As Três Estrelas do Sertão (FINAL)

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Dava xau a velho e novo

Naquela estripulia

O exame ele guardou

Deu a sacola a Maria

Comprou roupas na butique

Queria viajar chique

Melhorava a simpatia

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O retorno que havia

Marcado com o doutor

Já disse eu num vou mais

Pois num tô sintino dor

Num tô mais andanus tombo

Nem a dor de meu estombo

Num tá mais cum o ardor

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Tava corado de cor

Quando usou essa expressão

Tinha deixado a butique

Com a sacola na mão

Com poucas peças no fundo,

Camisa de volta ao mundo,

Siloura, samba canção.

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Comprou calça de botão

Um bom sapato escolheu

Daquele sofisticado

Que o seu olhar se prendeu

Um bom cavalo de aço

Quera pra justar o passo

Viu o tempo que perdeu

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Pois desde quando nasceu

Nunca provou da chiqueza

Agora afilotado

Na cidade de Princesa

Chapéu de palha rasgou

E um de massa comprou

Admirou sua beleza

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Calçado em japonesa

Só usava quando ia

Somente para a cidade

E não era todo dia

Se fosse a missa ou a feira

Mas se desse uma carreira

A danada se partia

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De volta à moradia

No sitio que abitava

Muita gente esperando

Para ver como estava

Mas foi logo explicando,

Todo ixame tô levando!

Só em Brasília amostrava.

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Quando alguém lhe perguntava

O resultado o que deu

Dizia olha eu num sei

Qual o pobrema é o meu...

O inxame ele pegou

Mas ao doutor num mostrou

Maria quem respondeu

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Todo mundo percebeu

Como chegou diferente

Chapéu novo na cabeça

A mala nova na frente

Já foi direto pro quarto

Calçar o belo sapato

E mostrou a toda gente

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Juntou todo pertencente

Foi na mala e colocando

Foi buscar um galão d’água

Deixou Maria arrumando

E quando a janta ajeitou

Logo depois que jantou

Um banho já foi tomando

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Completo de vez em quando

Tomou de cabeça e tudo

Usou raspa de juá

Para o couro cabeludo

Cortou as unhas dos pés

Caprichando em todos dez

Usando um facão pontudo

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Zé tinha um dedão unhudo

Foi cortando sem demora

A unha toda aleijada

No capricho ele tora

Mode no sapato entrar

Tenho mermo que torar

Se não o danado estóra

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E já tardando a hora

Mané teve que dormir

Ia sair de madrugada

Fretou um carro pra ir

Deixou Maria arrumando

Na rede foi se deitando

Pruque sedo ia partir

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Maria pra prevenir

Marchou pra o velho chiqueiro

Deu de garra de um capão

Matou e pelou ligeiro

Torrou com sal e pimenta

Do ardor sair na venta

Pois Zé era farofeiro

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Acordou, foi no banheiro!

Se despediu da família

Pegou a bela bagagem

Também um radio de pília

Era ouvinte pontual

Do mais extenso jornal

Lá dos homens de Brasília

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Rezou pra Santa Cecilia

Fez sua prece sutil

A mala já tava pronta

Pra conferir inda abril

Mas o radio deixou fora

Que a noitinha sete hora

Ouvia a voz do Brasil

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O seu mundo coloriu

Sonhando em ficar bom

Usou o cavalo de aço

Que era preto com marrom

Indo em busca de melhora

Seguiu Zé de estrada a fora

Do raidim ouvindo o som

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Cheirava só a avom

O seu cheiro preferido

Levava também na mala

Só andava prevenido

E quando na rua chegou

O ônibus não demorou

Tava o povo reunido

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E foi aquele alarido

Um chororô se formou

O ônibus lá parado

Se despediu e entrou

Assentou se na janela

Deu xau a famia bela

E sua terra deixou

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Quando a fome apertou

Já era no fim do dia

Já tinha secado os olhos

E passado a nostalgia

Puxou a bolsa de mão

Onde levava o capão

E a dita farofa fria

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Sem cerimônia comia

A ninguém ofereceu

O cheiro se espalhou

Todo mundo percebeu

Enquanto ele rangava

A todos incomodava

O velho se ofendeu

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Alguém lhe repreendeu

Com a farofa voando

Pois o vento da janela

Passava tudo levando

Perturbava os passageiros

Enchendo os olhos de argueiros

Com Mané saboreando

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E o tempo passou passando

Três dias bem conferido

Chegando lá em brasilia

O corpo todo doído

Mesmo assim se espreguiçou

Fez um cigarro e fumou

Daquele todo fedido

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Juntou os seus pissuído

O filho veio lhe buscar

Perguntou se tava bem

Ele só fez confirmar

Disse agora eu tô mió

Diminuí o boró

Quase vivo sem fumar

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O doutor mandou parar

Mas eu só diminuí

Mandô tumá uns cachete

Um xarope e eu já bebi

Mai vim cum munto vexame

E truxe todu inxame

Mai munta dô já sinti

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Pra vista duqui sufri

Eu já me sinto curado

Mai quando é o doutô

Ao filho foi perguntado

Lhe respondeu sem demora

Amanhã por essa hora

Seu medico esta marcado

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Pra quem estava enfadado

Tomou banho de chuveiro

Três dias sem se banhar

Exalava forte cheiro

Se enxaguou da escuma

Dormiu num colchão de espuma

Usou inte mosquiteiro

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O enfado sumiu ligeiro

Bem cedo tava de pé

Fez logo sua oração

Pra Santa que tinha fé

O filho quando acordou

Na padaria comprou

Pão e queijo pro café

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Surpresa pro Zé mané

Boa vida é da cidade

Um café cum pão e quêjo

Pôi vejo qué novidade

Só cuscuz cum macachêra

Eu cumi a vida intêra

Meu fí sabe qué verdade

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Papai na realidade

A minha vida mudou

A sua muda também

Zé mané se levantou

Do café agradecendo

Meu fí pode ir dizendo

E para o medico marchou

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Na hora que lá chegou

Já lhe chamou atenção

Num lugar bem equipado

Cheirinho bom de limão

Uma loira educada

Num balcão bem assentada

Pois era a recepção

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Exames tinham na mão

O filho se dirigiu

Pra falar com a mocinha

Que o nome conferiu

Zé Mané se assentou-se

De fumar logo lembrou-se

Abriu a porta e saiu

93

Fumou um e repetiu

Nessa hora fumou três

Depois voltou a fumar

Enquanto chegava a vês

Cigarro fraco danado

Num gosto de disfiado

Um pé de burro ele fez

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Sem vergonha ou timidez

Fumou e tragou bastante

Chegou à vez de entrar

Nessa hora foi pensante

Apagou na mesma hora

Mas nada de jogar fora

Depois eu fumo o restante

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Naquele mesmo instante

Agiu sem nada temer

Botou a traz da orelha

Pois costumava fazer

Entrou de cabeça erguida

Com a piola fedida

Dizendo ninguém vai ver

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Ligeiro entrou sem ter

Motivo pra se acanhar

Boa tarde! foi direto,

Vocês podem se assentar

Disse o doutor educado

Já meio asfixiado

Cassando onde se socar

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O senhor pode falar

Va dizendo o que sente

E foi abrindo as janelas

Ventilando o ambiente

Zé mané se explicou

Todo exame apresentou

Pra o doutor ficar ciente

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E o mesmo experiente

Foi ficando admirado

Como o senhor tá andando

E como tem suportado

O raio xis lhe condena

Retrata uma triste sena

Já foi lido o resultado

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Como ele tinha guardado

Só em Brasília ia ver

E não mostrou a ninguém

Também não sabia ler

E quando o doutor foi lendo

O resultado e dizendo

Eu não consigo entender

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Assustado a se benzer

To vendo uma coisa estranha

Essa mancha que aparece

Em seu estomago acompanha

Ocupando todo espaço

E oculta até o baço

Chega à voz saia fanha

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Nunca vi coisa tamanha

Levou Zé para a urgência

Convocou outros colegas

Em caráter de emergência

Porque havia um caroço

Sem ser carne e sem ser osso

Na mais estranha aparência

102

E ele na displicência

Foi por ele interrogado

O senhor fez a dieta

Respondeu desconfiado

Eu fiz a noite todinha

Mais quase dimanhazinha

Até comi um bucado

103

Que comeu? foi perguntado,

Falou ele satisfeito

Eu cumi um rubacão,

Cum mocotó e rejeito,

Só se eu num intendi

E só pruquê eu cumi

A maquina deu um defeito?

104

O doutor disse eu aceito

A sua desculpa agora

Descobri sua doença

Faça outro sem demora

Venha à manhã bem cedinho

Sem tomar nem cafezinho

Nem morrer antes da hora

105

Daí se foram embora

Pai e filho meditando

O velho todo cismado

E ainda questionando

Ta difice de vivê

Só pru causo do cumê

Terminei atrapaiando

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Passou a noite pensando

Quase amanhecia doente

Saiu sem tomar café

Quase nem escova “o dente”

Não fumou nada grã-fino

Nem boró grosso nem fino

Disse ao doutor Zé Vicente

110

Fez outro exame descente

Com o doutor a conversar

O senhor já sente dor

Na hora de urinar...

Ou mija em cima dos pés

Me responda como és

Que é pra gente começar

111

Fez questão de explicar

Disse que nada sentia

Que ainda dava no couro

Toda noite com Maria

Ou quando desse vontade

Fosse manhã ou de tarde

Toda hora inda subia

112

Com as palavras que ouvia

Aprofundou-se no assunto

Mas é bom fazer o toque

Que faz parte do conjunto

Das informações contidas

Do coração as batidas

No finalzinha eu ajunto

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Nem mesmo eu tando difunto

Nem do diabo possuído

Tu vai infiar o dedo

Onde nunca foi michido

Pois aqui só faz sair

E eu nunca vou premitir

Pode dêxá de muído

114

Olhando o dedo comprido

Enquanto tava falando

Foi tentando desfaçar

Que tava se arrepiando

O doutor lhe convenceu

Desceu as calças e cedeu

Sem o filho ta olhando

115

O exame terminando

O doutor falou assim

O senhor já tá em ordem

Seu quadro num é ruim

O Zé Mané se vestiu

Olhou pra o medico e saiu

Inda respondeu assim

116

Ispero que seja o fim

E num precise mais nada

Já fiz tudo que pediu

Terminou com a dedada

Faça agora a concrusão

E diga se eu tem ou não

Arguma coisa butada

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Seu problema é a pitada

O velho nem entendeu

‘Se o pobrema é no pinto

Pruque o dedo meteu’

Falou o medico sorrindo

O que o senhor tá sentindo

É o mesmo problema meu

118

O fumo lhe ofendeu

Continua a ofender

Eu também sou fumador

É fácil de entender

Quando eu falo de pitadas

Me refiro as fumadas

Que o senhor faz sem saber

119

O seu mal vou lhe dizer

É o cigarro maldito

Tá estragando o pulmão

Sei que isso já foi dito

Pra puder eu lhe ajudar

Deixe logo de fumar

Só deixando eu acredito

120

Zé mané disse é bonito

Pois bem que dixe Maria

Tua duença é o fumo

Sem sê doutor já sabia

Grande foi o reboliço

Num foi changou nem feitiço

Que no meu peito ardia

121

Já logo no outro dia

Arrumou a simples mala

Imbalou do sul pro norte

Ligeiro como uma bala

Todo cheio de alegria

Onde esperava Maria

Na janelinha da sala

Fim

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 25/08/2012
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T3848367
Classificação de conteúdo: seguro
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