UMA VACA FAMINTA
01
Nas viagens que faço mudo a fora
Serra abaixo e acima muitas vezes
Com a família em meu táxi ou fregueses
Nesse luxo me apego a qualquer hora
Eu gosto duque faço muito embora
O cansaço nunca vem me ofender
Mas cansei de olhar tanto sofrer
Viajando lá pras banda do sertão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
02
Fui parando o meu carro lentamente
Ao olhar a caatinga sertaneja
Onde moro não tem essa peleja!
Nem o sol faz tremer o ambiente
Capital quando chove nada sente
Sem chuva nada perde sem chover
Não morre sem que tenha que morrer
Nessa vista me ardeu o coração....
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
03
Mergulhei no sertão mesmo no centro
Na viagem onde o mau eu encontrei
Nessa mente muito falha assimilei
Pra falar dessa dor eu me concentro
Na memória de outrora também entro
Comparando o que vi e o que se ver
Hoje falta inte água pra beber
Foi porque não se fez a prevenção
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
04
Matuto no curral ver e se tranca...
Bela vaca sem a força de um coice
Ferreiro sem bater inchada e foice
O que chega e picarete e chibanca
No açougue ao marchante só pelanca
E a ossada de um nelore pra vender
Os filés sem poder oferecer
Não tem mole e nem duro, nem colchão!
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
05
Na estrada um pretume de urubus
Com fartura a comida em sua mesa
Num olhar bem distante vi tristeza
Um enxame semelhante à tapurús
Rejeitando sapo, cobra e cururus
Que a seca tem fartura a oferecer
Mais tarde não tem nada pra morrer...
Na tristeza do olhar do gavião!
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
06
Céu limpo e o sol lindo brilhando
Contemplei um bonito arsenal
Sem destino um transume de garçal
Com asas da tristeza revoando
As bandeiras branquinhas transladando
Sem destino, levadas sem querer...
Amarguras consternada em seu ser
Onde o vento é quem dar a direção
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
07
Cantador quando afina a viola
Só a seca é descrita como mote
No açude só tem lama e caçote
Improvisam lá mesmo a paviola
Amarrado de arame feito argola
Um braçal destemido tem que ter
Sem a lama mina aguá pra beber
E a cobra no berceiro faz plantão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
08
Um trator incarnado é um jumento
O desprezo tomou conta da rotina
Na estrada palmilhando se destina
Sem ter força, comida, sem sustento.
Corda velha, plástico o alimento.
Quando acha esse lixo pra moer
Sem direito a função de remoer
Sai comendo até trapo e papelão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
09
O guará sem a moita que lhe esconda
Desertou a procura duma brenha
Mata seca quando acha só tem lenha
E à noite sem comer fazendo ronda
No faro sem ver nada inda sonda
Cururu, sentenciado a morrer!
Lhe avessa pra do ventre abastecer
Seus miúdos é a farta refeição
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
10
Bem debaixo de um pé de avelós
Vi um carro de boi lá desprezado
Não se via um só boi encorajado
Que temesse a um grito duma voz
Uma cabra segura pelos nós
Numa corda bem solta se prender
Num cambão vi a outra sem querer
Se emperrar com peso do cambão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
11
Um toureco faminto e desnutrido
Sai a traz da novilha ainda moça
Cheira o mijo,feliz inda esboça!
O prazer do bom cheiro ter sentido
O nariz rebitado bem erguido
Dá sinal que é o único prazer
Satisfaz o desejo só em ver
Que a fraqueza levou todo tesão.
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
12
A lambu a procura de uma mina
Raposa já não sabe o que é galinha
Nas abelhas o estresse da rainha
Sem flores sua classe se extermina
Saguins choram a falta de resina
Até o rato vai deixando de roer
O três-coco não canta ao entardecer
Lá na mata grita triste o carão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
13
Me sentei no batente da tapera
Bem na hora que o sol ia se por
Pra ouvir da orquestra o esplendor
Saboreando a bela atmosfera
Fiquei triste em não ver mais como era
A alegria de um belo entardecer
Os pássaros querendo agradecer
Pelo o dia a o autor da criação
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
14
Lamentei e lamento todo dia
A real situação do nordestino
Com o olhar tristonho e peregrino
Vai vivendo em tremenda agonia
Sem plantar, sem criar, sem serventia;
Se sente sem saber o que fazer!
Na esperança da chuva aparecer
Morre tudo mais não deixa o sertão
Uma vaca faminta olhava o chão
Procurando uma folha pra comer.
***