DE VOLTA A CASA VELHA

MOTE:João joassi menezes

SE A CASA VELHA FALASSE

CONTAVA MEU SOFRIMENTO

Glosa:Jailton Antas

01

No casebre onde eu nasci

Bem distante da cidade

No mato a tranqüilidade

Da fome sobrevivi

Do roçado me entendi

Donde tirava o sustento

Mas o cruel sofrimento

Era escola! Que eu estudasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

02

Mamãe até dividiu

Um ovo para nós cinco

Falo a verdade e não brinco

Pois sei que ela sentiu

Que o coração se partiu

Sem fazer nem um lamento

Cinco filhos em tormento

Se a cicatriz não ficasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

03

Comi carne de preá

Camaleão, tejuaçu,

Gato do mato e tatu,

Socó-boi e sabiá,

Só nunca comi guará

Calango e papa-vento

Cassava para o sustento,

E a mistura não faltasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

04

Bebi água de barreiro

Numa quartinha ou pote

Coava “mode” o caçote

Deixava assentar primeiro

Da lama ficava o cheiro

O poço era barrento,

“Ancoretava” o jumento

Sempre que a água acabasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

05

Eu não sofria de olhado

Mas tinha pulga-de-pé

Impinge caxumba, inté

Vez por outra bucho inchado

Tinha um piolho danado

Torce braba, um catarrento

E o dordói remelento

Com mosquito em toda face

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

06

O tempo pode falar

Sem ter voz alta ou rouca

Se a minha esperança é pouca

Só sei então recordar

Vivo a me perguntar

O povo que deixei dentro

Restando só sentimento

Não achei quem explicasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

07

Plantei milho e feijão

Mamona, fava, fruteira,

Cana, cebola, goiabeira,

Palma, capim e algodão,

Tomate, manga, mamão,

Seria pro mantimento,

Não chovia! Era tormento,

Sem ter como que aguasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

08

O angico de estimação

Que sombreava o terreiro

Serviu também de poleiro

Secou-se na solidão

Na companhia do oitão

Que viu seu padecimento

Regado pelo relento

Não tinha como escapasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

09

No quarto onde eu nasci

Puxado pela parteira

Minha mãe a noite inteira

Sofreu eu também sofri

Cresci e não entendi

Como foi meu nascimento,

O nó do umbigo sangrento

Fez com que eu me calasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

10

Frustrações da minha infância

Tremores dão na barriga

De tanto lembrar das brigas

De vovô com arrogância

Era tanta ignorância

Vovó passava tormento

Com o velhote ciumento

Ai dela se não calasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

11

No meu tempo de menino

Andava de pé no chão,

A roupa era um calção.

E o medo de pente fino,

Comi banha de suíno,

No meu melhor momento

Não houve um só argumento

Que a esse trauma anulasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

12

A casa de pedra bruta

Um piso de chão batido

Um candeeiro erguido

Nos quartos ia à permuta

A pobreza absoluta

Faltava sempre alimento

Leite só no amamento

Ai guri! Se não mamasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

13

Um pote era a geladeira

O frízer era um cordão

Bem encima do fogão

Por causa da varejeira

Toicinho na frigideira

Só o sal por condimento

Já o jabá de jumento

Só comia se escaldasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

14

O caco de assar sequilho

Vi num canto empoeirado

Mostrando o triste estado

Panelas sem ter mais brilho

A maquina de moer milho

Um banco foi nosso assento

Chorei espiando atento

Quis que a infância voltasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

15

A cangalha e o cambito

Um couro seco espichado

Representando um guisado

Que foi feito dum cabrito

Pai me disse e eu acredito

Foi o do seu casamento

E não houve outro momento

Que um cabrito se assasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

16

No quartinho da varanda

Tinha num prego argolas

Noutros, sela e rabicholas

Uns restinhos da quitanda

Morcegos pra toda banda

Os silos do mantimento

Cheios de aranha e vento

Sofri contendo o impasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

17

No quarto a velha esteira

Encontrei-la demolida

Onde foi minha dormida

Dormia encima a poeira

Do lado da cabeceira

Um batente de cimento

Uma moringa e um acento

Sem ter alguém que sentasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

18

Corri olhos no monturo

Bem na porta da cozinha

Couro de bota e a bainha

Da faca do cabo escuro

Quintal de palma sem muro

Troço velho exposto ao vento

Cada trapo um sentimento

Não tinha quem não chorasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

19

Onde mãe fazia fuxico

Uns panos se diluindo

Portas, janelas caindo

Um brabo velho de angico

De estanho era o penico

O socorro do momento

Tudo exposto ao relento

Não houve quem os guardasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

20

Um pilão velho aterrado

O cupim tomou de conta

A mão ruída na ponta

Um eterno aposentado

Não tinha café torrado

Com o cheiro forte ao vento

Nem panqueca sem fermento

Pra que a saudade matasse

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

21

Imagens de vários santos

Entre as teias de aranha

Entrei na sala na manha

Meus olhos foram aos prantos

Enxu em todos recantos

Grande foi o meu tormento

Chorei lembrando o momento

Da família e seu ENLACE...

Se a casa velha falasse

Contava meu sofrimento

...

Jailton Antas e MOTE DO POETA: João joassi menezes
Enviado por Jailton Antas em 17/07/2012
Reeditado em 17/09/2015
Código do texto: T3783308
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