A DECÊNCIA DE UM CORNO

01

Eu muito me arrepio

Quando um espirro desprendo

Na hora que me acordo

Olhando o sol nascendo

E quando vou urinar

Costumo me arrepiar

Com o corpo estremecendo

02

O mesmo prazer vou tendo

No dia a dia de trabalho

E quando não me arrepio

As vezes me agasalho

Em coisas interessantes

Que vem das mentes pensantes

Me servem de quebra galho

03

Eu inté me embaralho

Com essa gente importante

Que vive num pé de serra

Do povo chique distante

Ouvindo seu linguajar

Passo a me arrepiar

Como acho interessante

04

Um corno muito elegante

Vou chamar de professor

Da minha terra natal

Que perdeu o seu amor

Porem a sua vingança

Quando findou a esperança

Foi deveras promissor

05

Um casal cheio de amor

Convivência de primeira

Ela morena aprumada

Cheirosa feito roseira

Ele charmoso da roça

Trabalhador da mão grossa

Vulgo Chico bagaceira

06

Todo sábado ia à feira

Deixava ela sozinha

A casa no mei do mato

Sem parente e nem vizinha

Quando a feira terminava

Muito apressado voltava

Que Maria tava sozinha

07

A meiota da branquinha

Tomava depois partia

Fazia primeira a feira

Depois era que bebia

Podia num comprar nada

Mas a ida era sagrada

Todo sábado fazia

08

Quando ele prosseguia

Já ia imaginando

Era a boca enchendo d’água

A língua crespa secando

Era a falta da cachaça

Que fazia toda desgraça

Logo sedo perturbando

09

Foram os dias se passando

Chico era satisfeito

Pela a dama apaixonado

Admirando o seu jeito

Que as vezes era bonito

Outras vezes esquisito

Sem descobrir o defeito

10

Se coisa feia eu aceito

Dizia ele consigo

Minha mué bebe cana

Mais é só cum meus amigo

Pois se fizer coisa errada

Eu tombem num dô porrada

E nem sei se dô castigo

11

Um costume lá antigo

É a festa de padroeiro

Basta se juntar dez casas

No meu sertão brasileiro

Que já separam um santo

E o alvoroço é tanto!

Recebe reza e dinheiro

12

Bagaceira um prazenteiro

Cheio de satisfação

Dava o dinheiro ao santo

Comprava inté foguetão

Depois ia mais Maria

Assistir a romaria

Que chamava adoração

13

O Santo Sebastião

Era Patrono de duas

Lá no mesmo município

O povo ganhava as ruas

Das cidades mais vizinhas

Arrecadando ajudinhas

Levando as imagens nuas

14

Nas honestidades suas

Faziam tudo de graça

Recebiam as oferendas

Sem precisar ameaça

De um povo religioso

Fielmente pegajoso

Que só no zelo ultrapassa

15

Num passo que tudo passa

Sem vexame ou aperreio

Tem o Saco dos Caçulas

Que São José tem no seio

Terra boa de Plantação

Onde São Sebastião

Tem uma igreja no meio

16

Onde mesmo eu me arreio

E friso no som mais forte

Vou deixando a parte sul

E me atrelar lá no norte

Se o saco produz de tudo

Pra Cachoeira eu me mudo

Pra narrar a pouca sorte

17

Que a inspiração aborte

Mas eu tenho que dizer

Como é que o mesmo Santo

Demonstra dois parecer

Na parte sul abençoa

E na parte norte ecoa

O mesmo, mas sem benzer!

18

É lá que eu quero fazer

A minha estripulia

Falar das festas de arromba

Que a matuteira fazia

Começava ao sol se por

Todo mundo era ator

Té amanhecer o dia

19

Pobres, mas sem covardia,

Na Cachoeira das Minas

Com suas serras bem altas

Mais serrotes que campinas

Bem distante da cidade

Duas léguas de verdade

D’águas boas e salinas

20

Bem distante das usinas

O engenho de antigamente

Mas era um povo festeiro

De ação sempre presente

Já no Saco tudo tinha

Mas o povo mesmo vinha

Para a festa diferente

21

Dia vinte ninguém tente

Trabalhar o dia inteiro

Tem que guardar esse dia

Onde o mês é o de janeiro

Das bombas o estampido,

Todo povo comovido

Com a festa do padroeiro

22

Do Saco eu dou roteiro

Das bonanças que aviam

Olho d’água em cada pedra

Milho e feijão produziam

Muitas frutas e até cana

Fosse comum ou caiana

Te rapadura faziam

23

Os moradores diziam

Nosso saco é um jardim

Aqui nós produz de tudo

E o bafafá era assim

Mas se o povo tudo atesta

Fugiam pra outra festa

Que era a melhor por fim

24

E Chico dizia o sim

Como matuto perfeito

Dava a contribuição

Qualquer valor satisfeito

De tarde cedo no dia

Se mandava mais Maria

Com muita garra e respeito

25

Adoração sem efeito

Por causa de um só motivo

Os dois gostavam da cana

De nome aperitivo

Cada um ia na sua

Onde só tinha uma rua

Para todo receptivo

26

Bagaceira, muito ativo,

Mas esquecia da dama

Se metia na branquinha

E as vezes até na brama

Na “seuveja” muito pouco

Porque lhe deixava rouco

“Trêi dia inriba da cama”

27

Já ela não tinha drama

Tomava qualquer bebida

E quando a noite chegava

Que a rua era invadida

Ninguém mais via ninguém

Maria sem um vintém

Passava a noite sumida

28

E se findava perdida

E a luz num ajudava

Bagaceira corria a vista

Que também nem enxergava

E a festa amanhecia

Ele cassando Maria

Que só no claro encontrava

29

E depois que lhe achava

Ficava desconfiado

“Pruque foi que tu sumiu?”

Muito pouco o perguntado

Ela nada lhe dizia

Mas no bolso aparecia

Toda vez com um trocado

30

Já ele acabrunhado

Com vergonha dos amigos

Se alguns eram mais jovens

E outros té mais antigos

Contava sua tristeza

Mas nunca tinha certeza

Nem também tinha inimigos

31

E comentando os artigos

Dos anos dava relatos

Pois isso se repetia

E ele ajuntava os fatos

Mas vivia junto dela

Amava somente a ela

Sem nunca fazer maus tratos

32

Por fim surgiram boatos

Que o Chico era corno

Muitos anos de casados

Enfrentava esse transtorno

Mas pensando positivo

Sem ela eu “tombem” vivo

E do caso fez estorno

33

No coração fez adorno

Mandou ela ir embora

Esclareceu sua magoa

Na despedida os dois chora

Ele, lagrimas clemente,

Ela chora e nada sente

Pois foi da boca pra fora

34

No fogo que lhe devora

Esquentou a redondeza

A mulhé de bagaceira

Agora virou princesa

Se isso era absurdo

A velha enrabava tudo

Que viesse em sua mesa

35

Em Chico deu a frieza

Curtindo a decepção

Cada dia que passava

Mais ardia o coração

Muito se pôs a pensar

E passou a proclamar

Ao mesmo Sebastião

36

Enxergou a negação

Do casório destruído

Procurava outras mulheres

Mas ficava entristecido

Pois quando pra cama ia

Só enxergava Maria

Te murchava os “pissuído!”

37

E o sofrer estendido

Quase não acaba mais

Quando ia no cabaré

Gastava todos reais

Se metia na branquinha

Porque na mente só vinha

Lembranças especiais

38

Pensou bastante demais

E chegou a conclusão

Ela já arrumou outro

E eu nada arrumei não

Se nem isso me desgosta

Pruque sei o que ela gosta

Eu vô me vingar então

39

E depois da decisão

Planejando do seu jeito

Se me chamavam de corno

Só ela tinha o defeito

Eu mermo nada fazia

Era dela a covardia...

Falava e batia no peito

40

O macho dela eu ajeito

E foi pensando ligeiro

Eu “sufri” por um bom tempo

Mas foi causo passageiro

Agora pra mim vingar

Basta, é só eu gastar

“Cum ela argum dinhêiro”

41

Esqueceu o padroeiro

Se mandou pra encruzilhada

No lugar que ela passava

Sozinha ou acompanhada

Lhe fez a boa proposta

Pois eu sei do que tu gosta

Ela deu foi gargalhada...

42

“Inda disse é piada

O que tu vem me dizê

Tu nunca me deu dinhêro

Só me dava de cumê

E agora vem mí surtá

Quanto tu tem pra mi dá?

Mostru dinhêro prêu vê”

43

Disse Chico eu vou fazê!

Minha vingança agora

Arrastou uma de dez

Foi mostrando sem demora

E na estrada esquisita

Pegou também a bendita

E foi botando pra fora

44

Valei me nossa sinhora

Maria logo falou

Foi entrando na jurema

Ela lhe acompanhou

Mataram toda a saudade

Fazendo amor de verdade

Maria foi quem ganhou

45

Assim Chico se vingou

Metendo ponta também

Agradava a ex-mulher

E ainda fazia o bem

A paga de dez reais

Se ela quisesse mais

Dizia só, Chico vem!

46

Quando encontrava alguém

Que a história conhecia

O Chico enchia o peito

Dizendo o que acontecia

Que corno não era mais

Pois se vingou por demais

Fazendo amor com Maria

47

De alma lavada dizia

“De corno já me chamáro

Uins mandava eu matá ele

Dizeno queu era otáro

Mai eu num me apressei

De ser corno inté dexei

Cum fé in meu iscapuláro!!!”

48

Isso deixa muito claro

A decência do matuto

Analfabeto de tudo

Sua herança e estatuto

Mas nobre na sua ideia

De não matar sua véia

E vigar sem deixar luto

49

Dar exemplo absoluto

A quem maltrata a mulher

Porque levou uma gaia

Ou se ela não lhe quer

Não basta ser estudado

Basta só ser ensinado

Venha aprender se quiser

50

Julguem Chico se puder

Avalie sua decência

Imaginou se vingar

Lhe deram té, resistência!

Tomou outra iniciativa

Onde a ideia criativa

Nos ensina a boa essência!!!

Fim

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 03/09/2012
Reeditado em 20/01/2018
Código do texto: T3862671
Classificação de conteúdo: seguro
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