Sou uma carta

As coisas começaram assim de forma travessa, não sei muito bem o que antes eu estava fazendo, de onde vim ou como eu fui parar naquele ambiente, isso já não é novidade. Só sei então que lá me encontrava presente, assustado por ver acena da situação.

E ali estava eu, vendo minha própria morte. Era meio frustrante observar os erros, porém o que eu podia fazer?! Fiquei ausente por muito tempo e não havia tempo nem para o grito de misericórdia. Então me conformei tendo que ver toda aquela confusão. Sentei, cruzei as pernas e os braços, e assistir as incontáveis peripécias daquele bobo da corte... Refiro-me a mim mesmo – ou o meu outro eu digamos assim só para não confundir. – Sabia que não devia ter lhe confiado às rédeas, mas achei que pelo menos algo ele deveria aprender sozinho, nisso no caso acertei. Foram doloridos tapas e desnecessárias escolhas persistentes, ele se lambuzou por inteiro dando mais desordem aquela bagunça.

Não sei quantos suspiros soltei e muito menos quantas balançadas de cabeça de forma negativa eu dei. Porque tanta desorientação? Meu irmão já devia ter aprendido a medir a gentileza e dosar a bondade, pois nem todos merecem o privilégio do tratamento, pena ele ainda não ter me escutado a respeito disso. Observe, esse é o peso da herança de um coração bom. E não o julguem por ser bobo, dando-lhe pejorativos similares, esse não é o caso, talvez a sua visão, digamos sua perspectiva sobre o assunto, seja baseada na sua índole, e quem pode dizer que seu caráter não é manchado? Poucos o entenderiam, e não se considere um da lista, esses são raros.

Pois bem, dele fiquei compadecido quando perto da conclusão e do desfecho o vi chegar. Deparei-me com aquele quadro e quase não consegui agüentar... Prendi a respiração, serrei os dentes e apertei os punhos contraindo o peito, então foi que... O golpe final... Descrevo como um ataque fatal foi desferido.

Ele simplesmente caiu... E por um tempo o silêncio deu a graça de maestro. Deixei as lágrimas me levarem... Envolto e embalado, cada mínimo detalhe chorou. O sossego dos ruídos não se manteve por mais tempo e...

Lá na frente, com pequenos passos o curinga apareceu tocando um acordeom, de cabeça baixa ele tirava do instrumento dois ou três tons, repetindo aquele som ele dava prazer à singela sinfonia. A música triste ecoava e do nada mais uma nota foi acrescentada aumentando o ritmo da melodia. Seu andar também acelerou aproximando-se finalmente do desfalecido. Em círculos o vi seu caminho percorrer. Surpreendi-me quando de lá longe outra figura se mostrou... Triste e melancólica a peça de xadrez se aproximou, de sua boca uma gaita ele começou a suavemente tocar, acompanhando o curinga que contidamente sua dor expressava. Preocupei-me desesperadamente quando pela minha mente passou a hipótese terrível de que meu irmão abatido tivesse atirado todo seu coração, e só o corpo havia restado. Joguei-me da altura que me encontrava indo de encontro aos que o sofrimento exalava. “Meu querido irmão desvanecido... Não me digas que perdestes seu coração...” – o sussurrei.

Ele agarrou com sua mão ensangüentada minha gravata, e me puxando para perto de seus lábios me disse tremulamente:

– Existe alguém que já sofreu mais do que eu?

Eu estagnei por ouvir algo daquela magnitude, pois se ele sofre, sou eu sofrendo. Se ele sangra, estou eu sangrando, cada corte de seu corpo no meu também está. Não há dor que ele não sinta que em mim não reflita. Não quero confundi-los, explico que a morte é a única coisa que a ambos não é concedida simultaneamente se no caso o ato não for dos dois, é aí que realmente se perde a alma. Mas não quer dizer que em vida eu não prove o que nele foi causado. Sei que arrepiado, dolorosamente dei um sorriso, apoiando sua cabeça em meu colo. Limpei o sangue de sua testa.

– Descanse... Por demais você usou seu coração. – o disse pesarosamente.

Achei ter ouvido um violoncelo por trás de minha voz, não pensei está errada. Porém desse jeito, a música ficou de gosto inigualável mais dolorosa. Ele gemeu, apertando meus braços. O golpeado era ele – eu – a minha dor – era a dor dele. – Enquanto ele o sangue perdia, eu era consumido pelas lagrimas, mesmo que minha expressão não mudasse, por que forcei que não se alterasse.

– Ainda a amo! Amo meu assassino. Meu ódio é pela coragem que ela teve... A imagem de criança devia ser minha não acha?

Vocês podem pensar que seu estado era delirante, mas pelo contrário, se seus olhos a nós nos contemplassem, vocês entenderiam.

Enfim... Foi assim... Meu conto superficial sobre o fato questionado...

Algum tempo se passou, não muito. E ainda não estamos curados. Não pretendo deixá-lo sozinho, ainda nem formamos cicatrizes.

Entenda-nos por carta, se souber o significado disso, saberá como somos. Como sou.

Sou uma carta.

Dan Bastos
Enviado por Dan Bastos em 13/05/2010
Código do texto: T2255192
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