O censo do matuto (Parte 1)

01

Se preguntar onde eu moro

Respondo sem me acanhá

Nunca iscondi minha oríge

Respondo sem gaguejá

Poi foi aqui que eu nasci

Nesse mundo nunca vi

Luga mió de morá

02

Nunca fui lá de istudá

Quebrá cabeça cum iscola

Trabáio desqui nasci

Mode num pidí irmóla

Nunca peguei no alêi

Nunca o cume derramêi

Nem nunca apanhei pióla

03

Nunca fui de jogá bola

Nem de jogo de azá

Num sô de bebê cachaça

Mode dispôi pertubá

Num gosto de dizavênça

Num óio o que usôto pensa

Do meu jeito de andá

04

No meu imilde lugá

Quase na prôa da serra

Onde grito num si iscuta

A num sê um boi que berra

Munta peda munto ispim

Mai mato doque capim

E a casa de péda e terra

05

Onde o camim se incerra

Mora eu e Filomena

E tendo pru viziança

Ôta casinha piquena

Qui mora a mãe e fia

Nóis se vemo todo dia

De longi nóis só se acena

06

Me deparei Cuma cena

Um moço vei preguntá

Sobri a minha prefição

Cum lápis mode anotá

Dizeno quera do censo

Preguntando o que penso

Cumecei a li ispricá

07

Qual o nomi do lugá

Me sinti dono de tudo

Vei vontade de falar

Ais vezis de ficá mudo

As pregunta era face

Num pricisava disface

Nem caricia de istudo

08

Pregutô sobre veludo

Pruque latiu vagaroso

Meu cachorrim já é vei

Mai um dia foi corajoso

Eu disse pra ele entre

Num se acãe e se assente

Me chamô de gineroso

09

Respondi num sô manhoso

Nunca recebo visita

Aqui na prôa da serra

Nessa morada isquisita

Sem tê camim de passági

Ninguem passa de viági

Responda se me premita

10

Tu nessa beca bunita

Donde vem? Pra donde vai?

Puressa varêda istreita

Nas pedas cai ou não cai

Vem isbarra no meu rancho

Se assente qui dou arrancho

Você cum fomi num sai

11

Sei que aqui nada li atrai

Nem fia moça eu tem

Só é eu e minha véia

Us bicho qui cri tombem

Vivo filiz onde istô

Na cidade nunca vô

Tombem de lá ningue vem

12

Disse o moço munto bem

Num quera se preocupá

Vô fazê umas pregunta

E tenho qui anotá

Quantos fi o sinhô tem

E os valor dos seus bem

Cumecei a li ixplicá

13

Eu disse pra cumeçá

Meus fío foro simbora

Se mandaro pra sum palo

Puriço minha veia chora

Iscreve uma vêis no ano

Pra vim imbora faz prano

Mai nunca chega essa hora.

14

Mai posso falá agora

Desse caboco pé duro

Qui naceu e se crio

Nessa tapera sem muro

Num quintá de aveloz

Tudo que tenho é a voz

O que me dêxa siguro

15

O meu pai lutô e eu juro

Para morá nouto lugá

Mai a pobreza era grande

Até os fi se criá

E dispoi que se criô

Todo mundo se mandô

Só eu num quis viajá

16

Vem oiá o meu quintá

E o pulêro das galinha

Qué num pé de cantinguêra

E ainda num pé de pinha

Óia um pé de manga grande

Cheim de lata de frande

Mode chocá as pombinha

17

Um pé de jaca docinha

Quinda foi da minha vó

Uma goiabêra branca

Ôta vermelha a mió

E no girá dos cabrito

Tem cada bode um cambito

De pau-darco ou mororó

18

Na casinha do paió

La no finá do terrero

Que é chei de mugiganga

Eu posso contá ligero

Pode parecê piada

E pra tu não valê nada

Pra eu é mai que dinhero

19

Mai dexe eu fala primero

O tamãi dessa famía

Nove filho nói tivemo

Gosano vida sadia

Um casou e foi imbora

E os ôto sem demora

Se foro no ôto dia

20

Só ficô eu e Maria

Qui chamo de filomena

Muié charmosa e cherosa

Mai que fulô de açucena

Nói dormi a anoitecê

Se levanta a amanecê

Todo dia repete a sena

21

A herança é piquena

Pra os nove fí eu dexá

Va fazeno a anotção

Se acha bom anotá

Inda crio Passarim

Que pra cantá bem sedim

Na hora que eu levantá

22

O moço mando falá

Sobre minha criação

Eu comecei a relatá

Tinho peru e capão

Galinha gogó de sola

Gorda que só uma bola

Tem um cazá de pavão

23

Tem num chiquero um barrão

Uma poica paridêra

Cum fucim de paimo e mei

Qui comprei no fim da fêra

Um jumento solitáro

Que tem nome de canáro

Transporte bom de primêra

24

Pra subi essa ladêra

Cum essa vareda istreita

O jegue tem que ser bom

Se num for ele se deita

O meu sobe essa brenha

Cuns cambito chei de lenha

Seno a pior impeleita

25

Divez inguando se infêita

Armando o pau da barraca

Dô um banho ele se espoja

Que é pra curá a ressaca

Relincha desabafano

Se inchagua se espojano

Quase não cala a matraca

26

Quando a solidão li ataca

E vejo que num tem jeito

Desço a serra rapidim

Torano rama nos peito

Eu arranjo uma jumenta

Ai ele se contenta

Dispoi do seviço feito

27

E eu muito sedo me deito

Acordo sedo tombem

Pá tirá leite das cabra

E pá relá o xerem

Juntá cum paia de mi

Qué o cume mai sadi

Que na redondeza tem

28

Inquato a chuva num vem

Meus bicho sofre dimais

Aiagua vem de ancoreta

Pra nóis e prus amimais

O bode bebe e nem muge

Mais tem gosto de ferruge

De caçote e muito mais

29

Meus bichos ispecias

Que tombem é criação

São os da minha gaióla

Tem xexeu e azulão

Um papa caju sinzento

Dôi pacuzim zuadento

Papa capim e canção

30

Um fura barreira intão

Que criei e bem criado

Achei no mêi do camim

Seu pai foi assassinado

Ou morreu num sei de que

Mais eu li dei de cume

E água num tem fartado

31

Não canta disanimado

Té parece que agradece

Canta no intardicê

Muito mai condo amãéce

Canta inte durante o dia

Incanta toda famia

Só para condo iscurece

32

La no terrero aparece

Bem no fundo do quintá

Um bacurá boca mole

Só iscuto ele cantá

Di noite sai pá cumê

De dia ninguém num vê

Onde mora o bacurá

Jailton Antas
Enviado por Jailton Antas em 10/07/2011
Reeditado em 11/07/2015
Código do texto: T3087489
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