Cornélio

Cornélio, um homem de integridade. Era admirado por todos. Sua família era simples e respeitada. Pessoas de bom caráter, como alguns diziam. Cresceu dentro desses considerados bons princípios. Estudou e começou a trabalhar, tendo uma brilhante carreira. Era digno do nome bíblico, com o qual fora batizado. Uma homenagem ao bisavô. O que era característico de sua personalidade, seria o que Jung denominaria introversão. Era um uma criança tímida e tornou-se um jovem tímido. Mal conseguia balbuciar algumas palavras em público. Em sua profissão, lidava com máquinas, o que facilitava, e muito, seu desempenho, não dependendo tanto da comunicação. Procurava lugares discretos e mantinha-se casto. Mas o destino lhe fez uma agradável surpresa. Um dia, encontrou uma mulher que o fizera se apaixonar. Foi amor à primeira vista, com tudo que os românticos tem direito. Trocavam olhares. Com muito custo um gesto. Ocorreu a primeira conversa. Poucas palavras. Monossilábica. A jovem que tomara a iniciativa. Porque se dependesse do rapaz, isso demoraria anos. Foi algo tão intempestivo, que não demorou para se casarem. A cerimônia foi simples, mas de bom gosto, como diziam os convidados. Tiveram a noite de núpcias, quando Cornélio soube o que era o prazer da carne.

Depois de algum tempo, um fenômeno curioso começa a ocorrer. Cornélio sentia certas dores no couro cabeludo. Caroços dolorosos. Pensou em ser um pelo inflamado e procurava não pentear-se com tanta violência. A coisa foi crescendo. Levado ao médico, após exames, descobriu não se tratar de um tumor e nem nada com essa gravidade. Os exames mostravam um corpo estranho. Da forma como a coisa evoluía, os médicos indicaram não mexer, pois uma cirurgia naquela região seria de grande risco. Em uma manhã, espetou o dedo. Uma ponta havia se insinuado para fora da pele. Rasgara a pele, causando um pequeno fragmento. Era algo parecido com um osso. Mas ossos não nascem na cabeça das pessoas. Não que tivesse conhecimento a respeito. Procurou informações na internet. Passou a utilizar um boné para disfarçar. Mas a cada dia ficava mais evidente. Certa vez, em seu local de trabalho, um dos funcionários lhe arrancou o boné, deixando todos surpresos. Um amigo mais objetivo, disse se tratar de chifres. Outro questionou que eram cornos e ficou estabelecida uma discussão a respeito de chifres e cornos, já que alguém citou que um e outro são distintos, apesar de serem associados como sinônimos.

As pesquisas levaram Cornélio a admitir que crescem ossos na cabeça de certos animais. E porque não na dele? E que suas características eram de que tinha cornos e não chifres, já que seu adorno possuía uma camada de queratina, como os exames demonstraram e não eram ramificados. Andava agora de cartola, já que chapéus pequenos não davam conta de sua extravagância. Pessoas o chamavam de corno pelas ruas e isso o magoava. Sua esposa o consolava, dizendo que conseguiriam algo para curar aquele mal. em uma briga, avançou com a cabeça baixa sobre seu adversário, como um touro enfurecido, acertando uma divisória, que foi perfurada. Foi ainda mais motivo de risadas. Passou a ser uma atração na cidade. Um amigo, carpinteiro, utilizou uma serra para cortar os cornos do sujeito. Mas logo eles cresciam, ainda mais frondosos. A molecada da vizinhança, pedia para abrir latas de refrigerante com as pontas dos cornos. Mais uma bateria de exames dizia que uma intervenção cirúrgica daria jeito. Após um dia de operação. A recuperação que foi um sucesso, segundo a junta médica. Mas logo voltou na crescer, como uma hidra, que quanto mais cortasse, se renovava. Pensava que se tivesse chifres, as ramificações aumentariam cada vez mais.

Ridicularizado, Cornélio passou a evitar o público. Então ocorreu o inesperado. Uma carta anônima, dizendo que saberia como curar o mal que lhe acometia. Uma suspeita sobre a fidelidade de sua esposa. Desesperado, procurou ignorar, imaginando que não passava de uma brincadeira de mau gosto. Levado por um amigo até um local considerado de baixo meretrício na cidade. O espanto ao se deparar com sua esposa, desposada por vários homens e soube que se ofertava de graça, já que era uma vaca por prazer. A expressão “vaca” fora cunhada pelos que compadeciam com a situação de Cornélio, que diziam que o sujeito era um boi. A mulher, observando o marido, não se intimidou, soltando uma risada de escárnio. Em meio à discussão, as pessoas se afastaram. Na briga a mulher acabou sendo espetada pelos cifres do corno, ou melhor, pelos cornos do corno. Enfim, uma situação singular. A adúltera acabou morta, por ter sido atingida no peito, com o coração de tantos amores, espetado. Apesar de todas as traições, um crime de tal monta não se justifica. Cornélio acabou sendo preso. Na cadeia fora chamado de Hellboy, por alguns presos mais jovens. Um pastor disse que ele tinha pacto com Satanás. Passado um tempo, os chifres foram encolhendo. Há quem diga, depois de anos, que nunca nem mesmo existiram.

Por fim, Cornélio, após cumprir sua pena, foi solto. Retornou para sua cidade, deixando o passado esquecido. Embora fez ou outra ocorresse algum fuxico. Os filhos cresceram sem tomar conhecimento dessa tragédia. Foram estudar fora e acabaram poupados a respeito de tal escândalo, sendo criados por parentes distantes. Cornélio ainda procura marcas em frente ao espelho. Por via das dúvidas, nunca mais se envolveu com ninguém. Passando a morar em um pequeno rancho, sobrevivendo a partir da agricultura familiar. Possui um pequeno rebanho de bois e um certo touro, que é seu preferido, faz com que se recorde de épocas passadas, quando precisava se abaixar para passar pelo portal das casas e utilizar apenas veículos sem teto. Ainda coça vez ou outra sua cabeça, mas nada além de breves preocupações. O pai faleceu ainda com desgosto do filho, a mãe resistiu e vive velhinha, em uma propriedade próxima. Cornélio, visita os filhos de tempos em tempos. Vive feliz e se satisfaz com o ditado, “antes só do que mal acompanhado”. Mas no fundo, seu coração ainda sente saudades daquela vaca, quer dizer, da sua esposa. Quando pensa nela, sente uma coceirinha na testa, mas depois de uns dias a vermilhidão na testa some e tudo volta ao normal.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 29/01/2014
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