Parto

As horas não passam de momentos contados. A mão que busca a cerveja que já esquentou, devido à alta temperatura. O rosto em frente ao freezer aberto, com intuito de se refrescar. As luvas esquecidas e servindo de moradia para aranhas até o próximo inverno. Ou seria melhor dizer, inferno, breve e gelado, como se fosse intenso por ser curto. Sentado no bar, bebendo algo gelado. A noite se fazia presente do lado de fora, apesar do famigerado horário de verão, que insiste em tentar prolongar o dia. Como se fosse possível. A única coisa a ser prolongada, seria a morte. Mas existem os que vão afirmar que veio na época certa, independente da idade. Uma mulher sentada ao lado, com olhos fixos. Sua bela aparecia, com um olhar devorador. Parecia um personagem saído da obra de algum escritor melancólico, beirando o romantismo. A fuga dos olhos encontra o chão receptivo. Quando ergueu novamente os olhos, ela estava diante dele. Poucos no bar perceberam a aproximação. Seu olhar subia pelo vestido justo, podendo identificar as pernas e as meias que cobriam os membros inferiores, apesar do calor. Pediu para se sentar. Acomodou-se com delicadeza, enquanto ele pedia outra bebida. Como o cavalheirismo mais machista pede.

Sem nomes. Foi a regra estabelecida. Isso foi acordado quando ele já havia se apresentado. Sentiu-se ludibriado, mas resolver apostar naquele jogo. O decote era discreto, embora inspirador. Rapidamente secaram os copos e o dito cavalheiro, estendeu a mão, como um convite para que fossem embora dali. Sem hesitar, a mulher aceitou. Seguiram caminhando pela rua. Apenas atravessaram uma calçada e estavam diante do prédio onde o homem residia. Subiram poucos andares e logo estavam dentro do apartamento. Ainda zonzo a respeito daquele encontro, pensou em dizer algo, mesmo que lhe faltassem as palavras. A mulher abria os botões, um a um. O sutiã rendado e seios logo expostos. O restante da roupa foi jogado no canto do quarto. A desconhecida parecia uma espécie de Vênus de Milo, só que com os braços. O corpo não possuía nem sequer um sinal, como se fosse algo imaculado. Nem aquelas marcas de vacina que insistem em adornar os corpos. Nem uma queda. Como se não existissem cicatrizes. Isso seria possível se talvez nunca tivesse vivido. Mas isso não passou por sua cabeça. Suas roupas foram arrancadas e seu corpo puxado. Penetrava aquela carne e sentia um prazer inenarrável. Cada vez que se movimentava o ar fugia de seus pulmões. Em um momento de orgasmo, chegou mesmo a desfalecer.

Acordado, vislumbrava aquela visão que tivera na noite anterior. Retornou ao bar, em busca de informações a respeito do corrido. Pensou que poderia estar louco. Mas logo percebeu que todos vivemos a loucura cotidianamente. Apenas pessoas estranhas. Um conhecido, que não estivera naquela noite com ela. Sentado no local onde tudo ocorrera. Repetiu o pedido de bebida. Os gestos eram similares, para uma espécie de ritual que fizesse emergir a figura passada. Dores abdominais o fizeram cair ao solo, se contraindo. Socorrido pelos estranhos e levado ao hospital público. Tentou resistir, mas as dores não lhe permitiam esforço algum. Após exames, nada foi constatado. Médicos, não satisfeitos, resolveram aprofundar os exames, com intuito de perceber algo. Os laudos ficariam prontos em alguns dias. Se levantou e foi caminhando para a casa. O mal estar continuava. Vomitara na privada e não conseguia suportar, depois de algumas semanas, certos aromas fortes ou coisas do tipo. A barriga crescia. Uma ligação do hospital, que perguntava se algo havia acontecido, já que não retornara em busca do diagnóstico. Uma comitiva foi até sua casa. foi amparado por psicólogos e uma equipe médica, que dizia se interessar pelo seu caso.

O diagnóstico foi objetivo, “você está grávido”. Não sabia como isso seria possível. Nem mesmo os médicos conseguiram explicar. Verificaram que não possuía nenhuma alteração anatômica que justificasse o fato. Não era hermafrodita e nada no seu corpo poderia responder àquilo. Se lembrou da relação que havia vivido. Mas nada justificava um ato sexual de natureza habitual causar um fenômeno desse tipo. Ainda assim, buscaram testemunhas no bar. Mesmo o atendente do balcão, quando questionado, disse que naquela noite, o homem havia sentado sozinho e ido embora da mesma forma. O mistério se intensificava. O caso ganhou notoriedade. Os médicos acompanhavam o desenvolvimento daquela gravidez. Foi proibido de beber e fumar, com pessoas que vigiavam para que não colocasse em risco esse fenômeno que renderia prestígio nos anais medicinais. Muitas visitas e meses de desconforto. Finalmente chegara o dia do parto. Ficou estabelecido que seria uma cesariana. Surpresa maior estava por vir. Na hora do parto, os médicos se assustaram, pois haviam deixado o paciente nas semanas próximas ao evento, no próprio centro médico. A bolsa deveria ter se rompido, pois escorria do ânus do sujeito o chamado líquido amniótico.

A mesa de cirurgia estava preparada. Médicos experientes vieram de outros estados para testemunhar e auxiliar nos procedimentos. A grande surpresa veio. O braço da criança começava a dar mostras pelo ânus do grávido. O paciente foi colocado de cócoras. Pediram que fizesse força, pois a ultrassonografia mostrava que a criança sairia por trás mesmo. De alguma forma, o corpo havia facilitado essa saída e tentar impedir isso poderia provocar um grave risco de vida. a medida que fazia força, suas pregas estouravam e o sangue jorrava. Mas de alguma maneira, estava funcionando e a criança saía. Com muito sofrimento o parto foi realizado. Para espanto de todos, o cordão umbilical foi cortado, apesar de estar ligado ao reto, sem maiores problemas. Era uma menina, cobertura total a respeito do evento. O sujeito passou a ser reconhecido, recebendo até mesmo uma mesada do governo por deixar que o país tomasse conhecimento de seu drama e contribuído para amenizar os ânimos na época da eleição presidencial. A menina se parecia com a mãe. Cada vez que crescia ficava mais parecida. Era dotada de uma inteligência que a fazia se destacar entre as crianças da mesma idade e até mesmo em idade bem superior. O pai ficou orgulhoso, ao participar de um congresso em que a filha conseguiu uma bolsa para Harvard, onde desenvolveria estudos sobre genética. A menina se apaixonara por outra menina e as duas viviam felizes, pensando em utilizar algum método de fertilização para que pudessem ter seu próprio filho. Mas no final, decidiram adotar algumas das tantas crianças abandonadas em orfanatos. Ah sim! Para os que tiveram curiosidade. O cu do homem voltou ao normal após o parto.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 04/02/2014
Código do texto: T4678170
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