*A baleia encantada

A baleia encantada

Quando o mestre de obras, João Isidoro França, chegou à Chapada do Corisco, em meados do século XIX (1848), para executar o traçado arquitetônico de Theresina, sob a chancela do Presidente da Província do Piauhy, Conselheiro José Antônio Saraiva, certamente desconhecia um mistério, ali existente.

A nova capital da província fora projetada, a partir de uma linha base topográfica, com início na margem direita do rio Parnaíba, fazendo com este um ângulo de 90°, num circuito reto, levemente ascendente, até alcançar o cume do Morro da Jurubeba, onde hoje se encontra a Igreja de São Benedito, e terminando na margem esquerda do rio Poty, percorrendo uma distância de exatos 2800m. Para além do rio Poty nada existia, portanto, a cidade estaria encravada, unicamente, entre esses dois rios.

Sobre essa linha, estão hoje: a Rua Senador Teodoro Pacheco, a Praça Aquidabã, renomeada para Pedro II, a Av. Antonino Freire, a Igreja de São Benedito, incluindo a escadaria e o períbolo, e a Av. Frei Serafim.

Essa linha divide a cidade nas Zonas Norte e Sul e é exatamente aí onde está o miolo da encrenca.

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Mestre Isidoro França era, antes de tudo, um mágico. Valendo-se de não sei quais fundamentos geométricos, partindo do Morro da Jurubeba, onde depois seria construída a Igreja de São Benedito, com um ângulo de 30° para a direita da linha base, rumo ao Noroeste, até o que viria a ser a Praça Rio Branco, numa reta imaginária de 633 metros, ele marcou o local onde seria erguida a Matriz de Nossa Senhora do Amparo. Desse ponto, abriu outro ângulo interno de 60°, rumando para o Sul, percorreu mais 633 metros, noutra linha imaginária e marcou o local onde seria construída a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora das Dores, na futura Praça Saraiva. Retornando, daí, para o ponto inicial, com ângulo interno de 60°, percorreu, novamente, 633 metros.

Sendo assim, os três templos católicos do centro de Teresina são equidistantes, formando um triângulo equilátero. Eu sei disso, após estudar aerofotografias da cidade.

No meu entendimento, é inteiramente impossível que isso tenha sido marcado de forma aleatória, ao prazer do acaso. Quero despertar a atenção para o fato de que o triângulo equilátero é um dos símbolos representativos da Santíssima Trindade, embora muitos desconheçam isso. Confesso que estou tentando desvendar esse outro mistério.

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Um dia, meu avô Roseno chamou-me de lado e disse-me que tinha um ‘meio segredo’ para me contar. Meio segredo, porque outras pessoas sabiam, porém não muitas, e ele não queria que isso caísse no esquecimento. Talvez ele tivesse alguma intuição de que, um dia, eu viesse a escrever sobre o assunto.

Então, pegando-me pelo braço, começamos a caminhar. Ora ele me carregava nos braços dele, na cacunda; outras vezes, eu ia a pé. Até que, finalmente, chegamos à margem do Parnaíba, no exato local da linha divisória da cidade. Ali ele me disse:

– O Mestre Isidoro, mesmo com toda a sua sabedoria, construiu esta cidade no local errado.

–Mas meu avô, por quê? – indaguei eu, sem nem saber, ao certo, por que indagara.

– O centro de Teresina – continuou ele – está sobre uma baleia gigante, um monstro que está além da nossa mais hiperbólica imaginação.

Eu sabia o que era uma baleia, pelas cartilhas escolares, sem, contudo, ter noção de peso ou tamanho. Hoje, eu sei que a baleia azul é o maior animal da sua espécie e o maior mamífero do planeta, mede cerca de 30 metros e pesa em torno de 180 toneladas.

Pela narração de meu avô, aquela não era um cachalote qualquer e merecia respeito e temor.

Em seguida, apontando o dedo indicador para o meio do Rio Parnaíba, disse-me:

– A cabeça da baleia está a trinta metros abaixo do leito do meio do rio.

E apontando para o lado contrário, continuou:

– O rabo da baleia está no meio do Rio Poty. Ela tem três quilômetros de comprimento, 600 metros de altura e pesa muito mais de 17.000 toneladas. No dia em que ela se mexer, destruirá a cidade de Teresina. Espero que você e seus descendentes não estejam mais aqui e lamentamos pelos que estiverem. Ela hiberna num aquífero que liga os dois rios.

Eu não sabia o que era tonelada e muito menos aquífero, como não sei, até hoje, de quem meu avô ouviu essa história tão mirabolante, mas alguns pormenores me vêm à cabeça, no instante em que escrevo esse caso.

Primeiro: Ele não sabia a distância entre os dois rios. Eu sei, porque medi a área anos depois e afirmo que o cálculo está incrivelmente correto.

Segundo: Seria inimaginável que ele calculasse, com tamanha precisão, o peso da baleia e, por conclusão simétrica, vejo que também está incrivelmente coerente.

Eu já era rapaz, quando, um dia, naufragou uma balsa de talos de buritis bem ali, onde eu estivera com meu avô. Aquele tipo de embarcação não aderna, não vira, não encalha e nem afunda. Esse naufrágio a Física reprova.

Falando disso, na época, com alguns colegas, entre eles, Josely, Tito e Carlito, este último, filho do Palhaço Taioba, levantei a possibilidade de aquilo ter sido obra da baleia. Eles riram, disseram que já tinham ouvido falar na baleia gigante, mas ninguém dali, exceto eu, acreditava na história. Contudo, ficaram deveras intrigados, sem argumentos para contestar.

Por volta do ano 2008, quando eu já estava morando aqui, em Aracaju, com todos os meus descendentes (embora não tivéssemos vindo por medo da baleia), ouvi pelo JN da TV Globo, que cerca de trinta casas haviam desabado de uma só vez, na Zona Leste* de Teresina, sem motivos aparentes. Os laudos periciais não acusaram qualquer fissura no terreno. A primeira coisa de que me lembrei foi da baleia que, decerto, teria mexido a cauda.

Voltemos ao triângulo equilátero. Malgrado a cidade de Teresina tenha como padroeira Nossa Senhora das Dores e o fato de ela está, indiretamente, sob a proteção da Santíssima Trindade, faz com que essa baleia continue hibernando. E eu espero que por todos os séculos, sæculorum.

São coisas da minha terra...

*Teresina foi projetada entre os Rios Parnaíba e Poty e permaneceu assim por muitos anos, até que extrapolou para o lado esquerdo do Poty, em toda a sua extensão, criando, dessa forma, a Zona Leste.