UMA CARTA PARA DEUS
 
O final do dia não era igual
Pois era véspera do natal
O carteiro cumprindo o fado
Abolia um dia azafamado
Sua bolsa de cheia era vazia
No ofício que exercia todo dia
Entregando boas e más notícias
Decaindo de quem aufere ciências.
 
Seu retorno começava rua acima
Passando pela próxima esquina
Distinguiu um casal de criança
Em seus olhos muita esperança
Apesar de vestidos em trapos
Não se via desfigura e maus tratos
Nas roupas que não lhe serviam
Nem por que ali parados estariam.
 
O carteiro sentiu um peso no corpo
Como se levasse um peso morto
Quanto mais pedalava a bicicleta
Parecia que ele ficava mais quieta
Sua força foi apagando igual vela
Naquela esquina que ia pra favela
Algo desconhecido acontecia
Como se fosse uma profecia.
 
Sua força por fim acabou
Diante das crianças parou
Como se comandado fosse
Eli mesmo acomodou-se
Sem saber o que aconteceu
Olhou lentamente para o céu
Como se buscasse explicação
Para aquela exata situação.
 
Exausto e muito ofegante
Respirou por um instante
Enquanto ouvia um pedido
Da voz de um anjo perdido
Esquecido em uma favela
Iluminado a luz de vela
Num lugar de povo padecido
Nunca antes pelo poder servido.
 
O miúdo alargou os braços astutos
Mostrando em um pedaço papel escritos
Pedindo encarecidamente ao carteiro
Que levasse ao o endereço certeiro
Por ele e sua irmã humildemente anotado
Desde que a carta chegasse até sábado
Pois seu pedido não podia esperar muito
O céu já escurecia e o tempo era curto.
 
O carteiro pegou a carta receoso
Não conseguir atender o serviço
Pois o endereçamento da carta
Não era Papai Noel como meta
A missão era quase impossível
Pois a carta tinha nome legível
Estava dirigida ao grande Deus
Criador e Senhor de todos os céus.
 
Não querendo desagradar às crianças
Nem acabar com suas esperanças
O carteiro ajeitou na bolsa a carta
Viu as crianças subirem a rua reta
Em direção da favela nas encostas
Onde o poder público vira as costas
E a morte é noticiada todos os anos
Por falta de apoio, metas e planos.
 
A noite investia trazendo chuva e frio
Molhava ruas, encostas e operários
Alagando morros e descendo o rio
Anunciando um novo dilúvio fatal
Para os moradores da favela letal
Quem não arredava de suas casas
Por falta de planejamento estadual
Que investia em futebol e carnaval.
 
O carteiro seguia na rua deserta
Com o pensamento sem meta
Como entregar a carta para Deus
Se não sei como chegar aos céus
E tão grande seria a decepção
Ver as crianças de pés no chão
Para elas não poder dar satisfação
De não ter cumprido a missão.
 
Em seu pensamento penoso
O carteiro não percebeu
Um motorista perigoso
Que descumpria a lei e bebeu
E dirigia pela rua embriagado
Riscando meios fios e calçadas
Em descontrole e atordoado
Parecia que não via nada.
 
Em um descuido insano e fatal
O motorista em seu carro letal
Atropelou o carteiro coitado
Que caiu no asfalto deitado
Latejando seu corpo de dor
Sua vista foi ficando turva
O rosto molhando pela chuva
E tudo em volta perdendo a cor.
 
Em um momento de reflexo
Pegou a carta em suas mãos
Parecia tudo sem nexo
Mas queria cumprir a missão
Uma luz brilhante surgiu intensa
Com dois Anjos caindo dos céus
Vou levar a carta das crianças
Pensou o carteiro se chegar a Deus.
 
Os Anjos foram levando o carteiro
E viram em suas mãos uma carta
Leram pelo caminho inteiro
E viram um forte conteúdo na escrita
Intuíram que não era de sua alçada
Pois o pedido não lhe cabia cumprir
Para os Arcanjos seria sua jornada
Seus superiores deveriam decidir.
 
Aos Arcanjos foi entregue o carteiro
Com a carta nas mãos endereçada
Os Anjos saem como mensageiros
E voltam à outra missão destinada
Os Arcanjos muito sem entender
Seguram a carta e começam a ler
Verificam seus escritos e pedidos
E logo levam para os Principados.
 
Os Arcanjos chegam aos Principados
Estes no alvoroço ficam preocupados
Por que tanta correria no reinado
Logo percebem um carteiro levado
Por dois Arcanjos muito apressados
Que chegam ofegantes e suados
Parecem acelerados e com recado
Deixando cautos todos os Principados.
 
Os Principados auferem o carteiro
E uma carta dos Arcanjos ligeiros
Tomam conta do homem fiel
Em nome de Deus do céu
Leem a carta endereçada
E logo foge de suas orçadas
Toda escrita ali anotada
As Autoridades será levada.
 
A grande porta é aberta
As Autoridades ficam alerta
Quando alguns Principados
Entram muitos apressados
Carregando um carteiro
Em grandes passos ligeiros
Uma carta na mão trêmula
Revelava alguma parábola.
 
As autoridades são reveladas
O problema ali convalidado
Que ao céu teria chegado
Um carteiro trazendo a carta
Que para Deus seria destinada
Estes deveriam decidir o rumo
Daquela mensagem com destino
A Deus escrita por dois meninos.
 
As Autoridades logo ficaram de fora
Não seria deles a decisão do fato
Pois seus poderes estavam por hora
Dependendo da palavra maior
As Potestades lhe seriam superior
Devendo sim de eles sair à decisão
Pois poderia haver reclamação
De qualquer lado ou posição.
 
As Potestades foram apresentadas
Toda história ocorrida na ocasião
Tudo ficou claro com a fábula narrada
Desde início até a atual situação.
As Potestades avaliaram o caso
E logo tomaram providência certa
Sem demorar e provocar o acaso
Logo enviaram a distinta carta.
 
Sábios logo executaram o plano
Enviaram a carta aos Soberanos
Hierarquia superior e reinante
O qual com cuidado e atenção
Deveriam destinar adiante
Para breve e legitima decisão
Pois o tempo corria sem parar
E o carteiro não podia esperar.
 
Os Soberanos receberam o fado
E contra o tempo veloz pelejaram
Para não deixar o carteiro de lado
Apelaram para os Querubins
Buscaram um recurso superior
Para destinar os fatos, os fins.
Pois após eles só tinha os Serafins
Que estavam mais perto do Criador.
 
Isto foi feito com muita rapidez
O tempo feroz engolia os segundos
E fundia os momentos com rispidez
Misturando tudo, os dois mundos.
Os Querubins receberam o ocorrido
Com presteza e atenção devida
Por que ali valia uma grande vida
Um obreiro jazia na luta da essência.
 
O tempo agora determinava o ensejo
A única alternativa era aos Serafins
Pois quando a situação é o que prevejo
Nada mais pode ser feito pelos Querubins
Temos que correr para mais perto de Deus
Buscar um saída para que não chegue o fim
Este carteiro não está aqui em vão, não é adeus
De um trabalhador que agoniza tanto assim.
 
Aos Serafins foi proposto o problema
Como única solução do diagrama
Ler uma carta direcionada a Deus
E poupar o Senhor de tal dilema.
Os Serafins logo decifraram o pleito
Desta situação não havia outro jeito
Deveria entregar a carta ao Senhor Deus
E este adotaria a decisão no seu formato.
 
Sem protelar logo chegaram ao Senhor
Com o carteiro e a carta dos guris
Foram alertando que o tempo corroía
Não havia mais tempo pra conter a dor
Pois duas famílias dependiam da decisão
Uma pelo sofrimento eterno da dúvida
Outro pela vida de um pai trabalhador
E tudo estava nas mãos do Senhor.
 
Deus com calma escutou a narrativa
E quando o tempo usurpava a vida
Este fez tudo parar em um segundo
Nada mais seguiria sua linha rotativa
Sem a acessão do Senhor do mundo
Um gesto divino do céu foi proferido
Parando tudo para uma reavaliação
Dominando tudo, todos e toda nação.
 
Antes do sol se esconder no crepúsculo
Entre as nuvens pretas acima das favelas
Deus faz surgir entre as montes o sinal
A última luz antes das luzes de velas
Um arco-íris surge ligando o céu ao solo
E afasta um fatal e terrível temporal
Um novo começo será determinado
Moradores de encostas não são afetados.
 
O carteiro retorna devagar de coma fatal
Contrariando toda resolução medicinal
De tantas tentativas sem qualquer sinal
Seus filhos ao lado da cama em oração
Percebem sua volta e sua movimentação
Elevam para os céus suas pequenas mãos
Agradecendo ao Senhor Deus a salvação
Um grande sorriso e a confirmação.
 
O carteiro ainda desnorteado tem uma visão
Vê em seus filhos as crianças das favelas
E no leito ao lado um Senhor de barbas difusas
Tenta colocar em ordem toda aquela confusão
Onde esteve, onde estar olha pelas janelas
Por que tanto pensamento, a mente está confusa
Não sabe se foi ao céu, se cumpriu a missão
Por que tanto temor, porque tanta decepção.
 
Na dúvida o carteiro retorna a favela
Na mesma rua encontra duas crianças
Pareciam, não é mesmas, não eram elas
Que lhe entregaram a carta com esperança
De acabar com o sofrimento desastroso
De vê casas deslizar pelos morros
Por falta de estado, de ação e de socorro
Dos poderosos que os deixam em mazelas.
 
Antes de refazer seu caminho
O carteiro é por uma voz chamado
Ao se virar se depara com as crianças
Agradecendo-lhe por ter sua carta confiado
Pois Deus do céu atendeu seus pedidos
Por todos da cidade confirmado e aferido
Por que daquele dia em diante
Nenhum barraco da encosta desabou.
Léo Pajeú Léo Bargom Leonires
Enviado por Léo Pajeú Léo Bargom Leonires em 27/01/2012
Reeditado em 12/02/2012
Código do texto: T3465642
Classificação de conteúdo: seguro
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