O SELF
(Samuel da Mata)
Quando eu fazia cursinho pré-vestibular, conheci o Elvis. Garoto vistoso, inteligente e desinibido. Uma boa pessoa, tirando o excesso de narcisismo. Passaram-se quase cinquenta anos, sem que eu o visse, acho que ele foi fazer medicina na USP, ou coisa assim.
Alguns traços humanos são por demais característicos para que o tempo os roube. Quando vi aquele sujeito, não tive dúvidas, era o Elvis.
- Com licença, desculpe-me a intrusão, és o Elvis?
- Um tanto modificado, mas sou eu sim. Sei que já o vi, mas não me recordo de onde, foram tantos os meus pacientes.
- Tranquilo, sou o Eudes, seu colega de cursinho, lá em 1974. Como vai a vida?
- Um tanto conturbada. Bem antes da pandemia, tive mais um filho, na verdade um clone. Implantei em mim uma UMVE – Unidade de Manutenção da Vida Embrionária, novidade na época, mas hoje bastante comum nas maiores clínicas de procriação humana. Tem para ambos os sexos, você a implanta e a retira quando achar conveniente, e reproduz um clone de si mesmo em sessenta dias, só não é barato. Esta é a minha segunda vez.
Na primeira vez, tive o Self, Um garoto maravilhoso, mas agora, aos 15 anos, está me dando algum trabalho. Na verdade, pensei estar criando um time, mas ele é por demais egoísta, e anda querendo dar fim em mim, para desfrutar logo da herança. Tomo todas as precauções, mas nunca se sabe, o garoto é por demais esperto e eu, ficando cada dia mais broco. Assim, resolvi implantar nova UMVE e ter o Selftwo, para que este possa defender-me da ganância do Self, quando eu não tiver mais condições de fazê-lo. Daqui há uns vinte dias ele será externizado, não vejo a hora!