Banheiros

Grupo de pessoas ziguezagueando por uma praça. As copas das árvores são o cenário que se vê quando olha para cima. Aqueles bancos de concreto, desenhados com propagandas já apagadas de lojas da cidade. Uma antiga escola, que se parece com um mosteiro, envelhecida, que facilmente seria considerada patrimônio histórico. Na busca pelos banheiros, o encontro com aquelas cabines horríveis e abertas. Sentado, para cagar, esticando o pescoço para ver se enxergava a mínima aproximação de alguma pessoa do grupo. Mesmo porque, só havia aquele banheiro, seja para meninos ou meninas. O papel higiênico parecia feito de cartolina. Sobe as calças e volta a procurar o restante do pessoal. Nessas horas, é sempre cedo para ir embora e tarde para se arrepender de ter começado a aventura. No pátio, algum artista inusitado, resolveu pregar nos troncos das árvores as suas obras de arte. Fico pensando se as intempéries não irão destruir aqueles quadros. Quem sou eu para questionar o que chamam de gênio.

Agora é a vontade louca de urinar. A causa foram algumas cervejas bebidas durante a viagem feita até o local. Me indicam um local mais próximo do que aquelas cabines. Entro em algo que se parece uma cozinha. Não encontro nada parecido com uma privada, o que me faz urinar em uma espécie de ralo de pia. Entra uma das mulheres e serve-se de uma xícara de café, indiferente a cena. Me escondo, curvando junto a bancada e mirando de certa distância naquela pequena grade do ralo. Respinga urina sobre a pia, molhando até alguns talheres próximos. Isso chama a atenção da mulher, que dá um leve sorriso, não sei se de aprovação ou ironia. Ela termina de beber e se retira. Eu mijo até a última gota, fechando a braguilha e saindo sem lavar as mãos. Acendo um cigarro, ainda que tenha sido advertido para não fazer nas dependências do lugar. Acredito que por ser tudo tão velho, a mínima faísca pode causar um incêndio descomunal. Mas estava chovendo, não creio que a umidade permitiria que o fogo se alastrasse. Solto baforadas que fazem embaçar até meus óculos.

A mulher que bebera café se aproxima, encostando em mim, sem puxar assunto. Termino o cigarro e me reintegro ao grupo. Agora, algum metido a expert, faz questão de exibir seu conhecimento em arte e história, citando nomes famosos e frases pomposas. Odeio esses metidos a inteligente. Dizem que querem demolir o lugar, mas estão brigando para impedir. Por mim, que jogasse tudo no chão. Restaurar isso tudo para manter uma falsa memória, gastando verbas que poderiam ter mais utilidade em outras funções. Fotografem e guardem as informações para quem acha útil para a história e depois, arrebentem com essa velharia, que já está caindo por si só. Pelo que ouvi dos experts, nem na época que era escola, gostavam daqui. Parece que o sistema era rígido e a molecada sofria bastante nas mãos de uns padres que administravam o lugar. Penso em quanto moleque deve ter sido enrabado por detrás desses muros. Agora trazem a gente aqui, creio que para dar alguma importância à cidade, dizer que é preciso se conscientizar. Todo esse papo furado de quem quer arrancar dinheiro e votos.

Uma sede dos diabos, nem uma gota de água vindo desse encanamento podre. Atravesso a rua e me dirijo a um bar. Peço uma cerveja, que vem morna, já que a geladeira deles é uma bosta e não possuem freezer. Mais uma vez, a mulher do café chegando de forma discreta. Só vejo três opções, ou é louca, ou quer transar, ou está louca para transar. Dizem que quando a esmola é demais o santo desconfia. Como não sou santo, o que importa a quantidade de esmola? O calor está aumentando, o passeio parece interminável e o pessoal da cidade já me olha com cara de alienígena. Trabalho de campo de concentração, esse seria o nome mais adequado. Entro no ônibus sem que o motorista perceba, deito nos últimos bancos e caio em um sono ferrado. Se a dona do café vier até aqui, já era. Agora é o destino quem decide, e olha que nem creio nisso. Se vier, sorte minha e azar o dela. Começo a ficar zonzo, a cabeça dói, imagens do dia, daqueles banheiros fodidos vindo na minha mente. Apago, mesmo com o calor que faz do ônibus uma sauna. Acordo com um falatório, o ônibus sacolejando em movimento, a poeira voando e entrando pelas janelas e aquela náusea companheira. Espero que o dia acabe antes que ele acabe comigo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 13/02/2013
Código do texto: T4137635
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.