INVADI O ESPAÇO DO PASSADO VIAJANDO NAS ASAS DA SAUDADE!!!

INVADI O ESPAÇO DO PASSADO

VIAJANDO NAS ASAS DA SAUDADE!

Eu em sonho na noite calma e mansa

Carregado de vagos devaneios

Em quimeras delírios e anseios

Retornei ao tempo de criança

Embalado nas brisas da esperança

Fui à busca da tal felicidade

No entanto tomei a liberdade

De pousar no lugar tão desejado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

A viagem foi boa, mas parece

Que não foi tão somente de alegrias

A lembrança nos traz melancolias

Tantas coisas que a gente não esquece

O resíduo na mente permanece

Desse outrora em nossa tenra idade

A memória não tem capacidade

Pra que deixe isso tudo deletado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Eu bem lembro que vi com perfeição

Os dois ganchos que armava minha rede

E na sala num canto da parede

Vi um belo paiol de algodão

Ferramentas guardadas no galpão

Para usar quando houver necessidade

Uma foice quebrada na metade

A cangalha do jegue e o arado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Também vi uma pedra de amolar

Lá na sombra do pé de algaroba

Numa lata a touceira de taioba

Que mamãe todo dia ia regar

As panelas de barro, o alguidar

Café nobre com aquela qualidade

Conservando a genuinidade

De ser puro e no caco bem torrado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Vi a sela e a corda do laçar

E o gibão pendurado em cambitos

Uma cabra lambendo dois cabritos

Numa sombra a dar-lhes de mamar

Respirei novamente o puro ar

Diferente dos ares da cidade

Fiquei triste sentindo ansiedade

Quando vi o lugar do meu roçado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

O passado nos leva esses tesouros

Mas não limpa os resíduos que ainda fica

Lembro a lata aparando água da bica

No alpendre as casas de besouros

Uma briga ferrenha entre dois touros

Lá no lombo da serra a tempestade

Fortes raios com tanta claridade

Que eu chegava a ficar encandeado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

À tardinha depois das cinco e meia

Eu ficava sentado no terreiro

As galinhas subiam no poleiro

Despontava a linda lua cheia

Escutava mamãe dizer, a ceia

Está na mesa, e não tinha novidade

Mas coalhada e cuscuz tinha a vontade

Pra deixa-me bastante saciado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

De repente a saudade me apertava

Eu saía correndo em disparada

Para a casa da minha namorada

Que saudosa também já me esperava

Era lindo, a gente se encontrava

Com candura e muita ingenuidade

Sem que houvesse a oportunidade

De um beijinho ganhar, mesmo roubado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Eu bem lembro papai lá na calçada

Escorado em um dos cinco esteios

Liberando angustia e aperreios

No ar puro da brisa abençoada

Também lembro o cantar da passarada

Que viviam em plena liberdade

Recebendo da Santa Divindade

Belas notas pra o canto afinado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Acauãs gaviões e carcarás

Revoando essas aves de rapina

Belos cantos dos galos-de-campina

Duelando com os lindos sabiás

Vi o sol se escondendo lá por trás

De uma serra com tal morosidade

Para dá bem mais sensibilidade

Ao crepúsculo por mim tão esperado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Vi à noite, a procura de aconchegos

Se abrigando em seguros labirintos

A galinha aninhada com seus pintos

A ovelha guardando seus borregos

Logo as aves noturnas e morcegos

Dispensavam a luz e a claridade

Se valendo da negra opacidade

Pra buscar o alimento desejado

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Dessa noite tão linda que passei

Revivendo as tais reminiscências

A colher toda seiva e as essências

De um passado que nunca esquecerei

As singelas estrofes coloquei

No papel pra que na posteridade

Quando um dia eu for pra eternidade

Todos saibam o quanto fui ousado!

Invadi o espaço do passado

Viajando nas asas da saudade!

Carlos Aires 24/10/2011