O CARÃO DA TAPERA NO TUCURUI
(in histórias do sem
nome e das almas perdidas)
O carão é um pássaro esquisito, comedor de uruá. Vive nos brejos, pântanos e rios da Amazônia e de alguns lugares do Nordeste.
Muitos dizem que é um pássaro triste, porque é feio e come uruá, que por sua vez é um caramujo que vive nas grimpas das árvores e arbustos dos terrenos alagadiços.
Mas uruá é, também, uma planta cheia de penugem é ainda o nome que se dá a mulher macho por aquelas bandas O certo é que o carão é um pássaro esquisito, comedor de uruá. Mas, quem vê o carão em noites de graciosa lua, comendo uruá ou fazendo amor com a árvore de uruá, é certo que morrer ou, no mínimo, fica cego, com os olhos vazados pelo bico da ave estranha e misteriosa.
Caçador despreparado que se atina com o carão, morre mesmo depois de disparar o tiro; a alma do bicho sai do seu corpo preto e mata o caçador.
As pessoas entendidas sabem que o único meio para se dar caça ao bicho, sem morrer ou ficar cego é levar no sapiquá um galho de uruá, ainda bem tenro, com os pelinhos macios e, ao tempo em que apontar a espingarda, baladeira, estilingue ou flexa, ficar cantando baixinho:” o carão é um passaro comedor de uruá, vai morrer e parar no sapiquá, nesta noite de lua”!.
Aí pode atirar que nada acontece.
Se não acertar, o carão voará dando risadas das quais o caçador jamais de esquecerá e, por certo,acabará ficando louco ou besta, de tanto ouvir o bicho dentro dos miolos.
Dito isto já se sabe que o carão sem não é gente do sem nome,tem parte com aquela nação.Tem gente que arrisca caçar o carão porque suas penas e o coração é de muita valia para curar brejeirice de mulher sem juízo ou para castigar mulher casada que tenha andado com senvergonhice
Se comer o coração sem saber, e for inocente, adquire muita formosura. Se for culpada, pode virar mulher-macho ou transformar-se num pé de uruá. As penas, se usadas com sabedoria, escondidas no travesseiro da mulher suspeita, pode fazer o amante virar xibungo ou transformar-se em macho fêmea.
Mariuza Barreto morava em tucuruí foi prá lá logo que as obras foram iniciadas e o desmatamento estava em marcha.Trabalhava numa das empreiteiras como Relações Públicas e, sendo gente do Sul,logo travou conhecimento com um autentico amazonida e a amancebia foi coisa que aconteceu logo.
Ela, bonita com cara de gente das bandas de cá;ele, mais boliviano do que brasileiro porque todo amazônida tem cara de boliviano- passou a ter ciúmes e a sofrer com a duvida.
E foi assim que o sem nome se manifestou com todo poder e forças, levando Wanderley Pereira de Sá, que era amazonida apaixonado, a sair em busca de um carão para tirar as suas duvidas.
Wanderley, rapaz novo, filho de nordestinos que foram para a amazônia na época da borracha(deve se lembrar que todo amazonida de hoje tem ascendência nordestina; em cada mil. talvez um que não o seja) inventou doença,pediu licença do emprego e foi para os brejos e lagos na busca do carão.Pegou espingarda fulminante, o bornal e foi embora numa noite de lua.Para a sua teuda e manteuda não disse nada. Aliás, não falou nada para ninguém., porque as artes do carão só são boas se acontecidas em segredo.
Muito tempo depois, Wanderley Pereira de Sá apareceu em casa, magro, maltrapilho mudo e cego de um olho; o olho não existia mais, tinha sido arrancado.
Mariuza levou o companheiro para o hospital que já se tinha instalado ali para os trabalhadores. Três dias depois, em noite de lua, o dito cujo desapareceu e, em casa,Mariuza encontrou o sapiquá do companheiro cheio de galhos de uruá e, junto com os ramos pequenos, o seu olho espetado num galho fino e miúdo.
Mostrando aquela coisa para o povo conhecido, descobriu-se toda a trama:Wanderlei fora caçar um carão porque desconfiava dela.
Sabe-se que a moça enlouqueceu e foi acometida de malária violenta, morrendo pouco tempo depois.
Desde então, e até hoje,muita gente tem visto um carão cego de um olho vivendo fora do seu habitat natural(que são brejos e alagados), mas nas grimpas das árvores que cercam a tapera que fora a morada de Mariuza e Wanderlei.
É um lugar onde ninguém quer morar e é conhecido como a morada do carão fantasma de tucuruí