Inusitado Kafkaniano
Acordei. Olhei para o lado, minha esposa com rosto de inseto, não saberia descrever qual. Aquelas antenas, da boca saíam duas lanças em pinça. Ao abaixa ro lençol, vi que os seios mantinham o formato humano. Beijei aquelas pinças pequeninas, que mexiam rápidas, quase cortando minhas gengivas. Desci a mão até o seu sexo, encontrei um pênis, não de homem, mas eqüino, tanto pelo tamanho como pela aparência, a glande não cabia em minha mão fechada. Somente unindo as duas mãos, conseguia aconchegar o membro. Logo enrijecido, levantando o lençol, formando uma tenda árabe.
Eu, o beduíno no deserto de um quarto repleto de objetos vazios. Levantei e me olhei no espelho. Aquele mesmo rosto, o peito com pelos expostos. Ao abaixar a cueca, uma surpresa, aquela vulva em mim. Logo percebi que era o sexo de minha mulher, ajustado a minha anatomia.
— Olha, querida! Encontrei sua vagina
— Que bom, querido! Agora que sabemos onde está, não precisamos nos preocupar com isso.
Mas ainda faltava meu pênis, pois aquele cavalar não me pertencia. Ereta, minha esposa apresentava enormes testículos, que balançavam entre suas torneadas pernas. Apreciei o porte magnífico daquela criatura, que por mais, acabaria se tornando centaura.
Abro as janelas, vejo um céu claro mas sem sol, as nuvens formando engraçadas figuras. Entre aquelas abstrações flutuantes, por um instante, pensei ter visto meu falo gravado. Impressão de quem deseja muito algo.
Vou ao banheiro, esquecendo minha nova condição. Urinando de pé, percebo que esquisito, escorre perna abaixo o mijo. Acabo sentando. Assim acabo o ato fisiológico. Levanto sem me secar, com gotículas douradas nos pelos.
Sentamos à mesa para a refeição da manhã, contemplo os bagos de minha esposa, pendentes ao avistados por trás. Enquanto ela frita ovos, que rechearão pães. Ela reclama ao sentar-se na cadeira de madeira, pela pressão nos testículos. Compreendo o que está passando. Nos beijamos mais uma vez, aquela sensação de pinças na boca, as antenas roçam minha testa.
Quando me ergo após provar o suco, ela afirma com gravidade ter percebido algo em minhas costas. Se aproxima, pedindo que eu continue de costas, tocando-me. Diz que são guelras. Assusto e peço um espelho. Realmente elas estão lá. Que hibridismo sofremos. Entre sorrisos resolvemos voltar para o quarto.
Na cama, com força sobre-humana, abre-me as pernas e penetra-me com seu órgão de cavalo. A dor agonizante, me sentindo rasgar, parece não ter fim o mastro que não para de adentrar. Até que me acostumo com a força da genitália. Me deixa em posição de quadrúpede, agora indo em ritmo mais forte. Entre gritos, respiro ofegante pelas guelras. Enquanto ela goza com violência, a quantidade é tamanha que minha vagina não suporta, transborda, escorrendo pela cama, inundando de sêmen. A quantidade é tamanha que alaga o quarto, nem bebendo é possível dar conta, embora tenhamos tentado. Nadamos até os ralos e os destapamos, aliviando os cômodos daquela enxurrada.
Tomos a resolução de nos banharmos. Depois de limpos, pensamos a respeito do que fazer, já que não poderíamos sair de casa naquele estado. Principalmente minha esposa, sua aparência facial era asquerosa aos ditames gerais. Assim, decidimos prolongar a estada no apartamento. Não fomos trabalhar. Quando nos telefonaram, pedindo satisfações, apenas comentamos algo trivial, como uma espécie de mal estar. Fui obrigado a falar por ambos, já que a fala de minha esposa, saía entrecortada, por conta as pinças que não paravam de se movimentar.
Ligamos a televisão por distração. O telejornal noticiava algo já visto e revisto em outras edições. Nos comerciais, uma propaganda que mencionava um potente inseticida, deixou minha esposa assustada, por visas das dúvidas, desligamos a tv.
Peguei o violão que estava encostado no sofá, não sei o motivo, nenhum de nós tocava, nem conhecíamos quem o fizesse. No entanto, o instrumento musical estava ali, chamando. Dedilhei as cordas, o som parecia ter alguma melodia. Interrompi bruscamente. Esquecera as roupas penduradas num varal improvisado, como começara a chover, provavelmente estariam molhando. Surpreendentemente estavam secas. Ficamos aliviados por isso.
Os vizinhos reclamavam de algo que não era possível identificar. Uma janela de frente para a nossa, fazia-me indagar se não haviam visto o rosto estranho de inseto que minha mulher apresentava. Do outro lado era possível ver um semblante. Alguém acenou. O telefone tocou novamente. A voz do outro lado da linha, dizia ser a pessoa que acenava do outro lado da janela. Comentou que minha esposa ficara ainda mais bela com a nova aparência, que um dia deveríamos marcar um jantar para expor aos amigos tal novidade. Agradeci e desliguei.
Na agenda certificamos que os pais dela, viriam no dia seguinte almoçar conosco. Não teríamos como esconder o inusitado. Melhor seria expor sem delongas. Por mais, que criticassem, não termos, imediatamente ligado, para informar o ocorrido. Ainda mais por ser eu genro, o que me atribui responsabilidade sempre maior nos momentos de crise.
Para relaxar, abri um livro, fazendo leitura em voz alta. Obra de belas poesias. Quase consegui, fazer escapar uma singela lágrima daqueles olhos de inseto, as próprias antenas retesaram. Conversamos um pouco sobre a coincidência da semana passada, quando ambos foram dispensados mais cedo do serviço, embora por motivos distintos. A causa foi divergente, mas a conseqüência foi harmônica. Dormimos. Pois, o dia seguinte, seria atarefado, quem sabe no posterior, iremos trabalhar.