" AS PERNAS..."

“ AS PERNAS...”

A placidez da noite é tragada de chofre pelo brilho intenso das luzes... Viaturas gritam uníssonas! Atônito, em franco desespero, o pai mira o revólver... A trêmula mão gira o tambor em torno do crânio... Em segundos o estampido ceifa implacavelmente oitenta anos de vida! Ao lado, impassível, o filho observa o corpo que jaz inerte em pleno passeio público...

Completamente tomado pela insanidade mental, o filho vocifera ininteligíveis palavras, desfere socos em fantasmagóricas ilusões, condena à nulidade os resquícios de sua humanidade!

Exasperado, com a face hirta, morbidamente ruborizada, o rapaz leva então as convulsas e ignorantes mãos às suas pretensas e já imaginárias pernas... O cenário de horror então rodopia...

Mario cai ao chão... De seus bolsos duas hediondas pedras caem... A tenebrosa fumaça consumira novamente o cérebro de mais uma vítima!

Em um momento de tenebrosa lucidez o moço clama à irresponsiva plêiade de zumbis carcomidos pelo pétreo holocausto:

_ Vendi, vendi minhas pernas mecânicas! Agora estou rente à sarjeta! O “crack” não devolverá jamais os meus passos...

Nota da Recantista: Neste domingo de Natal foi publicado no caderno Aliás do festejado periódico “ O Estado de S.Paulo” um brilhante artigo intitulado “A guernica solitária de Zarella” da nobre lavra do eminente sociólogo José de Souza Martins, o qual retrata com riqueza de detalhes o holocausto vivenciado “em um hodierno campo de concentração” paulistano conhecido como “cracolândia”.

Meu texto é totalmente ficcional, os fatos narrados ainda não correspondem à realidade dos fatos. Mas, infelizmente o quadro retratado não é de todo inverossímil! Leiam e tirem suas próprias conclusões!

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Ivone Maria R. Garcia (Ivoninha)

Ivone Maria Rocha Garcia
Enviado por Ivone Maria Rocha Garcia em 05/01/2012
Reeditado em 02/01/2017
Código do texto: T3424328
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