O forró que quase acaba em casamento

Vinte verão vivido

O corpo já entroncado

Único defeito caneludo

Nunca tinha namorado

Meu apelido cururu

E jamais havia brigado

Porém eu era trabaiador

Dava conta dum roçado

Cortava, arava, plantava

Mai num tinha beijado

Nessa vida infelizmente

Nunca tinha degustado

Gostava dum furdunço,

Dançava muita Xarita

Tão bem como andava

Com minha roupa de chita

Era centésimo afilhado

Da finada mariquita

Por volta do meio dia

Em um dia de são joão

Almocei uma buchada

E contei os meus tostão

Fiz logo um bom plano

Como seria a diversão

Arrumei-me bem de pressa

Dei um ajeitado no visuar

Passei um perfume doce

Fui uma festa procurar

Gastar todo meu dinheiro

Se enxerir pra namorar

Sai calado e de fininho

A ninguém pude contar

O povo lá da cachoeira

Podia me botar azar

Do jeito que conheço

De mim eles iam era mangar

Quem sabe até me seguir

Só pra mim vê no caçoar

Bexiguento da gota serena

Vocês deixem de zombar

Arranjem limpa de mato

E me deixe de caboetar

.

Os que achei pela rota

Que logo lhe fui falar

Disseram bem certinho

Acabou o seu procurar

Vá aqui sem fazer curva

E um tal porão vai achar.

Não pensei duas vezes

Tomei rumo e direção

Pus os pés na estrada

A procura do forrozão.

Desde menino ouvia

Que é o mior da região.

Sai cedo da cachoeira

E fui mesmo foi sozim

Por estradas e veredas

Mai todo bem animadim,

Num sabia do desenrolar

Tendo destino tão ruim.

O inverno foi muito

E dez micova d’algodão

Eu cuidei só pra mim

A safra vendi ao patrão

Apurando bom dinheiro

Pra gastar no são joão

Com os mirreis que apurei

Comprei roupas de montão

Uma espingarda de queixa,

Quatro porcas e um barrão

Duas cabras amojadas,

Calças, sapato e cinturão

Um burro com cambite

Como manda a situação

Um par novo de caçoar

Uns barrie e um surrão

Cangaia com rabichola

E um par novo de bridão

Depois do que eu comprei

Guardei o resto pra farrear,

Descansar os espinhaços

Sonhando em namorar.

Arranjar linda cabôca

E quem sabe inté casar.

Na quebrada da tarde

Andei mais de duas léguas

E o danado do porão

Ainda era atrás das serras.

Derrepente me assustei

Quando bati numa égua.

Avistei longe uma casa

Que tava fora do camim,

Mai a sede era grande

Fui como um Passarim

Cantando e assoviando

E se livrando dos espim

Os cachorros latiram

E na casa eu encostei

Quando chamei na porta

Chega eu me assustei

Era tanta gente na casa

Pensei, a festa cheguei.

Veja só o que aconteceu

Esse fato que se passou

Sou um homi honesto

De paz, simples e trabaiador,

Mai o que vou agora contar

Foi o meu maior pavor

Sou da Cachoeira do Sapo

Lá nas brenhas do sertão

Criado com leite de cabra

Sou homi de disposição

Mato Cascavel de tapa

Mai que tremi na ocasião.

Quando na casa cheguei

Uma moça veio me atender

Cum sorriso no rosto

Perguntou, demorou por quê?

Amor, todos a te esperar

Eu tava pra endoidecer.

Olhando pra criatura

Num soube nem o que dizer

Minha garganta deu um nó

E comecei me contorcer

A peste era muito feia

Falta até ar pra descrever.

Um dente ela não tinha

Gorda que era só torcim

A cara parecia uma jaca

Uma coceira de mucuim

A venta só tinha berruga

E o cabelo duro e pixaim.

Para enfeitar a milacria

Vestida de noiva estava

Com buquê dumas rosas

Sobre um saco de fava

Sorrindo quis me abraçar

Era somente o que faltava

Os convidados da casa

Ficaram a mim olhar

Era muito cochichado

Eu fiquei pra desmaiar

Escutei quando uma disse

Chegou na hora de casar

Os irmãos e o pai chegaram

Foram me cumprimentar

O Vei olhou e foi dizendo

Pensei que ia me tapear

Preparei toda a festa

Só falta o padre chegar.

Eu quis dizer umas coisas

Mas a voz se embisacou

O suor desceu do rosto

Com o tamanho do pavor

Pensei em fazer carreira

Mai as pernas tutubiou.

Me levaram pruma latada

Com um altar enfeitado

Cum monte de tamboretes

E uns caldeirão enfileirado

Uns pratos e uns talheres

E um povo bem arrumado

Doido sei que eu não sou

E comecei logo imaginar

Isso é festa de casório

E vai ser eu que vou casar

Ta havendo um engano

E como isso vou explicar

Seu falar não ser o noivo

Esses cabas vão me pegar

Pelo tamanho das facas

Eles vão é me sangrar

E agora como vou fazer?

O jeito vai ser eu casar.

Vou dá uma de esperto

E ficar aqui bem calado

Se eles derem um vacilo

Eu entro no mato fechado

Casar com esse tribufú

Só tando desesperado.

Nisso chega o padre

E também o delegado

E eu já no pé do altar

Suado que tava molhado

As pernas se tremendo

E o coração bem apertado

Só eu e o padre em pé

O povo tudim sentados

Tinha tanta gente feia

E caba malencarado

Quando entra a noiva

Com o pai de braço dado.

Suspirei mais uma vez

Pra mode não desmaiar

Ah! sina desgraçada

Pra quem saiu pra namorar

A procura duns cheiros

E vai logo é se casar.

São Jorge me abençoe

Não me deixe fracassar

Me empreste sua lança

Pra esse dragão eu matar

E voltar pra cachoeira

Pra minhas terras cultivar

Perdoe se sonhei errado

Pra uma namorada ter

Hoje me sinto perdido

Sem saber o que fazer

Como vou amar isso?

Se nem quero conhecer

Mai Deus é pai, não padrasto

Minha angústia socorreu

Um cão latiu pra alguém

O coração chega bateu

O pai ia me entregando

Um silêncio se percebeu

Foram ver quem chegava

Se ninguém por ali faltou

Podia ser um atrasado

Que ninguém se lembrou

Como o povo é curioso

Muita gente se espantou

Eu fiquei mei ansioso

Pra saber quem chegava

Vi de longe um moço

Que bem ligeiro andava

Era tal do noivo certo

Que há tempo caminhava

Meu coração quase saiu

Com tamanha batucada

A noiva ficou surpresa

E muito desconfiada

Como agora explicaria

Aquela ilustre presepada

Eu olhei logo pro lado

Fingi nada entender

O noivo se apresentou

Sem muito compreender

O que tava se passando

Sem querer retroceder

Queria a noiva de volta

Pois pra isso ele veio

Viajou cinquenta légua

Cortando rio no meio

Era um caba decidido

Único mal ser muito feio

Eu logo que me alegrei

Contudo que eu ouvia

Uma boa luz me apareceu

As pernas ainda tremia

O Vei conversou com ele

Percebi que se entendia

Houve aqui um grande erro

E ninguém pudemos julgar

O rapaz que apareceu

Nem paramos pra escutar

Pensamos em ser você

Pois tavamos a esperar

Terminou o mal entendido

As coisas em seu lugar

As pessoas ali se olhando

Sem nada terem a falar

Os noivos se ajeitando

Bem felizes pra casar

Sai bem desconfiado

Alegre feito um canção

Nem espiei pra o lado

Pra não ver tal união

Andei reto e ligeiro

Que parecia um avião

A porteira eu nem abri

Pulei feito um guaxinim

Sentei os joelhos no chão

Rezei baixo e apresadim

Obrigado meu bom Deus

Por esse não ser meu fim

Beijos, cheiros e abraços

Não é mais tão sedutor

Namorar, noivar, casar

Também não tem mais valor

Voltarei a minha terra

Viverei como agricultor

Plantarei batata doce

Maxixe, milho e feijão

Fava, quiabo e pepino

Melancia, jerimum e melão

Mandioca e macaxeira

Café, fumo e algodão.

Xarita num danço mais

Sozim não vou mais andar

Posso até morrer de sede

Quando estiver a viajar

Mas em casa de estranho

Deus me livre lá parar

Trinta anos se passou

Todo dia vou me lembrar

Daquela coisa aruazada

Que me quisero casar

Soube que vivem bem

Ainda no mesmo lugar

E que tamanha confusão

Não foi por indecência

Há dez anos namoravam

Só por correspondência

Ambos eram muito feios

Tiveram muita prudência

Nem em foto se viram

Medo das consequências

De um perder ao outro

E o amor sua existência

E obrigar ambos viverem

Num mar de penitência

Resolveram se conhecer

No dia do casamento

O pedido foi por carta

E o pai deu consentimento

Preparou toda a festança

Feliz por esse momento

Das oitos filhas que teve

Zezé foi a encalhada

Quarenta anos na titela

Sina mais desnaturada

Inté aparecer Otonho

E arrematar a danada

Fico bem feliz por eles

Que Deus não faça procriar

Se forem reproduzir

Outros vão é se lascar

E se pensarem como eu

É mior da terra cuidar

Vou morrer solteiro sei

Mas não posso reclamar

Agradeço muito a Deus

Por hoje pode contar

Em versos essa história

Da glória de não casar

Lino Sapo
Enviado por Lino Sapo em 28/02/2011
Reeditado em 04/10/2016
Código do texto: T2821136
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