu ultimo instante comovente

19

Na parede o retrato sorridente

Nos olhava ao passar no corredor

Esse olhar me tornou mais sofredor

Entre muitos só ela era atraente

Té Adalto que também tava presente

Na parede real do casarão

Seis delas só real recordação

Dois avós, três dos filhos e o adotivo

Recordar só judia quem ta vivo

E o cordel registrar com emoção

20

Na cozinha a panela de pressão

E um tacho de leite ou de coalhada

A manteiga esperando ser coada

Paredes, fumaçada do fogão!

Outra tacha havia de prontidão

Onde o queijo se fazia todo dia

A cozinha de quebra tava fria

Com a mesa completa, mas sem ela!

Nem um brilho se viu numa panela...

Se falasse expressava o que sentia!

21

Nesse dia vi morrer alegria

Duma casa referencia de herança

Vi a morte usurpar a esperança

De voltar à beleza e simpatia

Foi no quarto onde mais comovia

Com a sena que lá me deparei

Da sala me atrevi e entrei

Com os olhos em buscas de mais lances

Via a pilha de livros dos romances

Que só ela é quem lia isso eu sei

22

Nesta pilha de livros avistei

A poeira cobrindo em desprezo

A historia que mantém leitor preso

A tristeza veio nela eu despertei

Que um deles pela capa contemplei

A história tristonha lá foi lida

Foi deixando a alma comovida

Comentado pra amigos e parentes

Seu olhos contemplou com suas lentes

Semelhança da doença acometida

23

O que leu lhe deixou mais abatida

Seus sintomas o corpo já sentia

O relato era de leucemia

O que mais lhe tornou compreendida

Pra quem leu durante toda a vida

E marcada essa mais inda ficou

Só um livro na íntegra se aplicou,

O restante romance de verdade...

Passa tempo companhia e irmandade

Emoções comentadas que marcou

24

Meu olhar pra direita acompanhou

A pilha de chinelos desprezados

Onde estavam reunidos seus calçados

Escolhidos que ganhou ou que comprou

Nessa hora o poeta é quem chorou

No lugar das sandálias que sem vidas

Tavam agora pela dona desprovidas

Ou quem sabe eterna aposentadas

Todas juntas em seu canto arrumadas

Como quem pareciam comovidas

25

As que tinham correias coloridas

Pareciam palpar maior tristeza

O enfeite perdeu toda beleza

Das passadas que foram conferidas

Das olhadas que foram desprendidas

De amigos, amigas e parentes

Só restavam lembranças comoventes

De um relapso criado pós a vida

Seja a morte nessa hora enegrecida

A herança de Adão o pai das gentes

26

As que foram usadas mais recentes

Tinham nelas seu cheiro empreguinado

Um desprezo marcante e confinado

Conferi estampado em seus pendentes

As lagrimas eu chamo de clementes

Minha dor foi bem mais que merecida

Madrugada fatal de despedida

Nos momentos velados derradeiros

Ultimo instante herdado dos primeiros

Da história de vida decorrida

27

A lembrança foi logo acolhida

Contemplando a todos os presentes

Vi visinhos, distantes e parentes

Lhe velando de forma comovida

No minuto final dessa partida

O espelho normal de todos nós

Onde a morte que tomba leva a voz

É momento de real reflexão

Quando as flores enfeitam o caixão

Só elas não nos deixa irmos sós

28

A saudade tortura feito algoz

Seus traços ta em tudo que o vemos

Quanto mais às lembranças nós mantemos

Mais saudade apertando feito nós

Lhe enterramos feito isso logo após

Cada um foi tomando seu destino

Recolhida aos braços do Divino

Foi morar lá no mundo do alem

Onde um dia para lá eu vou também

Desta terra onde eu sou peregrino

29

Para nós seu exemplo é feito hino

Onde pode aqui ser observado

Rende mais ser seguido que contado

Jamais passa a expressão do seu ensino

A lacuna da distancia traça o tino...

Imitada pra sempre em boa mente...

Lembrança, quem lembrar feliz se sente,

Torturado ao olhar e não lhe ver...

O que importa foi Ela saber ser

Nessa vida um exemplo a toda gente

30

Junto dela eu era conivente

A ação que só ela transmitia

Imperava seu apego que de tia

Ligeiro terminava o expediente

Tinha tia no sangue mais somente

O sangue sentia esse conforto

Nosso mito de vera nasceu morto

Fantasia também não existiu

Infalível é o amor que nos uniu

Morre tudo, mas ele é feito horto!!

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 03/04/2013
Reeditado em 30/09/2023
Código do texto: T4220793
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