Introdução - Rookie, Os Bastiodres da "Bella" Máfia.
Seria justo lembrar-se dos nossos mortos a despeito do dia e, por eles, fazer uma prece? Uma prece escorada na inocência dos leigos, já que, até os mais otimistas, sabem da impossibilidade de um mundo melhor? Não sei, porém torço que haja fé pela nossa paz! Porque, mesmo escondidos, vivemos o horror de transformar a esperança no nosso próprio veneno.
Poético, não? Espero que tenham gostado, pois isso é a única poesia da minha vida.
Não sou o sujeito bonzinho da televisão, com sorriso perfeito e cheio de boa vontade em ajudar o próximo. Sou muito pior do que vocês imaginam ou já esperaram conspirar. Sou apenas uma imagem. Oco, que sem qualquer dose de compaixão, fez o que era necessário para subir na vida. E mesmo que duvidem de tudo o que lhes digo, crescer a qualquer custo foi à máxima da minha existência. Por anos, busquei o topo de cadeia alimentar, mas, só depois de tanta merda, descobri as vantagens de não ser o protagonista. Não culpo os traidores e, muito menos, os inimigos declarados. Afinal, o maior dos meus adversários foi àquele invisível, impregnado em nossa essência, passando despercebido ao transitar pelo campo do inimaginável.
Vocês não possuem a mínima ideia do que estou falando, não é verdade? Falo do ego. O sentimento que nos faz chegar a limites bem extremos. Aquele que me obriga a massageá-lo e, também me faz esperar pelo grito da torcida, limitando boa parte da paciência. E mesmo que eu tenha feito tudo que pude contra os rivais de carne e osso, no fim das contas, deixei-me vencer.
Acreditei na intuição, e, por mais sujo que estivesse, talvez tenha sido o único que não se vendeu. Bom, se estiverem vendo esse vídeo, é bem provável que eu esteja morto. No entanto, agora que parti, o mais irritante não é a morte propriamente dita, mas sim não ter a mínima noção de quem a trouxera. E, para piorar o que já era péssimo, a lista de rivais nunca deixou de crescer. Pode até parecer piada, mas ultrapassei as fronteiras continentais no quesito fazer merda, algo que agradeço ao advento da globalização. Desde amarelos de olhos puxados, até meus ascendentes comedores de massa, tenho inimigos. Tem, ou tinha, dias que me julguei o ser mais estúpido da Terra, ainda mais, depois das seguidas ameaças contra o Sindicato! Infelizmente perdi a cabeça, quis fazer o meu nome valer e acabei me tornando uma espécie de inimigo público. Provavelmente, o único ponto de união entre clãs que, por décadas, se odiaram. Por um lado. Bem ou mal, podem achar o que quiser de mim. No entanto, consegui o que tanto queria: destaque.
Para vocês, intrometidos de primeira viagem, deixo um conselho simples, e que, se fosse seguido à risca, certamente me pouparia de vestir o paletó de madeira: a vida é um jogo, e, após iniciado, nos força a endurecer o coração. Não podemos dar brecha para falhas, e muito menos para sentimentalismo barato. A vontade de matar é necessária. E em momento algum, devemos relegá-la a segundo plano. Pois, como disse anteriormente, estamos vivendo num jogo, e nesse, se você for à vítima da vez, não existirá outra chance. E mesmo que sinta necessidade de tal desabafo, creio que seja pertinente mudar de assunto. Afinal, quem está a fim de ouvir o choro de um miserável que matava por dinheiro? Qual de vocês acreditaria num homem tão maldito quanto eu?
Nesse momento de fraqueza, sou o pária de uma sociedade hipocritamente correta. Sou a próxima atração do horário nobre, que, mesmo não se tratando do pior de todos, com certeza seria o mais assombroso pesadelo de vocês, e tenho certeza que é exatamente por isso que ainda estão me assistindo.
Sabe a máfia italiana? Aquela dos filmes e que você nunca acreditou existir? Ela está por aí, espalhada de várias maneiras. Não usamos smokings e chapéus de aba longa. Sei que essa imagem da década de cinquenta ainda reside no imaginário popular até os dias de hoje, contudo após diversos filmes e documentários fajutos, seu significado permanece nebuloso e poucos realmente sabem o que ela é. Não se iluda, o nosso maior trunfo foi a descrença popular em nossa existência. Movemos-nos feito sombra, como apenas mais uma forma de fazer dinheiro, também gerando poder e consequentemente influência política. Então lhes afirmo de maneira convicta que, o verdadeiro crime organizado é praticamente indetectável. Ele está em você, entre seus familiares e nas mais simples ações corruptas! Talvez numa doação, em meio a um assalto ou quem sabe até num saco de cimento. Meu caro, a máfia está em tudo! Realidade ou não... Se a vida já vale pouco, imagine para quem vive nesse meio onde o dinheiro só se lava com sangue...
No fundo, de que vale a busca por minha redenção, se o que dá ibope é a truculência de meus hábitos? Vocês não querem a minha experiência de vida, o meu saber, apenas o entretenimento de ver um homem desesperado foder com a integridade de seus adversários. E, por mais estranho que pareça, em dados momentos, isso os torna piores do que eu. Sab por quê? Pois, vocês se divertem com a miséria do próximo. E quando me propus a gravar esta última mensagem, pensei em fazê-la para entretê-los, assim como, desarticular alguns dos diversos esquemas que controlam a Cidade Maravilhosa.
A verdade é essa. Para o delírio de vocês, eu falarei sobre os escândalos que permeiam a vida de certos políticos, celebridades e até figuras religiosas. Desde o início era isso que vocês tanto procuravam, não? Os senhores querem nomes, ou, no mínimo, algum depoimento interessante sobre as autoridades com as quais me envolvi. E digo-lhes uma coisa: não estão errados, principalmente em pouco se foderem para o ser humano dentro deste terno de linho! Tirando as falcatruas e histórias insólitas com as quais me envolvi, acho que tudo é uma boa merda mesmo. Não fiz nada grandioso na vida, e sequer tenho aquelas histórias de magnatas esbanjando dinheiro em ilhas paradisíacas.
Eu era rico. Perdia-me em rios de dinheiro, porém nada consegui. Por acaso, vocês lembram-se daquelas afirmações sobre as pessoas que, de tão pobres, apenas possuíam o dinheiro? Então, sou uma dessas. Poderia adquirir qualquer bem material existente nesse mundo, mas, no fim das contas, não me restaram amigos. Pode parecer ironia, ou quem sabe o clichê de um coitado, mas falo a verdade! Quando está a ganhar, quem pensa em perder? Quantos milhões havia na minha conta? Meio bilhão? Setecentos? Creio que mais! Mas o que fiz com tanto dinheiro? Nada! Não tive tempo, e muito menos paz. E hoje, com os dois pés na cova ou possivelmente morto, por que não faço uma doação para a caridade? Sinceramente. Respondam-me com franqueza, vocês doariam essa fortuna para um bando de acéfalos? Deixaria milhões a mercê de um povo que elege qualquer figura que esteja em evidência para cargos parlamentares? Convenhamos... Em que mundo, um sujeito em sã consciência doaria tal fortuna, para aqueles que sempre reelegem a pior extirpe de marginais que já ousaram pisar nessa cidade? Não nego que pareça egoísmo. Todavia, caso doasse meus bens, sem sombra de dúvidas estaria distribuindo dinheiro aos simpatizantes dos meus algozes. Isso sim seria estúpido. (...)