ARI... ARI... ARI...

Ainda estava escuro quando Arielly se levantou e foi à latrina no fundo do quintal, sua mãe acabara de acordá-la para se aprontarem e juntas irem ao trabalho, após fazer suas necessidades matinais, a menina dirigiu-se a pequena mesa no centro da minúscula cozinha, e sentou-se em um banquinho para a primeira refeição do dia.

Sentada à mesa ainda meio sonolenta, via sua mãe terminar de passar um gostoso cafezinho que viria acompanhado com um pedaço de pão mirado, amanhecido e murcho, além de estar sem manteiga, mas nem por isso ela fazia cara feia, pois aquele alimento descia macio pela garganta abaixo, satisfazendo no momento a fome da manhã.

Viviam sozinhas desde que seu pai morrera pelas mãos de um marginal do bairro onde moravam, e o pior é que já se passara quase sete anos, e o bandido encontrava-se solto pelo bairro, fazendo arruaças e de vez em quando passava pela rua de sua casa soltando gargalhadas que provocava asco em qualquer que visse e escutasse.

Saíram para o trabalho a pé, por não terem um melhor meio de locomoção, a pobreza tomava conta daquela pequenina família de uma maneira que as pessoas que viviam ao redor comoviam-se, mas eram todos pobres e o que podiam fazer uns pelos outros estavam sempre dispostos, tornando-se uma vizinhança unida e caridosa.

Na caminhada ao trabalho apesar de ser muito longa, sua mãe sempre a animava, quando via nos olhos da menina a tristeza bater vinda do coração, desde criancinha faziam aquele trajeto de seis quilômetros, doze ao total, pois era ida e volta durante o dia, fora o tempo que ficariam em pé andando de um lado a outro trabalhando naquela montoeira fétida.

Aos domingos iam à igreja em agradecimento a Deus pelo movimento da semana, e também para poderem chorar um pouco suas mágoas, seus lamentos, suas aflições e fazerem suas petições para que houvesse um dia uma melhora em suas vidas.

Arielly não estudava, sua mãe não tinha tempo de levá-la a escola e jamais imaginava o tamanho do erro que estava cometendo, punha a menina para ajudar nas despesas de casa com o intuito de sobreviverem, passando longe de receberem algum benefício por parte do governo. Apesar de seus nove anos de idade ela não deixava por menos, era muito inteligente e aprendia algumas letras e números, como também algumas continhas de somar com o amiguinho Luan, um vizinho de sua casa que em poucas horas no período da noite ensinava a ela o valor da aprendizagem.

Luan era considerado como um irmão que ela nunca tivera além do pouco Português e da Matemática, também lhe ensinava lindas e boas coisas da literatura, e isso a ajudava muito, pois sua mãe era semianalfabeta, tendo estudado somente até a metade do segundo ano, sabendo mal ler e escrever o seu nome sendo que com muita dificuldade, então Ari aproveitava esse momento de ouro, e se deslanchava com inteligência e rapidez no desejo de um dia entrar em uma sala de aula, fazendo de tudo para aprender mais e mais.

Naquele lugar fétido, pegava um saco plástico e junto da mãe começavam a pegar o que poderiam transformar em uns míseros trocados, desde papelão à garrafa pet, coisas recicláveis que não tinham utilidades para algumas pessoas, mas para elas era transformado em dinheiro.

Em um desses dias Arielly teve muita sorte, além de achar mais uma bonequinha, ela também achou um carrinho sem rodinhas e toda animada guardou e o levou para seu amiguinho Luan, companheiro de brincadeiras e horas de conversas, pois era um menino que além de respeitá-la, ajudava e ensinava-lhe todas as coisas boas que aprendia em seu dia-a-dia.

Luan todas às vezes que via Arielly chegar do trabalho, vinha correndo ao seu encontro com os braços abertos gritando numa grande felicidade.

“Ari... Ari... Ari..., o que você trouxe pra mim?”

E nesse dia não foi diferente, ao chegar ouviu o mesmo refrão de Luan e mais que depressa lhe mostrou o belo carrinho que encontrara, dizendo que só o entregaria depois que lavasse e o deixasse novinho em folha. E os dois sorrindo, entraram na casa e seguiram para o tanque de lavar roupas, perto da porta da cozinha.

Brincaram até certas horas quando sua mãe lhe chamou para jantar e se preparar para dormir.

Como de praxe, novamente amanhecia e recomeçava toda aquela labuta, acordar cedo, trabalhar, almoço, casa, janta e, dormir. E os dias se passavam não havendo perspectivas de vida melhor para as duas, e Arielly crescia nesta vidinha dura.

Aos doze anos e mocinha, sua vida veio a mudar, pois teve uma grande surpresa, quando viu adentrar em seu casebre, um homem mais novo que sua mãe, que a chamou dizendo: “Filha esse é meu novo marido, vamos viver todos juntos aqui nesta casa", ele tomou a frente e disse: Sou Cláudio de Santana seu padrasto, e riu maliciosamente. Apesar de não ter gostado de como ele se dirigiu e olhou para ela, não ligou, nem deu importância para aquele rapaz que como um intruso adentrou aquele lar. Aceitou, mas pelo respeito à mãe sem muita naturalidade.

Arielly era de espírito manso, meiga e carinhosa, nunca dera problemas a sua mãe, ignorou o padrasto agindo sem interesse, também pudera sua sexualidade ainda não tinha despertado e, nem pensava em parceiro, namorado ou coisa assim, mas seu corpo já começava a se transformar, vindo assim a transparecer aos olhos das pessoas que desabrocharia dali uma linda jovem.

Ao decorrer os dias ela notou que aquele rapaz com idade para ser seu irmão a espiava tomando banho, assustada logo que teve oportunidade disse a sua mãe, e não sabendo por que sua mamãe não acreditou e ainda brigou com ela.

Sentiu muito medo, não esperava que a reação de sua mãe fosse daquela maneira, também não sabia que sua defensora estava cega de amor por aquele ser estranho, pois defendia a filha em tudo não deixando a menina por nada nesse mundo, e naquele momento tinha ido tudo por água abaixo seus pensamentos, diante disso passou a ser cautelosa em tudo, principalmente na hora do banho, passou a colocar pedaços de papelão nos buracos, porque era um casebre de madeira e havia muita fresta.

O banheiro do lado de fora encostado na parede da cozinha, estava cheio de papelões que molhavam e sempre tinha que trocá-los, fazendo com que seu padrasto brigasse com ela, dizendo a sua mãe que Arielly estava estragando o material de vender.

A vida seguia humildemente e muito sofrida e a garotinha chorava sempre às escondidas, até que certo dia ela não suportando mais contou a Luan, que ao saber do ocorrido indignou-se e revoltado disse em altos brados que “Ele não perdeu o juízo e se tentar alguma coisa com você eu mato ele!” Ela deu um belo sorriso e cheia de orgulho deu um beijo no rosto do garoto que não se conteve de alegria e correspondeu com um abraço. Aquilo para o menino era a maior satisfação do mundo, tinha uma amiguinha e como estavam na pré-adolescência o coraçãozinho dele disparava, sentindo que dali poderia estar brotando um amor que poderia ser desfrutado futuramente.

Todo dia acontecia à mesma coisa, saiam juntas mãe e filha para o lixão da cidade, sua mãe reclamava com Cláudio, seu marido, porque não ia trabalhar junto com elas em vez de ficar na cidade procurando serviço.

Na verdade, quando elas saiam para a luta do dia-a-dia, ele se virava do outro lado da cama e dormia novamente até as dez ou onze horas da manhã. Depois comia o almoço que sua esposa deixava no fogão à lenha com algumas brasas para não esfriar, ficando a comida quentinha até boa parte do dia.

Isabel, mãe de Arielly, apesar de ser pobre era muito caprichosa em seus afazeres domésticos, procurava trazer a casa e seus poucos móveis sempre limpinhos, alguns achados no lixão, mas eram bem cuidados.

Certo dia, além de dormir até mais tarde como sempre, Cláudio não quis sair de casa novamente, Arielly tinha passado mal durante a noite e amanheceu com fortes dores na barriga, cabeça e também com ânsias de vômito, ele aproveitando a deixa disse que cuidaria dela como uma filhinha, pedindo para Isabel não se preocupar e ir para o serviço e se acontecesse algo mais grave mandaria alguém avisar.

Arielly desconfiada e assustada com a bondade de seu padrasto e contra sua vontade não pôde se levantar da cama, seu corpo estava muito debilitado com aquele mal-estar, ficou imaginando o que iria fazer, não queria ficar sozinha com aquele “moleque” em casa, tinha muito medo, levantou se com dificuldade pediu para Dona Meire que deixasse Luan com ela aquele dia, explicando para ela o motivo de não ter ido com sua mãe. O menino mais que depressa se prontificou a ficar, não indo ao Colégio, para cuidar de sua amiguinha.

Todo momento Cláudio chegava próximo à cama da garota fingindo querer saber como ela estava, mas Luan que estava atento entrava porta adentro e o pegava de surpresa, até que ele desconfiado e nervoso saiu para rua. Naquele dia, chegou a casa no inicio da noite embriagado e violento deixando Isabel assustada, pois, nunca o tinha visto naquela situação, não trabalhava e para completar agora iria aparecer bêbado em casa.

Sábado sempre saiam mãe e filha às compras no mercado mais barato da cidade enquanto o padrasto ficava em um bar perto de sua casa. Isabel com muita alegria fez uma grande revelação deixando Arielly muito feliz, iria ter um bebezinho, porém não sabia ainda o sexo, mas aquela notícia foi á vida para ela, recebeu com muita felicidade e começou a planejar muitas coisas: Vou trazer carrinhos, e todos os brinquedinhos que conseguir achar para ele brincar. Como será a carinha dele? Será como eu? Enquanto faziam compras, sua cabecinha ficava a mil por hora, não parava de formigar um segundo com a ideia de um companheirinho ou companheira para brincar.

No retorno, levavam algumas sacolas de mantimentos nas mãos. Quando estavam quase chegando a casa viram uma viatura policial passar em alta velocidade por elas, dentro do camburão havia dois rapazes, um tentou se esconder, mas mesmo assim deu para ver que era a mesma roupa que Cláudio estava usando; ao passar pelo bar alguém gritou para Izabel que haviam prendido seu marido, e que era para ela levar roupas e calçados, pois ele ficaria um bom tempo na cadeia.

Isabel ficou com os nervos à flor da pele, não compreendia o que estava acontecendo imaginando o que seria dela, e o que iria fazer da vida? O que será que Cláudio tinha aprontado para ter sido preso?

Mais tarde, foi a delegacia, chamou por Arielly, que se recusou dizendo à mãe que aquele era o lugar dele, Isabel ficou brava obrigando que ela a acompanhasse. A menina acompanhou sua mãe contra sua vontade. Chegando ao departamento policial, ficou fora do recinto para não ver a cara dele; assim dizia, mas Isabel pôde conversar com Cláudio, que estava todo machucado, disse que a polícia tinha batido muito neles e pediu para ela arrumar um advogado para tirá-lo daquele lugar, pois a acusação era grave, diziam que eles estavam vendendo drogas. Chamando-a de princesa e de “meu amor” disse a ela que tinha “caído” juntamente com Rodinei o cara que tinha matado o marido dela, disse também num tom irônico: “Foi ele quem armou essa cilada para mim”, e chorando convenceu a mulher de sua inocência, e que era um homem limpo perante a lei.

A pobre mulher saiu da delegacia revoltada com os policiais e até prometeu processá-los e fazer de tudo para tirar seu marido daquele lugar.

Começou uma nova vida para ela, além de todo dia acordar cedo para ir ao trabalho, agora aos domingos, dia de descanso, deveria ir à delegacia fazer visita intima a Cláudio, na cadeia. Ao entrar naquele recinto sentia uma insegurança enorme, havia pessoas de vários tipos, uns demonstravam ser amigáveis outros não. Todas as vezes que Isabel o visitava, ele perguntava de Arielly como ela estava se já tinha “ficado moça", se ela estava crescida, não perdia tempo e sua mulher na inocência dava-lhe informação de tudo o que se passava do lado de fora, sem ao menos desconfiar da maldade que havia em seu interior.

Passava-se o tempo e sua barriga vinha a tomar forma, fazendo dela à vista de quem via uma bela mulher gestante.

Alguns meses depois Isabel deu sua casinha ao advogado que defendia o caso de seu marido e conseguiu que ele entrasse no processo como usuário de drogas e não traficante e em poucos dias saiu o Habeas Corpus de Cláudio, obrigando assim Arielly a se separar de seu melhor amigo Luan, tiveram que mudar para outro bairro da cidade, perto de onde trabalhavam, mas longe de onde moravam. E, o pior agora as coisa ficaram mais difíceis, pois teriam que pagar aluguel num casebre ruim com o piso rachado, e nos fundos de outra casa onde residia um pessoal mal encarado, e para entrarem e saírem do local tinha que passar pelo quintal, e sempre havia alguém para vê-las passando. O medo aumentava, pois agora além de seu padrasto, também havia três rapazes na casa da frente que vivia sabe Deus como, na verdade não trabalhavam, só havia um casal de velhos na casa que recebiam aposentadoria, e sempre os ouviam reclamar porque o dinheiro não dava para comprar os remédios de pressão que tinham de tomar todos os dias.

Mesmo assim Arielly não desistia da vida, todo dia levantava cedo e com a mãe iam para o lixão, lá tinha mais liberdade, trabalhava e brincava ao mesmo tempo. Sua mãe já nos dias de “ganhar nenê” ainda sustentava a casa em alimento, água, luz e aluguel. Enquanto seu marido dizia que procurava serviço e não achava, elas trabalhavam feito condenadas.

A felicidade da garota estava no lixão, quando achava algo interessante, ou mesmo quando via os urubus que rodeavam aquela área brincava sempre contando os bichinhos:

Ari um, Ari dois, Ari três...

Em cima do monte de lixo, ouvia a voz de sua mãe que dizia: vem trabalhar menina, deixa de bobagens!

“Já vô mãe”! Respondia, mas com jeito meigo, pois não era de desobedecer, procurando logo descer e voltar ao trabalho.

Naquele dia tiveram uma surpresa desagradável, no local apareceu um veículo com pessoas da ação social daquele município conversando com Isabel, fizeram lhe perguntas que ela achou indiscretas, e disseram a ela que a menina não podia estar e nem ficar naquele local, mas que ela devia estar na escola, e se tivesse algum benefício poderia perder.

Ela respondeu que sempre a trazia para o serviço desde pequenina e que ela ajudava muito no orçamento da casa, e que não podia ficar sem ela naquele lugar, outras pessoas entraram a favor de Isabel, provocando um pequeno tumulto entre eles, e ninguém se entendia.

Naquela noite chegou a casa e disse o ocorrido ao marido que se fingiu indignado prometendo que no dia seguinte iria com elas ao trabalho, e se o pessoal voltasse novamente iria dar uma briga com eles, dizendo que ninguém mexeria com a “filhinha” dele, e sorriu olhando para Arielly da cabeça aos pés, motivo este que deixou a mocinha muito preocupada e gelada de medo.

Conhecia muito bem essa valentia, estava mais para sem-vergonhice do que para defesa dela. Sua mãe ficou toda feliz, nunca ele fora com elas ao trabalho, portanto era a primeira vez que iria e quem sabe gostasse e ficasse trabalhando juntamente com elas, poderiam melhorar um pouco no orçamento de casa. Toda animada foi dormir com um belo sorriso no rosto e uma criança feliz na barriga que estava quase pronta para nascer.

Naquela noite Isabel dormia profundamente quando Arielly sentiu a presença de alguém a beira de sua cama, abriu os olhos e viu o padrasto que sorrindo passou-lhe a mão entre as pernas. Assustada, mais que depressa chamou a mãe, que muito cansada respondeu sonolenta, fazendo com que Cláudio se retirasse de perto dizendo a ela em um tom meio grosseiro:

“Amanhã você me paga”!

Pobre menina, nem conseguiu dormir aquela noite, qualquer movimento acordava assustada, pensando naquele monstro que sua mãe chamava de marido.

Cinco horas da manhã lá estava Arielly, sua mãe, seu padrasto tomando aquele cafezinho puro, pois faltou o dinheiro para comprar pão naquele dia e, não tinham achado nenhum embrulho com migalhas no lixão no dia anterior, coisa que para eles era sempre bem-vinda.

O dia seria longo, teriam que trabalhar bastante e enfrentar uma “briga” com o povo do governo, pensando nisso saíram em direção ao lixão.

Cláudio de Santana repetia sempre para elas ouvirem; queria ver o homem que se metesse a besta com sua mulher e sua filhinha.

No local, já amanhecendo era pouco mais das seis da manhã, Isabel pegava no batente juntamente com a filha, Cláudio começou a conversar com as outras pessoas que ali estavam contando peripécias duvidosas que tinha praticado, fazendo amizade para incitá-los mais tarde contra quem viesse incomodá-los.

O indivíduo era de uma lábia sem igual, e quem não o conhecesse, ou fosse fraco de mente, cairia facilmente em suas conversas.

Hora do almoço todos chegaram ao pé duma grande mangueira para a hora sagrada, conversando trocavam suas “misturas” e diziam que aquele dia estava prometendo chuva e se chovesse teriam que ir embora mais cedo, isso poderia estragar o dia e após descansarem um pouco voltaram à labuta, Cláudio ficou encostado na árvore dizendo que iria descansar mais um pouco e logo iria para junto delas deixando que fossem sozinhas novamente. As horas se passavam e nada dele trabalhar.

Arielly menina inocente, bonita de dar inveja em outras mulheres, se encantou com uma linda borboleta que voava por ali, pediu a sua mãe para que pudesse pegá-la e logo voltaria, só queria vê-la de perto, sua mãe autorizou e ela saiu em busca do pequeno bichinho. Sobe morro, desce morro, até pousar numa árvore florida, ameaçou subir para ver se conseguia ficar mais perto dela balançando os galhos, com isso voou novamente tomando rumo ignorado, voltou para os montes de lixo e os urubus voavam baixo quando ela se aproximou gritando toda sorridente:

Ari um, Ari dois, Ari três...

Eis que surge do nada seu padrasto correndo em sua direção, com ar de malícia dizendo entre dentes; “Vem cá minha borboletinha, hoje você vai ser minha”.

Alcançando-a agarrou a garota por trás, lhe tapando a boca, carregando-a para uma pequena mata próximo daquele local, já quase nu e babando, rasgou as roupas da menina que com muito esforço conseguiu se desvencilhar dele, correndo em direção ao lixão, gritando desesperadamente pela mãe.

Havia por ali uma máquina que volvia o lixo, não deixando se quer ouvir algo, para conversarem tinham que gritar um para o outro, fazendo assim mais difícil aquela situação para Arielly.

Correndo desesperada foi alcançada novamente por aquele monstro que a agarrou com mais força, babando mais ainda, lambeu o pescoço dela, quanto mais apertava, mais ela lutava não perdendo as forças e ferozmente com suas unhas arranhava todo o rosto de seu padrasto, esbofeteando-o que não ligava para o que ela fazia. Em um dado momento a máquina parou de fazer barulho, quando alguém ouviu os gritos da menina, ele mais que depressa pegou uma banda de um tijolo e bateu fortemente em sua cabeça, imaginando que a tinha desmaiado, pensou alto: “agora tá do jeito que eu gosto”, terminando de rasgar o vestido da garota, deixando a mostra seu belo corpo nu, quando escutou vozes, de dois homens que diziam: “Eu escutei os gritos vindo daqui de perto”; rapidamente Cláudio jogou lixo por cima do corpo da jovem vestiu-se mais ligeiro ainda, e se embrenhou na mata, os homens passaram e não o viram, voltaram ao trabalho e não procuraram mais, dando ao bandido a oportunidade de retornar ao local, e assuntando-se quando deu por conta que a garota estava morta. Com medo resolveu ir embora por outro caminho, imaginando como se safar daquela arte que acabara de cometer.

Passando algum tempo Isabel já preocupada com a filha mais velha começou a procurar por tudo quanto é lugar e logo em seguida todo povo a ajudava, não tiveram êxito e a pobre mulher desesperada entrou em trabalho de parto, precisando que chamassem os bombeiros para levá-la ao hospital para que o bebê não nascesse no meio do lixo.

À noite Cláudio foi visitá-la no quarto da enfermaria e vira que tinha nascido uma linda menina, no qual resolveram dar o nome de Adrielly.

A orgulhosa mamãe chamou seu esposo e perguntou da filha mais velha, que tratou de acalmá-la dizendo que ela estava bem, não precisava se preocupar que a menina estava em casa, sã e salva. Perguntou também dos arranhões que havia em seu rosto, ele mais que depressa disse que tinha machucado ao passar uma cerca de arame farpado porque tinha tido uma dor de barriga repentina e na pressa de fazer necessidades acabou se machucando. E os dois riram, quando ele abaixou no berço e beijou a bebezinha que dormia tranquilamente.

No dia seguinte, disse aos vizinhos, que Arielly estava com sua mulher no hospital e que sua nova filha era linda e iria se chamar Adrielly. Foi alegria geral, ele também foi ao lixão e falou às pessoas que estava tudo bem e que ficassem tranquilos que logo Isabel estaria de volta ao serviço com Arielly e Adrielly no colo. Dizendo isso se retirou com ar de preocupação e foi no outro monte procurar o corpo de Arielly, não tendo êxito, pois o operador da máquina tinha trabalhado naquele local e mexido ficando tudo diferente do dia em que ele praticara a arte.

No terceiro dia na parte da manhã, retorna ao lar mamãe e filhinha gozando de perfeita saúde, Cláudio recebeu-as com grande sorriso, e antes que Isabel perguntasse disse que Arielly, não queria mais ficar em casa, tinha decidido ir morar com Dona Meire, dizendo que não iriam precisar mais dela, porque a mãe já tinha outra filha para cuidar. A mãe sorriu e disse: “Bobinha Arielly, ciúmes da irmãzinha, quando passar a dieta eu busco ela”.

Venceram-se os dias da dieta de Isabel, quando ela disse ao marido para ficar cuidando da filhinha porque iria atrás de Arielly. Cláudio concordou e quando ela saiu entregou a criancinha a vizinha da frente e tomou rumo ignorado.

Uma mãe preocupada chegou à casa de Luan, conversou com Dona Meire, que lhe disse “Arielly nunca esteve aqui Isabel, desde quando vocês se mudaram do bairro, foi raro as vezes que a vi, e quando eu a vi não foi aqui em casa”.

Achando estranho, Isabel meio assustada foi ao lixão perguntar para os amigos sobre sua filha, ninguém lhe dava notícias da menina, a agonia foi tomando conta daquela sofrida mulher. Parada olhando para aquele monte de lixo deparou com uma visão terrível, viu vários urubus grasnando ao disputar um pedaço de carne. E de perto, ouviu o cantar das aves de rapina como em um grande banquete delicioso numa grande felicidade:

Ari, Ari... Ari...

Próximo daquela cena conheceu o vestido de sua filha, e saindo em disparada, soltando gritos horrendos e desesperados, jogava latas e garrafas nos urubus, maldizendo-os, que nem ligavam fazendo uma pequena revoada.

Ari... Ari... Ari...

“Aves nojentas deixem minha filha em paz”!

O povo chegou perto e estarrecidos viram uma mãe aos prantos à beira da loucura com o corpo da filha em pedaços nos braços!

E os urubus sobrevoavam o local numa grande algazarra grasnando sem parar...

“Ari, Ari... Ari...”

OSIASTE TERTULIANO DE BRITO

13/10/2016

Loanda – Paraná

Osiaste Tertuliano de Brito
Enviado por Osiaste Tertuliano de Brito em 02/01/2023
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