A voz da natureza
01
São José e a Serra Linda
O berço da minha infância,
Sofrendo cá na distancia
A saudade nunca finda,
Contudo me lembro ainda
Da Serra da Lagoinha,
Que brilha quando o sol bate
Cão de caça acoa e late,
Antes que a morte me mate,
Volto pra minha terrinha.
02
A minha terra de origem
Que um dia me viu nascer
Também lá me viu crescer
Lavrando a terra tão virgem
Numa manhã de vertigem
Dei Adeus ao meu torrão
Não consigo esquecer disto
Corre lagrimas lendo isto
E somente Jesus Cristo
Conforta o meu coração
03
Quem saiu de lá um dia
Pra tentar a vida fora
Dia e noite geme e chora
Sofre tremenda agonia,
O olhar sem sono vigia
A esperança de voltar
Mas o caminho é estreito
Não volta do mesmo jeito
O plano não tem efeito
Fácil mesmo é recordar.
04
Meia noite não tem sono
O galo não vem cantar,
Não ouço a vaca berrar,
De nada me sinto dono
Me pego nesse abandono
Sem nada aqui possuir
Apelo pra manhãzinha
Que o pássaro faz festinha
Sem sabiá e rolinha,
Só me encanta bem-te-vi.
05
Bem-te-vi do verdadeiro
Que tem um papo amarelo
De manhã cedo eu anelo
Ouvi-lo cantar primeiro
Pra passar o dia inteiro
Bem feliz cheio de amor,
Com mensagem de alegria
Canta alegre todo dia
Em manhã de chuva e fria
Agradecendo ao Criador.
06
Forçando o bico estreito
Entendo dizer “ta vivo”
Me alerta dando incentivo
Não faço do mesmo jeito
Dando viva a quem tem feito,
Da manhã visão tão bela
E louva ao Criador
Com cantar cheio de amor
Retribuindo em louvor
O quanto aprecia a ela.
07
Quando o sol vai clareando
Começa a dizer ta vivo
Parece dar incentivo
A outros que vão passando
Num galho se peneirando
Nenhum outro acompanha
Por certo não há crendice
Mas nele não tem tolice
Grita alto “bem que eu disse”
Por ser só não se acanha
08
Não sei se fala do sol
Por varias vezes repete
E das cinco até as sete
Admirando o arrebol
Enrolado em meu lençol
Penso até que é tolice,
Sua voz mais estremece
Depois que o sol lhe aquece
E cantando permanece
Com “ta vivo” e “bem que eu disse”.
09
Quando o dia esclarece
Faz festa em meu telhado
Sozinho ou acompanhado
Solidão não lhe esmorece
Se o amor não aparece
Não impede o seu louvor
Me da saudade do mato
Do berço em que fui nato
Sua inspiração de fato
Vem do próprio criador
10
Voltei lá pra visitar
E matar minha saudade
Ouvir cantar de verdade
A orquestra do meu lar
Foi bom rever o lugar
Que o tempo desgastou
Orquestra da natureza
Sumiram da redondeza
Levando toda beleza
Pouco delas lá restou
11
Onde canta o sabiá
Já cantou o azulão
Seriema e o carão
Sumiram do meu lugar,
Também não ouço cantar
O xofreu e o vém-vém,
lambú e rasga-mortalha,
O fura que a terra espalha,
No buraco se agasalha,
Sem ter medo da quenquém.
12
Cadê aquele vém-vém
Que cantava lá no oitão,
Parecia de plantão
À espera de alguém
Sua voz sumiu no além
E não mais se repetiu
Não sei se ele mudou
Voltei lá e não cantou,
Minha mãe não me esperou,
Pois seu sinal não ouviu.
13
Disso só resta saudade,
Lembrança de quem viveu
Caboquim e o xofreu
Não canta mais na cidade
E se cantar, na verdade
É na gaiola escondido
E a casaca nem se fala,
Nem a gaiola de tala,
Numa cozinha ou sala,
Conserva o seu gemido.
14
Lamentei sentindo a falta
Da pinta-silva também,
Que encanta como quem tem
Um bico grande de flauta,
Sua voz não muito alta
Alegrava o meu sertão
De tanto ser perseguida,
Presa ou então vendida,
Sem o direito da vida,
Hoje está em extinção.
15
Fura barreira então
Pacu e o periquito
Quem come fruta ou mosquito
Quem é de inverno ou verão
Quem canta ao molhar do chão
Ou fica na terra enxuta
Não importa para nós
Tristeza é não ter a voz
E o homem ser o algoz...
Que todo dia lhe chuta!
16
Lembrar do nosso torrão
A bondade eu contemplo
Comentando dou exemplo
Que não se apaga o borrão
Resgatar na narração
É tormento e desventura
Na margem da linha torta
Represa a esperança morta
No cordel transformo em horta
A tristeza da natura
17
A seca expulsou também
Animais da região
Mais quando chovia então
Completavam o vai e vem
Nem chovendo hoje tem
É triste mais é verdade
O sertão no abandono
De inverno ate outono
Quem escapou tem um dono
Num viveiro na cidade
18
Simplifico que é maldade
O homem só faz besteira
Uma simples brincadeira
Passa então ser verdade
Hoje chora de saudade
No arrependimento tarde
Tentando dá solução
Trafega na contra mão
Sendo o dono da razão
Se resume em um covarde
19
Queimando sem corrigir
O erro que cometeu
Numa arvore que morreu
Seu fruto não vai surgir
Deveria evoluir,
Com o homem plantador!!
A reposição tem pressa
Mais nada mais interessa
O fim de tudo começa
Na mão de um implantador
20
Jamais veremos a vida
Animal do mesmo jeito
Inovar sem ter defeito
Lúcida e reunida
Tanto a volta como a ida
O homem lhe dando sim
Não ecoar dando o fim
Farsando tudo afinal
Incluindo no final
Martírio, resumo assim!!