A Mulher da Periquita que Voou
Carmen, para os íntimos, Carminha. Era uma menina alegre, que vivia correndo pelas ruas do bairro onde morava. Dizia que gostava da liberdade do vento esvoaçando sua cabeleira. Sua infância foi muito boa. Em uma ocasião, algo surpreendente aconteceu. Sentia certo comichão, nas partes baixas, mas menina é educada a não atiçar o fogo. Não sabia precisar a partir de que idade que aquele fenômeno começou a ocorrer. Um dia, fazendo xixi agachada atrás de uma moita, pois não queria ir em casa e atrapalhar o pique esconde, sua periquita voou. Sim, a xana bateu asas e voou. Na verdade não bateu asas, isso é força de expressão. A menina ficou desconsolada, chorava rios de lágrimas e os parentes aflitos, não sabiam como proceder diante do fato. Carminha disse, “São Longuinho, São Longuinho, se eu achar a minha periquitinha eu dou três pulinhos.” E não é que conseguiu? A danada da fujona foi parar próxima a um riacho, onde muitos meninos mergulhavam. A mãe preocupada, procurou logo a ajuda da igreja para tentar resolver a coisa.
A família de Carmen era de tradição católica, sua mãe não perdia a missa, adorava rezar e colocar a fofoca em dia. A menina havia sido batizada e feito o catecismo certinho. Seria isso coisa do capeta? Só de imaginar, a mãe da menina se colocou de joelhos e pôs-se a rezar. Nem com exorcismos conseguiram resolver o assunto. Médicos foram procurados. Em uma consulta ginecológica, lá estava a periquita tentando voar novamente. A mãe, desesperada, pensou em amarrar, costurar, engaiolar, enfim, tomar algum medida de encarceramento. A menina se sentia culpada por causar tamanho transtorno, mas fora isso, tinha uma vida feliz. Com o fim da infância e a chegada da menstruação, a periquita forçava a saída. Em um dia, havia esquecido de colocar a calcinha ao deitar e de noite, a periquita voou com toda sua força. Foi parar na casa de um rapaz chamado Alfredo, que apesar de estranhar ver uma periquita daquelas voando sozinha, deixou ser picado pelo pássaro, embora quem tivesse a pica fosse ele. A verdade é que a adolescente não controlava mais e todos os dias, mais de uma vez por dia, a periquita voava, muitas vezes a grandes distâncias.
Carminha possuía uma avó muito sábia. Certa vez a ancião comentou que a periquita da menina era uma águia disfarçada e que atacava pequenos pássaros, acabando com a raça de pintos desprevenidos, deixando-os em frangalhos. Até na delegacia a periquita foi parar, já que não escolhia o terreno em, que pousava. Quando atingiu a maioridade, Carmen ficou um mês sem periquita. A bicha voou por um longo período, já havia se acostumado a ser lisa na frente e urinava por trás. Mas um dia, sem mais nem menos, a danada da periquita voltou e pousou no seu lugar costumeiro. Já exausta de investidas. A família mantinha segredo sobre o fato. A moça arrumara emprego, estudava, ou seja, levava uma vida quase normal. Acabou se apaixonando por um rapagão, que chegava tão junto que sufocava a periquita, não deixando ela voar. Em uma noite que resolveram ira para a cama fazer amor, quando a mulher abriu suas graciosas pernas, a periquita voou, deixando o rapaz inconsolado. Mais do que isso, ele ficou com o pinto na mão e no rosto, uma expressão de perplexidade. Acabaram se separando.
Mas o destino vive nos pregando peças. Após a melancolia, Carminha conseguiu um bom partido. Era um homem já vivido, com hábitos de roça. Há quem diga que laçou a periquita na marra. O fato é que vivem bem juntos. Não se soube mais das fugas da periquita e Carmen já cuida dos três filhos, um menino e duas meninas. Preocupada, sempre dá uma olhada na periquitinha das meninas, para assegurar que não herdaram a sua, vamos dizer, excentricidade. Aos domingos almoçam fora e durante a semana seguem a rotina dos afazeres domésticos. O marido não deixa de comparecer, quer dizer, dá sempre um alpistezinho para a periquita, que tem uma fome daquelas. Estão agora criando umas cabecinhas de boi e os parentes adoram visitá-los, voltando sempre com algum agrado.uma dúzia de ovos aqui, um franguinho ali, um pedacinho de porco acolá. Também deram para criar passarinhos. Tem canarinho, caturras e até periquitinhos. Por via das dúvidas, ficam todos em um viveiro, bem engaioladinhos, para que nenhum resolva se meter a besta e bater asas para voar.