A DECÊNCIA DE UM CORNO
01
Eu muito me arrepio
Quando um espirro desprendo
Na hora que me acordo
Olhando o sol nascendo
E quando vou urinar
Costumo me arrepiar
Com o corpo estremecendo
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O mesmo prazer vou tendo
No dia a dia de trabalho
E quando não me arrepio
As vezes me agasalho
Em coisas interessantes
Que vem das mentes pensantes
Me servem de quebra galho
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Eu inté me embaralho
Com essa gente importante
Que vive num pé de serra
Do povo chique distante
Ouvindo seu linguajar
Passo a me arrepiar
Como acho interessante
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Um corno muito elegante
Vou chamar de professor
Da minha terra natal
Que perdeu o seu amor
Porem a sua vingança
Quando findou a esperança
Foi deveras promissor
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Um casal cheio de amor
Convivência de primeira
Ela morena aprumada
Cheirosa feito roseira
Ele charmoso da roça
Trabalhador da mão grossa
Vulgo Chico bagaceira
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Todo sábado ia à feira
Deixava ela sozinha
A casa no mei do mato
Sem parente e nem vizinha
Quando a feira terminava
Muito apressado voltava
Que Maria tava sozinha
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A meiota da branquinha
Tomava depois partia
Fazia primeira a feira
Depois era que bebia
Podia num comprar nada
Mas a ida era sagrada
Todo sábado fazia
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Quando ele prosseguia
Já ia imaginando
Era a boca enchendo d’água
A língua crespa secando
Era a falta da cachaça
Que fazia toda desgraça
Logo sedo perturbando
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Foram os dias se passando
Chico era satisfeito
Pela a dama apaixonado
Admirando o seu jeito
Que as vezes era bonito
Outras vezes esquisito
Sem descobrir o defeito
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Se coisa feia eu aceito
Dizia ele consigo
Minha mué bebe cana
Mais é só cum meus amigo
Pois se fizer coisa errada
Eu tombem num dô porrada
E nem sei se dô castigo
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Um costume lá antigo
É a festa de padroeiro
Basta se juntar dez casas
No meu sertão brasileiro
Que já separam um santo
E o alvoroço é tanto!
Recebe reza e dinheiro
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Bagaceira um prazenteiro
Cheio de satisfação
Dava o dinheiro ao santo
Comprava inté foguetão
Depois ia mais Maria
Assistir a romaria
Que chamava adoração
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O Santo Sebastião
Era Patrono de duas
Lá no mesmo município
O povo ganhava as ruas
Das cidades mais vizinhas
Arrecadando ajudinhas
Levando as imagens nuas
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Nas honestidades suas
Faziam tudo de graça
Recebiam as oferendas
Sem precisar ameaça
De um povo religioso
Fielmente pegajoso
Que só no zelo ultrapassa
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Num passo que tudo passa
Sem vexame ou aperreio
Tem o Saco dos Caçulas
Que São José tem no seio
Terra boa de Plantação
Onde São Sebastião
Tem uma igreja no meio
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Onde mesmo eu me arreio
E friso no som mais forte
Vou deixando a parte sul
E me atrelar lá no norte
Se o saco produz de tudo
Pra Cachoeira eu me mudo
Pra narrar a pouca sorte
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Que a inspiração aborte
Mas eu tenho que dizer
Como é que o mesmo Santo
Demonstra dois parecer
Na parte sul abençoa
E na parte norte ecoa
O mesmo, mas sem benzer!
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É lá que eu quero fazer
A minha estripulia
Falar das festas de arromba
Que a matuteira fazia
Começava ao sol se por
Todo mundo era ator
Té amanhecer o dia
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Pobres, mas sem covardia,
Na Cachoeira das Minas
Com suas serras bem altas
Mais serrotes que campinas
Bem distante da cidade
Duas léguas de verdade
D’águas boas e salinas
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Bem distante das usinas
O engenho de antigamente
Mas era um povo festeiro
De ação sempre presente
Já no Saco tudo tinha
Mas o povo mesmo vinha
Para a festa diferente
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Dia vinte ninguém tente
Trabalhar o dia inteiro
Tem que guardar esse dia
Onde o mês é o de janeiro
Das bombas o estampido,
Todo povo comovido
Com a festa do padroeiro
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Do Saco eu dou roteiro
Das bonanças que aviam
Olho d’água em cada pedra
Milho e feijão produziam
Muitas frutas e até cana
Fosse comum ou caiana
Te rapadura faziam
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Os moradores diziam
Nosso saco é um jardim
Aqui nós produz de tudo
E o bafafá era assim
Mas se o povo tudo atesta
Fugiam pra outra festa
Que era a melhor por fim
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E Chico dizia o sim
Como matuto perfeito
Dava a contribuição
Qualquer valor satisfeito
De tarde cedo no dia
Se mandava mais Maria
Com muita garra e respeito
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Adoração sem efeito
Por causa de um só motivo
Os dois gostavam da cana
De nome aperitivo
Cada um ia na sua
Onde só tinha uma rua
Para todo receptivo
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Bagaceira, muito ativo,
Mas esquecia da dama
Se metia na branquinha
E as vezes até na brama
Na “seuveja” muito pouco
Porque lhe deixava rouco
“Trêi dia inriba da cama”
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Já ela não tinha drama
Tomava qualquer bebida
E quando a noite chegava
Que a rua era invadida
Ninguém mais via ninguém
Maria sem um vintém
Passava a noite sumida
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E se findava perdida
E a luz num ajudava
Bagaceira corria a vista
Que também nem enxergava
E a festa amanhecia
Ele cassando Maria
Que só no claro encontrava
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E depois que lhe achava
Ficava desconfiado
“Pruque foi que tu sumiu?”
Muito pouco o perguntado
Ela nada lhe dizia
Mas no bolso aparecia
Toda vez com um trocado
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Já ele acabrunhado
Com vergonha dos amigos
Se alguns eram mais jovens
E outros té mais antigos
Contava sua tristeza
Mas nunca tinha certeza
Nem também tinha inimigos
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E comentando os artigos
Dos anos dava relatos
Pois isso se repetia
E ele ajuntava os fatos
Mas vivia junto dela
Amava somente a ela
Sem nunca fazer maus tratos
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Por fim surgiram boatos
Que o Chico era corno
Muitos anos de casados
Enfrentava esse transtorno
Mas pensando positivo
Sem ela eu “tombem” vivo
E do caso fez estorno
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No coração fez adorno
Mandou ela ir embora
Esclareceu sua magoa
Na despedida os dois chora
Ele, lagrimas clemente,
Ela chora e nada sente
Pois foi da boca pra fora
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No fogo que lhe devora
Esquentou a redondeza
A mulhé de bagaceira
Agora virou princesa
Se isso era absurdo
A velha enrabava tudo
Que viesse em sua mesa
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Em Chico deu a frieza
Curtindo a decepção
Cada dia que passava
Mais ardia o coração
Muito se pôs a pensar
E passou a proclamar
Ao mesmo Sebastião
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Enxergou a negação
Do casório destruído
Procurava outras mulheres
Mas ficava entristecido
Pois quando pra cama ia
Só enxergava Maria
Te murchava os “pissuído!”
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E o sofrer estendido
Quase não acaba mais
Quando ia no cabaré
Gastava todos reais
Se metia na branquinha
Porque na mente só vinha
Lembranças especiais
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Pensou bastante demais
E chegou a conclusão
Ela já arrumou outro
E eu nada arrumei não
Se nem isso me desgosta
Pruque sei o que ela gosta
Eu vô me vingar então
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E depois da decisão
Planejando do seu jeito
Se me chamavam de corno
Só ela tinha o defeito
Eu mermo nada fazia
Era dela a covardia...
Falava e batia no peito
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O macho dela eu ajeito
E foi pensando ligeiro
Eu “sufri” por um bom tempo
Mas foi causo passageiro
Agora pra mim vingar
Basta, é só eu gastar
“Cum ela argum dinhêiro”
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Esqueceu o padroeiro
Se mandou pra encruzilhada
No lugar que ela passava
Sozinha ou acompanhada
Lhe fez a boa proposta
Pois eu sei do que tu gosta
Ela deu foi gargalhada...
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“Inda disse é piada
O que tu vem me dizê
Tu nunca me deu dinhêro
Só me dava de cumê
E agora vem mí surtá
Quanto tu tem pra mi dá?
Mostru dinhêro prêu vê”
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Disse Chico eu vou fazê!
Minha vingança agora
Arrastou uma de dez
Foi mostrando sem demora
E na estrada esquisita
Pegou também a bendita
E foi botando pra fora
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Valei me nossa sinhora
Maria logo falou
Foi entrando na jurema
Ela lhe acompanhou
Mataram toda a saudade
Fazendo amor de verdade
Maria foi quem ganhou
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Assim Chico se vingou
Metendo ponta também
Agradava a ex-mulher
E ainda fazia o bem
A paga de dez reais
Se ela quisesse mais
Dizia só, Chico vem!
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Quando encontrava alguém
Que a história conhecia
O Chico enchia o peito
Dizendo o que acontecia
Que corno não era mais
Pois se vingou por demais
Fazendo amor com Maria
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De alma lavada dizia
“De corno já me chamáro
Uins mandava eu matá ele
Dizeno queu era otáro
Mai eu num me apressei
De ser corno inté dexei
Cum fé in meu iscapuláro!!!”
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Isso deixa muito claro
A decência do matuto
Analfabeto de tudo
Sua herança e estatuto
Mas nobre na sua ideia
De não matar sua véia
E vigar sem deixar luto
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Dar exemplo absoluto
A quem maltrata a mulher
Porque levou uma gaia
Ou se ela não lhe quer
Não basta ser estudado
Basta só ser ensinado
Venha aprender se quiser
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Julguem Chico se puder
Avalie sua decência
Imaginou se vingar
Lhe deram té, resistência!
Tomou outra iniciativa
Onde a ideia criativa
Nos ensina a boa essência!!!
Fim