Retratos do passado... parte 1
Glosa: Jailton Antas
Mote: Autor desconhecido
São retratos do passado
Em minha imaginação
01
Vejo o passado de perto
Sem precisar de DVD
Nem um filme na TV
Ou também de olho aberto
Configurando eu aperto
Na viva recordação
Vou buscar na imensidão
E faço ser renovado
Os retratos do passado
Em minha imaginação
02
Meu pai cheio de vigor
Matuto muito granfino
Todo ano era um menino
Fabricando com amor
Parto feito sem doutor
A parteira usava a mão
Puxava sem compaixão
Sem luvas o bem chegado
São retratos do passado
Em minha imaginação
03
Na varanda o velho santo
Um candeeiro velando
O fiel casal rezando
Por tradição, no entanto,
Uma raridade um pranto
Da seqüente adoração
Ensinando a correção
Com base no adorado
São retratos do passado
Em minha imaginação
04
Um pote o reservatório
Que toda água armazena
Uma chaleira pequena
Penico, o miditório
A bacia o lavatório
Um silo cheio de feijão
Galinha, galo e capão
Um peru todo assanhado
São retratos do passado
Em minha imaginação
05
Arado Paraguaçu
Um boi velho puxador
Um bruto carreador
Outro arado é o tatu
Boi craúna e urubu
Seguindo com atenção
Sobre a ponta do ferrão
Dando conta do recado
São retratos do passado
Em minha imaginação
06
Uma botina de couro
Uma bota sete légua
Um cavalo ou uma égua
Um turino feito touro
Um dente todo de ouro
No meio da dentição
Só quem tinha era o patrão
Findava sendo invejado
São retratos do passado
Em minha imaginação
07
Uma porca parideira
Uma vaca dando cria
Uma macaca macia
Empregada fofoqueira
Vizinha namoradeira
Com mais de um comilão
Sem precisar cafetão
Pra fazer o combinado
São retratos do passado
Em minha imaginação
08
Na velha casa um enxú
Com nome de boca torta
Casca de cobra na porta
Num buraco um capuxú
Um velho pé de caju
No quintal da solidão
Um museu sem compaixão
É um casebre abandonado
São retratos do passado
Em minha imaginação
09
Uma espingarda de soca
Coronha de canafista
Ou qualquer madeira mista
Foguetão só de taboca
Uma catingueira oca
De aroeira um mourão
De angico um esticão
E o arame só farpado
São retratos do passado
Em minha imaginação
10
Um plantador bem franzino,
Na maquina pé de grilo,
Um vira-lata tranqüilo
Tratado como menino
Silo grosso outro fino
Um paiol de algodão
Por traz da casa um pilão
O escape improvisado
São retratos do passado
Em minha imaginação
11
Na noite de trovoada
Tem o raio e tem estalo
No poleiro canta o galo
Vai piando a pintarada
A saparia animada
Canta lá no ribeirão
No açoite do trovão,
Tem cheiro de chão molhado!
São retratos do passado
Em minha imaginação
12
Uma cacimba de boca
Tem nome de cacimbão
Com bardo puxado a mão
Encaliça a mão de côca
Que escuta a voz bem rouca
Dum caçote e seu refrão
Cantando sua canção
Lá de cima escuta o brado
São retratos do passado
Em minha imaginação
13
O ferro de engomar
Que a minha mãe usava
Pra acender assoprava
E mode o bicho esquentar
Olhos tinha que chorar
Na fumaça do carvão
Balançava ele na mão
Que servicim enjoado!!
São retratos do passado
Em minha imaginação
14
A bola feita de meia
Com as traves de chinelos
Pião com e sem pitelos
Numa casa quase aldeia
Num terreiro de areia
Fiz a minha diversão
Lá pras banda do sertão
Num lugarzinho atrasado
São retratos do passado
Em minha imaginação
15
Vaca valente na cria
Bezerro bem escondido
Um carneirinho enxerido
Ate nas vacas subia
Redemonho e ventania
Parecendo um furacão
Levando tudo do chão
Deixa o matuto assustado
São retratos do passado
Em minha imaginação
16
Um caramujo no rio
Passeia bem protegido
Um cagado bem vestido
Corteja a fêmea no cio
Cururu não sente frio
E a jia também não
Cobra fica de plantão
Vigiando um alagado
São retratos do passado
Em minha imaginação
17
Bem antes da trovoada
A tanajura voando
A meninada apanhando
Sem ter nojo da danada
E aquela bunda torrada
Servindo de refeição
Todos nessa animação
Festejando o chão molhado
São retratos do passado
Em minha imaginação
18
Num terreiro bem varrido
Um jegue se espojando
Uma garrota mijando
Um tourequinho metido
Querendo ser seu marido
Ela sem dar atenção
E um pé de manjericão
Num jarro todo rachado
São retratos do passado
Em minha imaginação
19
Armário de interior
Tem gaveta com tempero
Um frasco de meaêro
Tem garrafa de licor
Pra todo tipo de dor
Tem um chá de prontidão
Três galhinhos de pião
Expulsando um mau olhado
São retratos do passado
Em minha imaginação
20
Uma saudade gostosa
Do meu mato em que nasci
Nesse quadro eu revivi
Na satisfação da glosa
A memória generosa
Alegrou meu coração
Na doce recordação
Em tudo que foi narrado
Do retrato do passado
Em minha imaginação
Fim