Apresentando o Nordestino Sofrido
01
A metade do Brasil o pai paterno
É o nordeste ocupando grande espaço
Com a seca só calor e o mormaço
Tão cinzento nunca mais mudou o terno
Onde a chuva representa o inverno
Nem as flores obedecem à estação
Todas elas ganham nome de verão
Que se passa sem a chuva ter caído
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
02
Nos curral aposentou-se a cocheira
Alagado secou tanto que rachou
Urubu nunca mais se lamentou
João de barro inverteu sua biqueira
O xexéu esqueceu a bananeira
Sobrevivente adotou a solidão
Tem saudade do rondo do trovão
Mesmo assim ama o solo ressequido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
03
Olho d’água nesse tempo não se ver
Cada olho quando vê é uma tragédia
Lacrimeja sem impor nem uma rédea
Tanta água que saiu hoje não ter
Era a fonte saborosa de beber
Fosse rasa a cacimba ou cacimbão
Recolhido em pote, lata ou galão
Hoje resta o sentido invertido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
04
No curral onde foi o meu deleite
Muito sedo o sol vinha clareando
Eu puxava, o peito ia espumando
E o copo se enchia quase sem leite
Hoje espuma não tem nem de enfeite
Nem o leite tem a mesma nutrição
Sem ter pasto é extraído da ração
Que é o resto de bagaço extraído
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
05
Sertanejo coroado pelo brilho,
Família construída sem segredo,
Todo ano faz um filho sem ter medo
Ver seu sangue cruzado em cada filho
Sua força vem do feijão e do milho
Hoje fracassa sem milho e feijão
Cada ano diminui a produção
Todo dia dorme sedo e distraído
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
06
Muito sedo do mato transportado
Na capital encontrei meu abrigo
O sertão carreguei todo comigo
Do meu mato os costumes, burro e gado!
O ar puro no nariz ficou grudado
O que como mal faz a digestão
Meu bucho sofre mais de congestão
Ao sofrer saciado e desnutrido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão!
07
Foi no mato que vivi toda infância
Sol a sol do roçado me eduquei
Trago marcas do sol onde queimei
A face lamentosa da distancia
Fora d’água nos maltrato só a ânsia
Me tritura e divide o coração
A metade vive lá em cada irmão
A outra vem selada em meu sentido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
8
Andorinha separada do rebanho
Com cantar comovido de tristeza
As noticias que tenho de Princesa
Comovido, eu fico té estranho,
Que a água de beber não é de banho
Nem o sal é quem faz a distinção
Falta água em certa ocasião
E o banho vez por outra é esquecido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
09
A vaca do cercado sai berrando
Procurando uma folha pra comer
Falta folha e a água pra beber
A tristeza é quem vai acompanhando
Seus passos lentamente vão findando
Faz caminho que é mão e contra-mão
É extenso o andar da solidão
O que resta como gesto repetido
Apresento o nordestino sofrido
Massacrado com a seca sertão
10
Pelos anos a saudade se estende
O amor me alimenta a cada dia
Rende mais que a tristeza e nostalgia
Juntinho nessa mente só se prende
A tristeza que separa e se rende
Igualzinho a seqüela de um vulcão
Lentamente dilacera o coração
Triturado de saudade e corrompido
O respeito ao nordestino sofrido
Nominado na seca do sertão