" NO TERRAÇO..."
“ NO TERRAÇO...”
De quando em quando a monotonia do silêncio era quebrada pelo harmônico repicar dos sinos da Catedral... Tal templo religioso ganhara fama regional por suas inusitadas formas arquitetônicas, beleza de suas telas e afrescos, tudo isto disposto em um ambiente protegido dos ares medievais das velhas masmorras católicas...
Confortavelmente sentadas, as mulheres observavam absortas os voos do bando de andorinhas, a pipa fagueira que subia aos céus, destemida que era de enrodilhar-se na abundante fiação elétrica.
O apito do trem soava ao longe trazendo em sua musical onomatopeia saborosas lembranças de tempos áureos. A mais velha do grupo, havia sido em passadas épocas uma notável e garbosa normalista, a qual com sua inescondível beleza e incontestável intelecto prendia em dourados nós a atenção do alunato quando do exercício de sua profissão em uma escola rural dos arredores da interiorana cidade paulista.
A do meio decidira abandonar os bucólicos rincões rumo à cidade grande, notabilizando-se também como talentosa mestra. Já a mais nova perdia-se em sonhos próprios da adolescência e via-se sentada à frente de um piano tocando Chopin e lendo ao mesmo tempo os versos de Florbela Espanca...
De repente, tudo muda!
As três mulheres atônitas, sentem-se como se anestesiadas... O terraço está agora defronte às ruas de Lisboa... Bondes, carros, pessoas transitam entre monumentos históricos, museus, o Mosteiro dos Jerónimos, e acabam por ganhar ares ilustrados ao sentirem o sabor dos deliciosos acepipes degustados por Fernando Pessoal no tradicional bar “A Brasileira”!
Uma simpática lisboeta atravessa a rua e ganha os domínios do terraço. Em sua cesta recendem os aromas de um saboroso pão de milho, e de outro recheado com chouriço. Polidamente, a mais velha das três recusa a compra dos pães preocupada que está em manter sua bela plástica.
A mais jovem, entretanto, estala a língua ao lembrar-se dos pastéis de Santa Clara comidos com tanta satisfação em terras brasileiras! E as torres de fios de ovos, os “Pastéis de Belém,” e as “Brisas do Conde” interroga a gulosa mente da mocinha...
Neste momento a menina interpela sua avó Maru:
_ Vó, como viemos parar em Lisboa se há vinte minutos estávamos eu, a senhora e minha mãe sentadas no terraço em São Carlos? Se tivéssemos tomado vinho do Porto julgaria que estaríamos todas loucas alucinadas pelos efeitos da bebida!
A avó e mãe da garota põem-se a pensar! E então, mais uma vez estão elas sentadas no terraço da velha casa dos Rocha na Rua General Osório em São Carlos...
* Nota da Recantista nº 1)Dedico este texto “in memoriam” de meu avós maternos são-carlenses Eduardo Júlio Rocha e Maria José Ferraz Rocha (Maru).
Dedico também em memória de meu bisavô materno Julio do Sacramento Rocha, português de nascimento,industrial em São Carlos, a qual faleceu na década de sessenta em terras lusitanas.
Dedicado também aos primos e primas lusitanos que vivem além mar,em Lisboa...
Nota da Recantista nº2)As três mulheres do texto são: minha avó Maru ( professora normalista em Monjolinho,distrito de São Carlos), minha mãe Yvonne, e eu em meio aos tempos doces de uma adolescência já há muito pretérita...
Ivone Maria R. Garcia (Ivoninha)
13/04/2012
* Em processo de registro na Biblioteca Nacional.