Em Suspenso
Acordado diante do abismo que se manifesta sob seus pés. O desespero por estar flutuando com a incredulidade, por não se recordar do que antecede esse fato. As construções parecem se evaporar, como o prédio onde presumia estar seguro e solidamente amparado, mas que agora esfarela diante de seus descrentes olhos, fazendo com que o vento assopre essa poeira, deixando-o mais que descalço, suspenso. Não acredita possuir nenhum atributo de outra espécie, que como um pássaro agora pudesse planar. Também é cético sobre seu peso possibilitar um pouso após leves declínios, pois sabe da violência da gravidade, que é egoísta aponto de trazer tudo abruptamente a ela. Por fim, nenhum dom que o faça um deus ou semideus, apenas mortal, como tantos outros que viu sucumbirem ao longo de sua existência.
A primeira sensação é o desespero, a busca por uma explicação, mesmo ilógica, já que o tempo parece mudar sua postura. Podem as horas passarem, rapidamente, e saberá que está em queda, quando ser vagaroso, o que deixa a dúvida de ter conseguido ou não se safar, e esse pode ser um martírio infinito. A ausência de dor é um pesadelo, já que deixa as ideias livres para atuarem em desespero. Ninguém a quem possa consultar, sozinho diante da tragédia. Sabe que diariamente nos vemos nessa situação, tomando atitudes por conta própria. Mas quando buscamos alguém e não é possível encontrar, parece que tudo se torna mais esmagador, a ponto de nos sentirmos como um átomo vagando pelo universo insondável. Cada nova etapa é um mesmo mistério, que engole esperanças ao mesmo tempo que as revitaliza. Um fragmento de qualquer coisa que se considerava humana, que se desprende sem conseguir o desligamento total, feito um eterno embrião, agarrado por um cordão umbilical de alguma magia não percebida.
O incrédulo é o mais aguerrido dos fiéis. A emoção consegue tomar de uma forma, a ponto de quase se fazer inerte, embora tente resistir, por mais que lhe faltem forças diante de algo praticamente consumado. As mãos buscam o céu distante, como os pés, o chão longínquo. Um ventríloquo que parece estar à mercê de deus brincalhões. Um instrumento de Loki, que paira em uma atmosfera rarefeita, que chega a embebedar. Bebe porções de si quando respira, tentando se sufocar naquela altura. Um pássaro pouco majestoso, com movimentos desarmônicos e uma expressão de pânico. Seu grito não é nem mesmo eco, fazendo com que perca a voz, quase arrebentando suas cordas vocais inutilmente. Grita apenas para ele mesmo, sendo que sue ouvido apenas capta o primeiro instante. Sua coragem inexiste desde o primeiro momento, mas ganha a confiança dos conformados, se entregando a mirabolantes gestos. As lágrimas se misturam a secreção nasal, que por sua vez, também se mistura a saliva bucal. Pensa em quão inútil é a choradeira.
Enxergar longe sem ver nada. A vista alcança o máximo e consegue captar esse mesmo que parece se repetir. Beija o nada com a ternura dos que partem de vez. Um poeta que escreve por linhas invisíveis, com uma caneta sem tinta. Escreve uma obra niilista, que jamais será vista, perdida ao longo de um mar de incertezas. Se faz de louco, com a consciência intacta daquele que se apega a qualquer coisa que possa iludir ou mesmo acalmar sua ansiedade profunda. Não busca mais apoio, pois sabe que será impossível de onde está. Deixa que o ar beije seus lábios como um flerte fugaz. Enamorado do vácuo, amante abissal que goza fissuras, a ponto de procurar seu último orgasmo cataclísmico. Tomado a ponto de não saber se está dentro ou fora de si, perdendo-se na imensidão dessa força que lhe engole e o faz mover a contragosto. Não sabe precisar se um dia nasceu, o que deixa a dúvida se virar a expirar. Ser imparturiente, que deixou de comover-se por apenas mover-se. Um feto solto no espaço, que pode se fazer de grande útero. Quando chegará a cloaca salvadora, que regurgitará essa criatura?