A Curto Prazo

Acordado, após uma noite de sono não interrompido. Levanta-se, adentrando um dia de poucas promessas. Alimenta-se. Informa-se. Momentos cotidianos que não deixam perceber a noção de tempo, da mesma forma que faz a temporalidade diluir.

Sente a vista escurecer, parece acordar novamente. Uma voz lhe avisa:

— O senhor foi envenenado, é possível detectar a peçonha. Terá menos de 24 horas de vida.

As palavras parecem incertas, se vê em sua modesta casa novamente. Aquilo seria um sonho? Provavelmente não, a própria sensação do local infectado era percebida. O que fazer diante dessa constatação fatal? A mente trabalha em ritmo acelerado. Deveria viver os momentos com o desejo de fazê-los intensos, ou desesperar-se?

Talvez o suicídio fosse uma forma de antecipar o inevitável. Toca a campainha, a namorada vem visitá-lo. Exposta a situação, ela tenta acalmá-lo, com carinhos, choros, esperanças. A família que vive com o trágico personagem, procura uma resposta, conversa na busca de uma solução, procuram consolá-lo.

— Quanto tempo ainda me resta?

Sai em disparada, esbarra em pessoas pela calçada. Olha para o céu, não enxerga soluções, apenas nuvens. Entra em uma lan house, busca informações sobre o seu caso, nada relevante, apenas a confirmação do fim próximo. Liga para um amigo e pede orientação. Por mais que exista boa vontade em uma amizade, lidar com situações nunca vivenciadas, implica juízos pouco favoráveis a causa. Uma boa dedução pode ser válida, mas em tempo de desespero, elas se tornam escassas.

O celular toca, o pai preocupado argumenta novas possibilidades, nada que o faça sentir-se satisfeito. Nas ruas, para pedestres na vã esperança de encontrar alguém que pudesse lhe ajudar. As pessoas se esquivam, já possuem seus próprios problemas. Num relance, um pensamento vago de religião lhe veio a mente. Talvez, pela palestra que assistira ao acaso numa tv em vitrine de loja, onde um religioso evocava respostas divinas. Mas sua não credulidade mística, o fez descartar qualquer possibilidade desse tipo de apelação.

Recorreu a sua memória, imiscuindo o que a originalidade racional lhe permitia. Voltou a sua casa, para alívio dos presentes, adentrando sua biblioteca, vasculhando obras. Inúmeros livros que no momento derradeiro não lhe serviram. Acreditou ao vislumbrar uma garrafa de vodka, que beber poderia ser uma solução, logo, despindo-se dessa ideia. O corpo fraquejou, provavelmente por não se alimentar. Associou de imediato aos efeitos do veneno.

Nenhum médico era possível contatar, no hospital que estivera, onde recebera a notícia da causa, apenas fora informado do prazo, curto por sinal. Nenhuma sombra de cura, após decretarem a sentença. Em nenhum momento chorou, por acreditar um desperdício de emoções, que ocorresse o pranto no ato final, em apoteose.

A sensação de desmaio tomara-o, já se fazia noite, o cansaço, uma vontade desesperada de dormir. Mas o sono seria sua sentença de morte, já acordaria morto. Nem acordaria. O fechar de pálpebras seria o abaixar das cortinas de um espetáculo trágico. Morpheus é seu algoz. Fere-se para não dormir, coloca a mente a trabalhar, incessantamente.

As memórias não trouxeram a cura, mas sim lembranças do já vivido, fragmentos que fizeram se recordar do feito, com a angústia dos projetos frustrados. Foi quando determinou que viajar seria de bom tom, afastar-se de todos, não de si, sofreria consigo aquele tormento.

Na estação, encontrara uma bela mulher, de loiro e escorrido penteado, comentou sobre sua tragédia, dizendo que poderiam viver ótimos juntos, caso não tivesse um destino já encerrado em curto prazo. Ao embarcar, as pernas vacilaram, caindo ajoelhado. Um rapaz o apoiara, os olhos escurecendo. Voltou a abri-los como último apelo. O jovem era médico, aplicou certo antídoto, dizendo em seguida que no outro dia estaria curado.

Dorme sem perceber, acorda ainda transtornado, não sabendo se as palavras do suposto médico seriam verídicas. Os familiares em volta do leito, contemplam seu semblante sadio. Resolve sair e tomar ar fresco. Encontra no sofá da sala, a loira da estação, nua, um corpo esbelto, mais para magro, com certo brilho que a luz do ambiente instigava. Se tudo ocorrer como aquele médico disse, poderemos ficar juntos.

A loira continua nua e silenciosa, os familiares provavelmente pensativos e esperançosos dentro do recinto. Onde aquilo tudo era sonho, onde era realidade? Agora ainda seria um sonho, ocorrera alguma vez realidade?

Os olhos singelos daquela Vênus indiscreta, fitavam-no friamente, sem perder a ternura. Sua mente continua a trabalhar, sem cessar. O prazo provavelmente próximo de acabar, não contabilizara ao certo, precisa aguardar o término da manhã, para averiguação adequada. Mas e caso tivesse estendido o prazo para mais um dia, quem sabe dois, uma semana talvez? Cada dia seria vivido com a sombra funesta do fim decretado, a espreita a peçonha espera momento oportuno de invadi-lo por completo. Enquanto a loira, com seus pelos pubianos dourados, continua sentada magnânima, feito estátua viva.