A MÁGOA DE UM RETIRANTE!!! (causo matuto)
A MÁGOA DE UM RETIRANTE!!!
(causo matuto)
Dotô pru favô se acente
Aí nessa preguiçosa
Pra mode inscuitá somente
Uns dois dedinho de prosa
Falando um pouquinho deu
O qui foi qui acunteceu
De onde é qui vim pronde vou
Pruque deixei meu torrão
O mutivo e a razão
Quero inspricá pro sinhô
Sou matuto cabrunquento
Nascido nos cafundó
Cresci faminto e sedento
Tão pobe de fazê dó
Cumendo alimento fraco
Uma ropinha de saco
Era minha vestimenta
Sem decumento,sem nome
Quaje morrendo de fome
Nas caatinga puerenta
In raido num se falava
Num tinha televisão
A musga qui se inscuitava
Era as ave do sertão
O sabiá, o concriz
O lambu, o corduniz
Campina, guriatã
No campo seco e cinzento
A tarde uvia o lamento
Tristonho da acauã
Mainha aperreada
Dizendo, a coisa tá feia
Pro aimoço num teve nada
E nada se tem pra ceia
Ia num canto ia nôto
Mai lá na casa do zôto
Num havia suprimento
Eita qui a situação
Doía no coração
De vê tanto sufrimento
Painho sentindo a mágoa
Quaje entrano im desispero
A cacimba sem tê água
Já tava seco o barrero
Secou o rio e a fonte
Céu azul, no horizonte
Num tem nuve carregada
Cum os oio lagrimano
Disia a nóis saluçano
Vô batê in ritirada
Num posso mais aguentá
Vê meus fii sofreno assim
Vô dexá o meu lugá
Deus tenha pena de mim
Me oriente pru favô
Eu tenho fé no sinhô
O que é que devo fazê
Tristonho nesse abandono
Sem pudê pegá no sono
Via o dia amanhecê
O sol vremei qui só brasa
Nascia rompeno a orora
Papai quoede entrou in casa
Dixe a mãe, vamo simbora
Arrumaro o matulão
Sem rumo e sem direção
Butemo os pé na istrada
Pai na frente mãe atrás
Dizeno que qui nois faz
Pra criá a fiarada
Saimo de mundo afora
Sem sabê pra donde ia
Cum fé in Nossa Sinhora
A santa vige Maria
A gente tudo infadado
Cheguemo num povoado
Assim qui anoiteceu
Papai pidiu um abrigo
A um cidadão amigo
E ele nos aculheu
Além de abrigo cumida
Pra matá a nossa fome
Um quarto bom pra drumida
Dispois proguntô o nome
De cada um de nois seis
Mãe dixe, aquela é Inês
Zefa, Rita, Sebastião
Mané, e o pequenininho
A gente chama Tonhinho
Eu sou Maria e ele é João
Dimenhã deu alimento
Pra nós tudin outra vez
Depois daquele aposento
Nossa força se refez
Fiquemo im pé no terrero
Passô um camionêro
Qui era cunhicido seu
Aquele home decente
Pediu carona pra gente
Né qui o motorista deu!
Quato dia de viage
Travessemo muito chão
Na diferente paisage
Decemo do caminhão
Papai arranjou trabaio
Mermo seno um quebra-gaio
Dava mode nois cumê
Na casa bem pobezinha
Mãe criava umas galinha
E uns bode pra se vendê
Naquela propriedade
Nois fumo tudo creceno
Pai mais mãe cum muita idade
Dispois cabaro morreno
As menina se casaro
Os irmão se separaro
Incrusive tomem eu
Todo mundo já casado
Cada um saiu prum lado
Cumprindo o distino seu
Essa dotô era a prosa
Qui eu tinha mode contá
Histora longa penosa
Sô quera me adicuipá
O tempo qui lhi tumei
Mai hoje desabafei
Essa magua qui mi imperra
E a dô qui me prejudica
É num sabê donde fica
Aquele meu Pé-de-Serra
Carlos Aires 27/12/2011