Se o Nordeste me desse condição / Eu rasgava a passagem mas não ia.

Se chover este mês mudo o intento

E me prendo na terra que me ama

Chorei muito à noite em minha cama

Viver longe do gado eu não aguento

Se forçado ir pro Sul é banimento

Lá difere da nossa alegria

E fugir desse jeito é covardia

Minha terra mandou nesta nação

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!

Como posso viver sem aboiar

Na tangida do gado pro curral,

Sem cuidar do meu abacaxizal,

Que fazer da tarrafa de pescar?

O meu pobre cachorro de caçar

Não aguenta essa estripulia

Vai buscar-me de noite e de dia

E mamãe vai quebrar seu coração

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!

Minha casa de taipa eu já vendi

Tamborete do pé de periquito

Minha rede vendi pro Seu Zezito

As melhores criações escolhi

Empenhei a roça de abacaxi

Tá feliz até que eu parecia

Mas ao ver a chorar minha guria

Revoltei-me com essa situação

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!!!

Vou deixar meu cachorro perdigueiro

Agregado na casa de Carminha

Vou tentar convencer Mariazinha

A vender as galinhas do poleiro

Desfazer da viola e do pandeiro

E também da jumenta que deu cria

Vou embora mas voltarei um dia

Alegria só tenho no Sertão

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!!!

Mariinha pediu pra eu ficar

Não aguenta a saudade e a distância

Só que eu nessa minha intolerância

Resolvi que amanhã vou viajar

Esquecer a paisagem do lugar

Trabalhar como meu papai queria

Enricar lá em outra freguesia

Mas confesso a você, querido irmão

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!!!

Eu já disse a mamãe: tô indo embora

Hoje eu completei dezoito anos

A senhora já sabe que são planos

Trabalhar e pra cá trazer mehora

Não nasci para ser mero caipora

Quem nasceu pra ser pinto é que só pia

Eu nasci pra ser mestre da alegria

Lá no Sul vou cantar xote e Baião

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!!!

Sonhei tanto na vida em ser 'doutor'

Advogar a causa dessa gente

Mas minha situação é comovente

Eu sou filho de um pobre agricultor

O colégio tem sido um trator

Um motor de irrigar, a mordomia

Por caneta tenho a enxada fria

Ir pro Sul é a única solução

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!

Se em janeiro chover, eu planto milho

Se a cabrita der cria, eu tenho leite,

Se o caixeiro passar, eu compro enfeite

Se Zefinha quiser, eu faço filho

Nesta terra, meu Deus, não falta brilho

Pois o sol não sossega um só dia

Se a galinha botar, o pinto pia,

Porém digo a você, de coração,

Se o Nordeste me desse condição

Eu rasgava a passagem mas não ia!

Mote: Celso Olegário

Glosa: Sander Lee