" RÉVEILLON"

“ RÉVEILLON”

Madalena pertencia à uma categoria quase extinta de mulheres: as do presente com alma nostálgica e pretérita. Vivia prazerosamente cada instante de sua existência, como colaboradora do marido provedor e pensava sinceramente ter encontrado o mundo à porta de seu lar.

A felicidade, entretanto, não era completa, em virtude de um capricho egoístico da natureza insensível. Seu ventre bendito ainda não havia conseguido germinar um único fruto, e em, razão disso, sentia-se aniquilada cada vez que o sangue brotava de suas entranhas de mulher jovem.

Certa vez, Madalena propôs ao marido submeterem-se ambos a exames de fertilidade. João Batista, ferido em seus brios masculinos, rechaçou de pronto tal ideia e na contestação do marido, Madalena sentiu a implícita ameaça da falência matrimonial.

Sua alma frágil e subserviente aterrizou-se e daí em diante suas opiniões irreverentes encerram-se definitivamente em seu claustro psíquico.

Em uma dada ocasião, o marido decide pela adoção, e em um dia previamente designado, o casal ruma para um abrigo. Um misto de alegria e expectativa toma conta das crianças, ansiosas pela concretização do direito natural de crescer e se desenvolver no seio de uma verdadeira e amorosa família.

Todavia, antes de serem ultimados todos os trâmites processuais, João Batista, homem eivado de preconceitos e dono de um espírito frio e descrente decide abandonar a assertiva inicial!

Em razão desta nova realidade, Madalena consente na hospedagem em sua casa de sua sobrinha Bárbara, com o fito de ajudá-la em seu processo educacional. Assoberbada de trabalho, dedicando-se com esmero à formação de sua infante parenta, Madalena passa então a desdenhar de seu lado mulher, até esquecê-lo por completo.

Nos raros momentos de intimidade conjugal, a mulher entregava-se às práticas sexuais com incontestável enfado, pensando apenas em cumprir mecanicamente suas obrigações conjugais. Os instantes delirantes do passado não mais se assomavam à sua memória e sua natureza tropical transformou-se em permanente estado glacial.

O marido, então para saciar seus desejos viris, empreendia o caminho de outras falenas, trazendo consigo impregnado o odor enjoado das alcovas mal frequentadas.

O tempo passou e Bárbara tornou-se uma elegante mocinha, de negras e longas madeixas, portadora de uma sensualidade perturbadora e provocante. Ora deliberadamente, ora à revelia da garota, o seu rosto inundava-se por uma expressão faceira, convidativa ao prazer, de outras tantas seu corpo se movimentava eroticamente, atiçando a lascívia dos rapazes em plena profusão hormonal...

Por todo o bairro o boato maledicente se amiudava: a sobrinha dos Brito já não era mais virgem e casta... Uns, ousavam ainda afirmar, sem medo de incorrer em difamações, que a moça profanava leitos conjugais, entregando-se lubricamente à práticas adulterinas.

João Batista, tomado por um estranho frenesi que o fazia sentir arrepios por todo o corpo, adentrou ao quarto da sobrinha de sua mulher... Vislumbrou, a universitária dormindo de forma impudica, revelando por todos os ângulos os segredos de seu corpo jovem, rígido, belo, sequioso de uma atenção viril. Arquejante,não teve dúvidas e precipitou-se sobre ela, beijando-a apaixonadamente.

Tio e sobrinha,inebriados pela febre sensorial, desobedeciam a todos os reclamos morais, dando-se um ao outro em um só hausto de luxúria!

Nos lençóis de linho, os amantes não se importavam com as horas subsequentes, desejosos somente em aplacar a saciedade passional. Bárbara,moça conhecida do falatório público, só naquele momento se diplomava na ciência dos sensuais desejos...

Os gemidos altos e delirantes acabaram por despertar Madalena de seu inocente descanso. Caminhando, pé ante pé, confusa a pobre mulher abre a porta, apenas entreaberta do dormitório de sua sobrinha e uma visão dantesca invade sua retina!

Cambaleante, andando como uma autômata, a mulher dirige-se à biblioteca. Abre a gaveta do marido, encontra o revólver de cabo de madrepérola, coloca os projéteis no tambor e aciona os gatilho.

No quarto, os gemidos e as palavras de amor correm soltos, indiferentes ao estampido que naquela noite de ano bom ceifara a vida de Madalena.

* Nota da Recantista: Trata-se de uma obra ficcional