NO PARAÍSO

O túnel longo e escuro foi atravessado por nós na velocidade da luz. Num tempo que não saberia mensurar. O depois não lembro. Sei que dormimos, porque quando acordei segurava a mão de Alícia. Observei que ao redor era um mundão de meu Deus. Estávamos deitados sobre a relva em seu frescor. Talvez, fosse de manhã. Sentia um pouco de frio. Sentei-me e vi que o sol já despontava radiante. Escutei gargalhadas de crianças que brincavam. Passei os olhos no entorno percebendo que muitos ainda dormiam sobre a relva. Fiquei confuso, não conhecia aquele lugar, tampouco sabia porquê dormimos ali. Minha única lembrança era a de ter caído num abismo que não terminava nunca até que pudemos ver ao longe uma luz para a qual fomos conduzidos automaticamente.

Esperei que Alícia acordasse na esperança de que ela soubesse alguma coisa sobre a gente ter dormido ao relento, porém quando ela despertou o sol já se ia esgueirando por detrás das montanhas.

Caminhamos de mãos dadas até que o céu ficou salpicado de estrelas e a lua clara passeava no céu. Descobrimos que era noite, mas, não sabíamos como sair dali.

Sentamos sobre um tronco de árvore, adormeci profundamente em seu colo. Vi-me em outro plano que não era o terreno e tive medo, entretanto, não conseguia acordar.

Dessa vez, ela e eu despertamos ao mesmo tempo, pois, depois de mim, adormeceu também.

Precisávamos que alguém nos dissesse como voltar para casa.

De longe avistei uma amiga da escola e fiquei muito assustado, porque, ela havia morrido há mais de três anos, vítima de um acidente vascular cerebral. Isso me deixou mais confuso ainda. Fui ao seu encontro, tomar satisfações.

Ao abordá-la, ela falou que nada podia me dizer, mas, que eu procurasse um senhor de cabeleira e barba brancas, ele era o espírito mais indicado para me dar tais explicações.

Fiquei revoltado e tomei Alícia pela mão, achando que tinha visto um fantasma, ou, que aquela visão fosse alguma brincadeira de mau gosto. Andamos até um lago onde muitos cisnes mergulhavam felizes em sua brancura e inocência. Sentamos à orla e, calados, cada um pensava em como fomos parar naquele lugar desconhecido e sem fim.

Choramos...

Passamos bom tempo por ali, depois, combinamos de achar o caminho de volta.

Um caminho que não encontramos e isso me fez ficar cada vez mais angustiado.

Estava perdido e sem encontrar ninguém que pudesse esclarecer alguma coisa satisfatória. Se Alícia não estivesse comigo, acho que enlouqueceria.

Quando não mais procurávamos o tal senhor idoso, avistamo-lo a certa distância. Corri ao seu encalço deixando Alícia para trás. Esse senhor era chamado de Chiquinho por todos os humanos que transitavam por ali.

O lugar era imenso, parecia não ter fim. Montanhas, parque com muitas árvores, campos verdes, cachoeiras e um templo no alto da colina. Olhei o templo e tive vontade de ir até lá, mas, havia a preocupação de desvendar todo o mistério que nos rodeava.

Cumprimentei o ancião que me olhou com carinho e dispôs-se a me ouvir. Depois dos meus argumentos, iniciou calmamente sua fala, dizendo que tanto eu, quanto Alícia, estava num lugar muito especial, e, que se tivéssemos paciência numa outra hora, ele me explicava, acrescentando que visitássemos o templo do alto para meditar.

Obedeci-o.

Tomei Alicia pelo braço e subimos a colina. Quanto mais nos aproximávamos, mais o templo se afastava de nós. Várias vezes paramos para descansar e numa delas dormimos de novo. Não sei por quanto tempo, mas ao despertar, tive a impressão de ter dormido uma eternidade.

Enfim, chegamos à capela.

Quando adentramos uma legião de anjos cantava uma canção divinamente bela. A mais linda que já tinha escutado. A emoção foi tão esplêndida que nos fez flutuar naquele espaço sagrado, como beija-flores aproveitando a brisa matinal num campo de girassóis. Por um tempo, esquecemos de tudo. A felicidade tomou conta de nós.

Não passamos por meditação, aquele foi, deveras, um instante de arrebatamento para que começássemos a entender que não éramos mais os mesmos.

Alícia foi a primeira a ter coragem de questionar a vida, sobretudo o motivo de não sabermos distinguir o tempo.

Reparamos nas nossas vestes. Descobrimos que elas não eram do nosso habitual costume.

Mesmo sem dar conta do tempo, entendíamos que naquele lugar em tudo havia mistério.

Apesar da simplicidade do lugar e ainda que místico demais para as nossas adivinhações, Alicia começou a indagar sobre as mudanças que sofremos e a indiferença da maioria dos humanos que viviam por ali, não se aproximar da gente. Até que ao olharmos um nos olhos do outro caímos na real. Falei diretamente para Alice que achava que nos dois estávamos mortos, mesmo porque estando juntos não sentíamos mais atração sexual. Depois de ouvir ela se virou e foi sentar-se à beira do lago.

Sentei ao seu lado e a abracei. Era um a braço terno, amoroso, contudo, sem o apetite voraz que nos consumia, enquanto vivíamos do outro lado. O mais incrível que descobrimos naquele dia era que podíamos sentir o que se passava do lado de lá.

Dois mundos diferentes, um ligado pelo sopro da vida e outro pelo poder do espírito que nos tornamos, contudo, mesmo assim pairava em nós alguma coisa inexplicável e difícil demais de compreender.

À medida que o tempo imperceptível ia se esvaindo, nós dois nos acostumávamos com aquele lugar.

Certo dia, houve uma reunião e todos fomos convocados por Chiquinho.

Fomos com má vontade. Sentamos na última fileira. Tudo ali era na relva, exceto o templo do alto da colina.

Vivíamos na maior paz. Em nenhum momento havia dissabores.

Durante a reunião ele disse que chegariam outras personalidades para estarem conosco. Quis perguntar de onde vinham e se a gente ia continuar naquela liberdade e sem nenhum compromisso e responsabilidade, mas, me contive.

E eis que as pessoas foram chegando todas juntas e com muito sono. O mais incrível é que havia lugar adequado para todos. Deitaram como se já tivessem dormindo em pé. Por último, avistei meus avós vindo de mãos dadas, rindo felizes e chamando por mim. Corri e os abracei. Alícia que vinha logo atrás, começou a chorar. Chorou copiosamente e depois me disse: - Amor aqui é o paraíso. Não somos mais humanos e sim espíritos aguardando o tempo da ressurreição.

Creusa Lima
Enviado por Creusa Lima em 06/04/2023
Código do texto: T7757523
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