ÁGUIA (miniconto)

 

O local era distante das agressões ecológicas urbanas, o ar era puro, águas cristalinas, fontes tão puras, a vegetação era um colírio para os olhos. A terra fértil, saciava a fome da população pequenina de forma abundante e orgânica, tudo natural, apenas insumos que não produziam por lá eram comprados na cidade próxima, que não era tão próxima na verdade e era bom assim. Com tudo isso o local virou refúgio de uma espécie de águias, que na estação mais amena montavam seus ninhos, sentiam-se seguras, só que o aumento da população delas às vezes causava transtornos e sumiram alguns animais de estimação de pequeno porte, então, começaram a ser caçadas por certos moradores, aí tudo mudou e quem não aceitava sofria alguma retaliação, estremecendo o clima de paz no lugar.

 

Apareciam corvos e urubus, atraídos pelas aves abatidas espalhadas pelos arvoredos, atraíndo outros predadores, tudo de repente virou um problema, até as relações entre vizinhos ficaram estremecidas, inacreditavelmente até mesmo entre alguns pais e filhos houve discórdia. Como animais de estimação sumiram, os seus donos abatiam as águias e os pais nem sempre concordavam. A águia é uma ave de rapina e defende o seu território, uma coisa levando à outra gerou mortes, desavenças e a harmonia da natureza, não combinava com a tensão à flor da pele no lugar, tudo muito absurdo. 

 

As prosas e cantilenas nas calçadas à tarde terminaram, ninguém se falava sem tom de agressão. Pouca gente celebrava as boas relações com os vizinhos mais próximos e por precaução, a palavra águia não era sequer citada, tudo para preservar o pouco de paz que restava. Parecia que tornando o assunto proibido, às coisas se resolveriam. Só que as aves se sentindo ameaçadas, atacavam as pessoas e animais a qualquer momento do dia, óbvio que a recíproca só gerava mais problemas, difícil contornar.

 

Começaram a atear fogo nos arvoredos onde ninhos eram construídos, derrubaram muitas árvores, o fogo se alastrou algumas vezes atingindo casas e plantações, tudo gerou pânico, violência, prejuízos e infelizmente também mortes, a paz do paraíso virou um caos infernal.

 

Chegaram ecologistas e uma tropa policial, prisões foram feitas, famílias destroçadas e ninguém dava ouvidos aos ecoligistas que em vão, tentavam achar uma solução para o problema da super população das águias, mas, era claro que a preocupação deles era a preservação da espécie, o caldo entornou e uma tragédia aconteceu, Jonas se embrenhou numa parte da vegetação perto do rio, pensando ouvir barulho de asas, achando que eram águias atirou e acabou matando Mateus, seu próprio filho que brincava nos galhos com um coleguinha, que com o susto caiu da árvore se machucando bastante. As famílias antes tão unidas, declararam guerra e as consequências seguiram trágicas, forçando a fuga de umas poucas pessoas, que não se viam mais morando naquele lugar que se tornara uma zona de guerra. Pegaram o que era mais necessário, seguindo a estrada sem a certeza para onde iriam. 

 

Latifundiários interessados naquelas terras para criar animais, plantações e pasto, se aproveitaram do caos formado e compraram várias propriedades, derrubando qualquer árvore pelo caminho do seu interesse comercial. Claro que com essa configuração nova, o berçário e refúgio das águias desapareceu e mais uma vez a natureza perdeu para o Homem, o paraíso virou um grande pasto cercado de pequenas estâncias, pontos de apoio para peões e a harmonia do lugar era de mugidos, latidos e vozes nativas reticentes, sobreviventes do antigo éden.

 

Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 10/05/2022
Reeditado em 10/05/2022
Código do texto: T7513097
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