UMA NOITE COM ZÉ MAYER
CONTO FICÇÃO
Olha que eu não sou de ter inveja de ninguém, acho até que nunca fui, nem quando era jovem, pouco mais que um adolescente, pobre, e sem atrativos físicos, com o agravante de morar longe.
Um empreguinho muito do chinfrim, mas que me valeu por muito tempo, o meu sustento , e o mais importante foi o meu convívio com pessoas de nível social, e intelectual, bem acima do que eu estava acostumado a conviver. Não eram pessoas ruim, bem entendido, só eram pessoas marcadas pela pobreza, estigmatizadas pela condição de suburbanos, que na época era sinônimo de inferioridade. Não mudou muito, infelizmente.
E para não me perder em divagações, vou entrar logo no assunto:
Para um sujeito de um metro e sessenta e três de altura, não é nada fácil impressionar as mulheres. Sem grana, e com um físico que não ajudava, a coisa ficava complicada. Por sorte, eu não fiquei careca, nem barrigudo.
Claro que eu não estou me lamentando. Considerando as minhas limitações, físicas e financeiras, até que eu tenho dado um pouco de sorte nas minhas incursões “ donjuanescas”, se é que isso existe,
. Mas este tal de Zé Mayer é que me tira do sério. É só o cara aparecer na telinha, com aquela cara de”pega geral”, pra mulherada ficar alvoroçada. Tá certo, que o cara é um bom ator, além de ser danado de boa pinta, mas, não precisa humilhar, Precisa?
O que mais me incomodava, não eram as mulheres que ele pegava, eram todas atrizes e os beijos eram como eles dizem, eram beijos técnicos.
O problema era as mulheres que eu não pegava, e que para minha maior agonia, suspiravam sonhadoras, só de falar nele.
Esta profissão de cantor da noite, e compositor, não dá pra negar, também tem lá o seu charme. Ganha-se pouco , e ainda tem que aturar os bebuns, que querem cantar junto, e sempre fora do tom, mas, sempre se pega alguém. Eu cantava num bar noturno. contratado apenas para justificar a exploração no preço da bebida.
Eram poucos os clientes que prestavam atenção na música, ou no cantor, alguns, sequer notavam que havia um.
Pessoas solitárias, em busca de companhia, ou esticando a noite, executivos que saem com as suas secretárias, boêmios de final de semana, e moças de programa...
Adalgisa gostava de música, e eu gostava de Adalgisa, gostava não, eu era louco por ela, ela era louca pelo Zé Mayer.
Para mim, não poderia existir um rival mais difícil de enfrentar. Eu estava sempre em desvantagem. Eu era real, estava ali, tocando e cantando... Matéria comum. Podia ser tocado, falava e ouvia... Ele não. Ele era o fetiche, imagem etérea que flanava limpa e perfumada no imaginário das mulheres, com aquele risinho de “vou te pegar” Adalgisa não era diferente. Uma vez, quando eu cantava uma canção do Roberto, ela me disse que só pensava no Zé Mayer cantando pra ela: Amanhã de manhã, vou pedir o café pra nós dois... Nunca mais cantei aquela música.
Se fosse pra disputar homem à homem, no charme, na baba de quiabo... Eu poderia até perder, mas seria uma disputa leal.
Eu cantava pra Adalgisa, escrevia poemas... E nada! Adalgisa gostava de me ouvir cantar, pedia músicas românticas... Eu cantava e ela sonhava...
Foi aí que eu comecei a ter visões. Na primeira vez eu pensei que havia bebido danais, mas, as visões se repetiam. Quando eu olhava para as mesas, todos os homens eram o Zé Mayer.
Aquela obsessão já estava afetando o meu trabalho .Eu não conseguia mais cantar direito, trocava a letras das músicas, quando não errava os acordes.
Era de enlouquecer, espalhar versos românticos pelo salão, e ver a mulherada se derretendo, cada uma para o seu Zé Mayer. Adalgisa não aparecia nas minhas visões, felizmente, acho que eu não iria resistir.
Pedi uns dias de licença, alegando problemas de saúde. Um músico meu amigo, topou ficar no meu lugar, enquanto eu me recuperava. Fiquei recolhido no meu apartamento, tentando organizar as ideias, mas, os meus pensamentos não mudavam de foco, Adalgisa, Zé Mayer, Zé Mayer, Adalgisa. Fiquei trancado durante dias, sem comer direito, sem me barbear, só bebia, e fumava sem parar. Foi na manhã do décimo segundo ou décimo terceiro ria dia, quando eu acordei, e me olhei no espelho, estava com uma aparência lamentável. O apartamento inteiro cheirava, quero dizer, fedia a álcool e cigarro. Tomei banho, me barbeei, preparei um café forte, não tinha pão, nada para comer... Tomei o café puro, vesti uma roupa limpa e saí. Ainda não me sentia bem, mas naquele estado eu não podia ficar.
TRAGO A PESSOA AMADA EM TRES DIAS. Peguei a filipeta mecanicamente, li o anúncio, sem muita curiosidade, mais para ocupar a mente com outra coisa. Eu não havia sido abandonado, Adalgisa sequer imaginava a minha paixão. Se havia alguma coisa, era só da minha parte. No final da filipeta, havia uma frase que chamou a minha atenção: Ou qualquer caso de amor mal resolvido. Achei que eu me enquadrava perfeitamente naquele item. Resolvi pagar pra ver.
Era uma casa comum, lá pra dentro do bairro de Duque de Caxias. A tal cigana, feiticeira, macumbeira, ou seja, lá o que for, me olhou bem nos olhos, deu um tremelique, acendeu uma cigarrilha, e foi falando pausadamente: Ou você acaba com ele, ou ele vai acabar contigo. Fiquei assustado, e sem entender nada, queria fazer uma pergunta, mas ela continuou falando.
È hoje ou nunca mais. Se fizer a coisa certa, vai dar tudo certo. Se fizer a coisa errada, vai dar tudo errado. – Então o que devo fazer?
-Na hora você vai saber, pode ir.
– Quanto é a consulta?
Agora nada, mas, quando estiver tudo bem, eu vou aceitar um agrado. Não esqueça... Passei o resto do dia andando pela rua, precisava respirar, e pegar um pouco de sol. Estava pálido, mas já me sentia um pouco melhor.
Resolvi voltar ao bar onde eu trabalhava, só pra ver como andavam as coisas. Talvez ate tocar um pouquinho, se Adalgisa estiver por lá. A noite estava prometendo, céu claro de luar, temperatura amena, alguma coisa romântica no ar... Estranhei o meu otimismo, depois de me sentir desenganado para relacionamentos amorosos. Achei bom.
Aprontei-me com cuidado, queria causar boa impressão, no caso de encontrar com Adalgisa. – Eu já estava me sentindo tão bem, que até o meu velho fusca estava, ou parecia estar, mais possante e menos barulhento que de costume. Quando fui estacionar, percebi que o flanelinha estava mais gentil, sorridente, e cheio de mensuras.. Por aqui doutor... Vou dar um trato legal na máquina, pode ir tranqüilo..
Foi um susto, tão grande, que eu quase soltei um grito,. Soltaria se pudesse falar... No lugar do meu velho e sórdido fusca cor de abóbora, estava uma imponente BMW azul petróleo e no meu lugar, eu não era eu, eu era o Zé Mayer, mas, também não era o Zé Mayer, porque eu sabia que eu era eu, e não ele.
Eu já tinha visto estas histórias nos filmes. O filho vira pai, e o pai vira o filho, marido vira mulher... E essas coisas de ficção.. Mas, o meu caso era bem diferente, eu era eu mesmo. só estava com a cara do Zé Mayer, vestido com toda a elegância do Zé Mayer, até o carro, devia ser do Zé Mayer. Entrei no bar, já causando o maior reboliço entre as mulheres. e sem dar a mínima para os olhares hostis dos homens... Não sei se ficou igual. mas eu tentei fazer aquele risinho, que eu tanto odiava. Aquele risinho de “vou te pegar”. Adalgisa perdeu a voz quando me viu, ou viu o Zé Mayer, sei lá... O fato é: Se ela não acreditava no que estava acontecendo. Muito menos eu.
- O negócio era deixar rolar. Lembrei- me da mulher de Caxias. Se fizer a coisa errada.... E agora, qual seria a coisa certa? A resposta veio com uma frase de Vó Maria, rezadeira afamada, que me ocorreu na hora: Quem já provou filé, não aceita mais costela. Eu poderia me dar bem naquela noite, mas, só naquela noite, depois nunca mais. Fui chegando pra perto de Adalgisa, extasiada, trêmula de emoção..
Posso lhe pedir uma coisa?
-Não precisa pedir, é só pegar...
Então amiiiiga, me diz que xampu você usa> O seu cabelo ééé liiindo!
Posso ficar aqui contigo, trocando umas figurinhas? Ou você esta esperando algum booofe. Acho que o meu vai me dar o maior booolo...-Homem é tudo igual, não é amiiiga...
Falava alto, pra chamar a atenção,. E as mulheres decepcionadas... Mas que desperdício meu Deus! Os homens pegaram o mote para se gabarem da própria macheza. É isso aí, Este pessoal de artista, é tudo boiola. Ainda dei uma piscadinha bem melosa, e nada discreta para o garçom.
Adalgisa, coitada, não sabia onde enfiar a cara. Pediu licença para ir ao toalete, eu aproveitei para sair, espalhando purpurina pra todos os lados.
Eu estava quase me mijando de tanto rir.
- Como é que o Zé Mayer vai se explicar, quando cair na boca do povo, ou da imprensa? E olha que o cabra é muito macho, disso ninguém duvida..
Voltei para o estacionamento.
Meu fusquinha cor de abóbora estava lá, me esperando.
Mas a flanelinha estava cuspindo marimbondo.
-Viu só que sacanagem?
Dei o maior brilho no carro do cara, e ele saiu na encolha, nem me pagou.
E como eu não era mais o Zé Mayer, aproveitei pra esculachar também um pouquinho.
Esses artistas de televisão adoram sacanear os pobres.
- Da próxima vez, eu risco o carro dele.
-É isso ai meu camarada...
Dei uma nota de dez para ele, que ficou todo agradecido. E me prometeu arranjar sempre uma vaga para o meu fusquinha.
-É só chegar companheiro, que a sua vaga está garantida. Ganhei uns pontos com o flanelinha. Isso é importante.
Quando passei de novo pelo do bar, avistei Adalgisa na porta. Parecia estar esperando um táxi.
- Vai pra onde morena? Se você não se incomodar em viajar em carro de pobre, até o infinito eu posso levar. Se for mais longe, eu vou ter que parar para abastecer. Eu estava até ficando engraçadinho...
Adalgisa deu um risinho meio murcho, mas, embaçou na viatura. Eu não estava acreditando, parecia um sonho, e eu não queria acordar.
–Pode traçar a rota morena, você comanda...
- Ah Betão! Qualquer lugar que você quiser me levar.
A essa altura, nada mais me surpreendia.
Fiz mentalmente um balanço da grana que eu tinha no bolso e quanto eu poderia gastar no cartão. E que se dane o mundo!
O espelho no teto refletia o maior sonho da minha vida.
-E eu não pude resistir a uma ironia; -
Vem morena!
Me chama de Zé Mayer...
-Zé Mayer não meu dengo...
-Da fruta que ele gosta, eu como até o carôôôço...
Fim