Doidos

Nas diversas loucuras de uma realidade sem sentido, podemos nos dar ao luxo de enlouquecer de diferentes formas.

Sabe-se que em uma cidade hospício, não aquela de Simão Bacamarte, mas bem que poderia ser. Aqui, não existiam nomes célebres como um Pinel, mas em compensação, a liberdade da loucura era vasta, como se fosse um parque, pronto a proporcionar o que há de mais excêntrico.

João era como tantos outros, se considerarmos apenas o nome. Mas tinha o hábito de surtar e não se mover, a ponto de seu corpo magricelo, só conseguir ser arrastado, a partir de algum outro que lhe fizesse o favor. Mas não era agarrado por mãos, chutado e nem nada parecido. O louco gari, fazia questão de varrer as ruas e quando encontrava João, no meio da praça, empurrava o sujeito com seu vassourão, fazendo com que o sujeito deslizasse pelo chão de terra batida e fosse parar próximo a um estabelecimento, onde recebia migalhas, feito um cão pedinte. Fazia suas necessidades ali mesmo e eram empurradas para a sarjeta com a mesma disposição. João era um doido varrido e não admitia outra forma de locomoção. Até mesmo doente, como fiara certa vez, fora socorrido ali mesmo, com algum medicamento caseiro que um outro doido lhe prescrevera.

José era ainda mais rígido do que João. Mais um nome comum e um hábito incomum. Já que este, fazia-se parado de vez, não havendo vassoura que o fizesse mover. Ficava no mesmo lugar. Uma espécie de gárgula que vigiava a cidade. José era doido de pedra. Uma turista certa vez disse que se parecia com um cão de uma história japonesa que ficara a vida toda esperando em uma estação de trem que o dono, que havia morrido, retornasse. Mas logo disseram a ela que José só esperava a própria espera. Comia o que lhe davam, se alivia ali mesmo, feito aquelas fontes que jorram uma coisinha de tempos em tempos.

Jeremias era mais faceiro. Tinha um gingado de malandro. Nunca reclamava de nada na vida. Se tinha comida, dizia “beleza”, se não tinha, dizia o mesmo. Jeremias Maluco Beleza, já que seu cavanhaque fez com que um andarilho dissesse que existia semelhança com um certo cantor de rock que já havia falecido. O nome acabou pegando. Apelido é igual doença, pega sem a gente saber como e nem porque, embora tenha sempre algum entendido para tentar dizer a causa. O homem cantava pelas ruas, dançava, chegava fazendo a alegria dos bares. Adorava arrancar a roupa em público, algumas vezes na hora em que as pessoas mais recatadas faziam seu almoço na única pensão da cidade, que era o único local que fornecia alimento a baixo custo.

Jussara era uma doidivanas. Usava mais roupa do que a estação pedia e vice-versa. Se estava calor, era tanto casaco e com tantas cores que perguntavam se era época de carnaval. Já no frio, andava nua em pelo. Dizer em pelo não é força de expressão, já que era adepta de não depilar parte alguma. Gostava de ler. Andava com um livrinho embaixo do sovaco pra cima e pra baixo. Vivia penteando os cabelos, com uma escova que ganhara da mãe quando era mais moça. Era uma excelente catadora de piolhos e desfilava com graça pelas ruas da pacata cidade.

Juarez era diferente. Agressivo. Corria atrás das pessoas. Alguns sentiam medo dele. Não podia ver um pedaço de pau que pegava e saía em disparada atrás dos outros. Juarez era doido a dar com o pau. Quebrou algumas vitrines, deu prejuízo a alguns motoristas, intimidou transeuntes e fez a diversão de crianças, que logo davam um pedaço de pau a ele para se divertirem com o que iria aprontar. Nunca chegou a ferir ninguém. Mas nunca ninguém deu sopa pro azar e quis testar se ele faria mesmo ou não. O ditado quando ele pegava o pau era, “pernas, pra quê te quero?”.

Eram tantos tipo, que só de contar podia enlouquecer. Fora a poesia dos lunáticos, que adoravam andar pela noite, cultuando a lua.

Essa cidade poderia ser a sua. Poderia ter inspirado Machado de Assis. Mas quem tem tempo para a loucura? Somos sãos demais para isso. Nossa lógica interfere no prazer de enlouquecer e somos tomados por esse tédio que nos faz arrefecer. Se guardar dinheiro é melhor do que rasgar e beber merda tratada não é o mesmo que comer merda, podemos estar vivendo uma loucura velada. Velas, pra quê que te quero? Nem com a energia elétrica abandonamos o hábito. Com os computadores utilizamos muito mais papel. Como a burocracia emburrece a gente. Burrocracia. Tadinho do burro. Só de pensar, no carroceiro espancando até hoje o pobre animal, dá vontade de de chorar. Nietzsche... te chamaram de louco. Antes Loki do que Jeová. Dionísio me agrada muito mais do que Maomé. O mundo é mesmo um absurdo. Absinto-me no mundo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 17/02/2015
Código do texto: T5140054
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