Um corpo inexato
Meu corpo desnudado. Não um copo (de leite). E sim um corpo. Um elemento rico em que se sentem as maiores ilusões. Mas e daí? Que é um corpo? Uma vida? Meu corpo – meu acaso – é a vivacidade da minha alma. É uma tenda e um oráculo que em mesmo grau se confundem.
A respeito de mim, a nudez me assusta. O espelho revela quem eu seria daqui a dois segundos. Ou quem eu fui há quatro quilômetros daqui, deitado no sofá, comendo pão e outras palavras. Fugi a alguma naturalidade? Não, apenas me conheci.
É dali, do meu principal conteúdo que recitarei os cantos do amor. Sou colocado no canto mais extremo da sala, e então chamam pelo meu nome: amnésia. Isso mesmo. Esquecem de mim, mas meu corpo jamais me desampara. Ele é meu passaporte para os sentidos, e para as dores, e as curas. Minha corporalidade é cônica, e eu sou crônico. Por mais que seja indecifrável, eu sou decente.
Não sou um copo. Repito. Copo é depósito de bebidas (e de bocas). Eu sou um corpo que dança com os movimentos. Sou propriamente escolha. Posso ser um ou dois. E posso ser infinito.
Meu telefone tocou, ontem. Atendi-o, depois de sete dias de recusa.
- Senhor, há uma dívida em seu nome – me disseram.
- Dívida? Por um acaso eu comprei algo e não paguei?
- Não, mas é que o senhor existe. Deve pagar pela sua existência!
Silêncio. O silêncio me tomou. E eu chorei. Deixei que o telefone caísse. E ele derreteu de amargura.
Quero que a violência da arte provoque prantos! Quero que meu rosto desfigure a potência dos abismos. Eles serão apenas más lembranças, como uma bela moça aprisionada em algemas grosseiras. Isso é uma totalidade corpórea, mas talvez Franz Marc as divida. Três metades desiguais.
Há um acúmulo em mim que ativa meus ombros: eles se derramam perante o mundo, e eu, tardio e soturno, escorrego na claridade das minhas mãos. Elas fingem ser gente. E imitam a natureza do expressionismo: cores de liberdade e guerra pela paz. Sim, elas guerreiam até que saia sangue. Este sangue é a flor que me basta para que viva.
Mas bom mesmo é um banho de águas mornas. Elas purificam. Renovam. Eu quero eternamente me banhar nas águas de mim. E jamais, jamais ser esquecido.
Wilder F. Santana
Wildersantana92@gmail.com